• Nenhum resultado encontrado

Camilo 40 anos da teoria geral do processo no Brasil São Paulo: Malheiros, 2013, p.144.

4 A DICOTOMIA DO DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

4.1.2 As principais alterações realizadas no Código de Processo Civil brasileiro para fazer valer o princípio da duração razoável do processo

4.1.2.2 Procedimento monitório

O tradicional modelo do procedimento ordinário em razão de sua própria estrutura é lento demais, tornando-se, conforme afirmado por José Rogério Cruz e Tucci, “inadequado para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva a todas as situações de vantagem, enfim, a todos os direitos que reclamam uma tutela de urgência”.191

Com amparo em José Rogério Cruz e Tucci, conclui-se que o procedimento ordinário em razão de suas peculiaridades não deve prevalecer como técnica universal de solução de litígios, devendo assim, na maneira do possível, ser substituído por novos instrumentos processuais capazes de proporcionar uma tutela jurisdicional rápida, efetiva e de qualidade.

E, por isso, dentre muitas e abalizadas opiniões convergentes, conclui-se que o procedimento ordinário, como técnica universal de solução de litígios, deve ser substituído, na medida do possível, por outras estruturas procedimentais, mais condizentes com a espécie de direito material a ser tutelado.

Diante desse desafio para o aprimoramento do sistema jurisdicional, abstração feita das inúmeras incongruências resultantes de uma arcaica organização judiciária, os processualistas procuram encontrar um equilíbrio, tanto quanto possível e harmônico, entre técnica de tutela substancial e assecuração das garantias processuais.

Escrevendo, aliás, acerca das novas exigências do direito processual civil, Ovídio Baptista da Silva assevera que a maior novidade científica, no âmbito desse ramo jurídico, passou a ser a incessante revitalização de modelos extraordinários de tutela, elencado pelos juristas como espécies de tutela jurisdicional diferenciada.192

É nesse contexto que surge a tutela jurisdicional diferenciada, com técnicas distintas do procedimento universal ordinário que, em razão da morosidade da prestação da tutela jurisdicional, propicia a precipitação temporal dos efeitos da decisão final e a redução da duração do processo.193

[...] assevera Proto Pisani que três são os motivos que justificam, como técnica procedimental visando diminuir a duração do processo, a adoção da denominada tutela sumária lato sensu, a saber:

1) o de evitar (às partes e à administração da justiça) o custo do processo de cognição plenária quando este não é presumivelmente justificado por uma contestação plausível: esta categoria engloba os títulos executivos extrajudiciais, o procedimento monitório etc.;

2) o de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional nas situações de vantagem,

que, tendo conteúdo e/ou função (exclusiva ou prevalentemente) não patrimonial, sofreriam dano irreparável decorrente do longo tempo necessário para o desfecho da demanda plenária: esta compreende a tutela sumária antecipatória cautelar e não cautelar determinada por razões de urgência; e

3) o de evitar o abuso do direito de defesa pelo réu (mediante o emprego dos instrumentos de garantia previstos no procedimento ordinário do processo de conhecimento), que, também, produziria dano irreparável ao demandante derivado

191 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação monitória. 2.ed. São Paulo: RT, 1997, p.14-15. 192 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação monitória. 2.ed. São Paulo: RT, 1997, p.15. 193 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação monitória. 2.ed. São Paulo: RT, 1997, p.17.

da inerente duração da causa: esta encerra as medidas cautelares conservativas e a

condenação com a reserva de exceções.194

Desse modo, dotado de estrutura procedimental diferenciada, o processo monitório, com a conjugação de técnicas relacionadas ao processo de conhecimento e de execução, ao que tudo indica, leva a crer que foi introduzido no ordenamento jurídico como mais uma alternativa para acelerar a prestação da tutela jurisdicional.195

Antonio Carlos Marcato sustenta que o procedimento monitório tem suas raízes no direito canônico: “no procedimento do madatum de solvendo cum clausula iustificativa (ou praeceptum executivum sine causae cognitione), inspirado no procedimento canônico da summaria cognitio, que tinha por objeto a abreviação da duração dos processos”.196

Nota-se que a ideia do procedimento monitório não é nova, mas no sistema jurídico brasileiro somente foi introduzido em 1995 pela Lei nº9.075 e depois complementado com a alteração da Lei nº11.232/2005, época em que a duração razoável do processo já era reconhecida pelo Pacto San José da Costa Rica. A ação monitória no sistema processual brasileiro foi acrescida nos arts.1.102-A a 1.102-C do Código de Processo Civil.

Pela análise do disposto no art.1.102-A do Código de Processo Civil, com amparo no entendimento de Arlete Inês Aurelli, percebe-se que o Brasil adotou o procedimento monitório documental, semelhante ao do sistema processual italiano, com a ressalva de que no Brasil há exigência de “prova completa, suficiente para comprovar a existência da relação obrigacional. Não bastam meros indícios, como no sistema italiano”.197

O procedimento monitório é uma das mais importantes formas de procedimento diferenciado, cujo objetivo não é outro senão a efetividade da prestação da tutela jurisdicional, conforme afirmado por Arlete Inês Aurelli:

É de conhecimento geral a morosidade e burocracia de que padece nossa justiça, principalmente no tocante ao processo de conhecimento, onde vários são os incidentes processuais que podem ser criados, fazendo com que a demora na obtenção do necessário título executivo se prolongue por anos infindáveis.

194 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ação monitória. 2.ed. São Paulo: RT, 1997, p.17.

195 Antonio Carlos Marcato aduz que “dotado de estrutura procedimental diferenciada, o processo monitório representa o

produto final da conjugação de técnicas relacionadas ao processo de conhecimento e de execução, somadas à da inversão do contraditório, aglutinando, em uma só base processual, atividades cognitivas e de execução. Nele, a cognição é fundada com exclusividade na prova documental unilateralmente apresentada pelo autor, permitindo desde logo a emissão de um mandado (denominado, pela lei, como mandado inicial, mas designado, em sedes doutrinária e jurisprudencial, como mandado monitório ou mandado de injunção), contendo o comando, dirigido ao réu, para pagar uma soma em dinheiro ou entregar bem fungível ou coisa certa determinada. E como também é informado pela técnica da inversão do contraditório, no processo monitório a cognição torna-se plenária apenas se e quando o réu vier a opor embargos; omitindo-se ou sendo aqueles rejeitados, inicia-se a fase executiva, sem solução de continuidade”. (MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos

especiais. 14.ed. São Paulo: Altas, 2010, p.274-275).

196 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 14.ed. São Paulo: Altas, 2010, p.275.

197 AURELLI, Arlete Inês. Recursos em ação monitória – Lei n.9.079 de 14.07.95. Revista de Processo, São Paulo, v.93,

Assim, entre as espécies de tutela jurisdicional diferenciada, tendo-se sempre em mira a obtenção de uma prestação jurisdicional eficaz, criou-se a ação monitória, como um meio de abreviar essa demora, possibilitando economia de tempo, dinheiro e energia.198

A ação monitória constitui um procedimento que tem como base a prova exclusivamente documental visando o recebimento de crédito, a entrega de bem imóvel ou coisa fungível. O procedimento monitório detém natureza sincrética e marcante característica de técnica de sumarização procedimental, pois, segundo Antonio Carlos Marcato, resulta da “conjugação de técnicas relacionadas ao processo de conhecimento e de execução, somadas à inversão do contraditório, aglutinando, em uma só base processual, atividades cognitivas e de execução”.199

Como esclarecimento, importa mencionar que no procedimento monitório existem duas fases distintas: uma inicial, propositiva, que começa com a distribuição da petição inicial e finalizada brevemente com o ato citatório,200 e a segunda, a fase executiva, que tem início com a ausência de embargos monitórios ou seu julgamento improcedente, quando oferecidos, ou ordinário quando opostos e processados.

A expedição do mandado de pagamento pelo órgão jurisdicional de certa quantia, ou de entrega de coisa, é determinada pelo reconhecimento de uma probabilidade201 do direito constante no documento escrito,202 e não de um juízo de certeza como ocorre no procedimento ordinário de cognição exauriente.

198 AURELLI, Arlete Inês. Recursos em ação monitória – Lei n.9.079 de 14.07.95. Revista de Processo, São Paulo, v.93,

jan.1999, p.258.

199 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 14.ed. São Paulo: Altas, 2010, p.274.

200 Informa Arlete Inês Aurelli que “no Brasil, o procedimento monitório é bifásico, ou seja, está dividido da seguinte

maneira: 1) fase de cognição sumária, que termina com a expedição do mandado de injunção ou monitório; 2) fase que se inicia no caso de se serem oferecidos embargos ao mandado. A partir daí, o procedimento seguido é ordinário”. (AURELLI, Arlete Inês. Recursos em ação monitória – Lei n.9.079 de 14.07.95. Revista de Processo, São Paulo, v.93, jan.1999, p.258).

201 Antonio Carlos Marcato pondera que “fruto de cognição sumária e emitido inaudita altera parte, com lastro apenas nas

afirmações e documentos unilateralmente apresentados pelo autor, o mandado monitório somente adquire eficácia similar à da sentença condenatória obtida no processo de cognição plena, se e quando o réu se omitir, ou seja, deixar de opor embargos, visto que a lei lhe defere a possibilidade de dar vida, por meio daqueles, a um processo que se desenvolva na plenitude do contraditório e permita assim, a impugnação do decreto judicial”. (MARCATO, Antonio Carlos.

Procedimentos especiais. 14.ed. São Paulo: Altas, 2010, p.290).

202 Ao tratar do tema, Arlete Inês Aurelli enfatiza: “por documento escrito deve-se entender ‘qualquer documento que seja

merecedor de fé quanto à sua autenticidade e eficácia probatória’. O documento pode ser público ou privado, bastando que justifique o crédito e que não tenha a eficácia típica dos títulos executivos extrajudiciais. Além disso, a prova deve ser plena, completa, não se admitindo o começo de prova por escrito, por exemplo, o qual depende da corroboração da prova testemunhal. No meu entender, esse documento deve originar-se do próprio devedor. Carreira Alvim entende que pode originar-se do próprio devedor ou de terceiro. Entretanto, discordo dessa opinião. Isto porque, no direito italiano, onde referido mestre embasou seu entendimento, o documento pode se originar de declaração de terceiro, porque lá a prova não necessita ser plena, admitindo-se indícios. Contudo, no nosso sistema há necessidade de a prova ser completa, pelo que somente o documento originado do próprio devedor deve ser aceito para embasar a monitória. Não haveria segurança no sistema caso se admitisse a possibilidade de expedição de mandado monitório baseado em simples declaração de terceiro, Ora, se assim fosse, qualquer um que quisesse lesar outrem pediria a um terceiro que firmasse declaração a respeito do crédito. Quanto ao credor a que alude o art.402, I, aquele que tem começo de prova por escrito, e em relação ao qual se admite prova testemunhal, qualquer que seja o valor, da mesma forma entendo que não poderá ser aceita ação monitória. A prova escrita nesse caso deve ser considerada em seu sentido estrito, não se admitindo, portanto, fita cassete, VHS, sistema

Expedido o mandado de pagamento e efetivado o ato citatório,203 o réu pode seguir três caminhos: pagar ou entregar a coisa, ocasião em que há o acatamento do mandado liminar, apresentar embargos monitórios, ou permanecer inerte e não opor embargos.

No primeiro caminho, “o réu estará reconhecendo a procedência do pedido do autor, pelo que o processo deverá ser extinto com julgamento do mérito, com base no art.269, II, do Código de Processo Civil, isentando-se o demandado do pagamento de custas e honorários”.204

Já no segundo caminho nota-se que a iniciativa de oferecer argumentações em sentido contrário à pretensão do demandante será exclusiva da parte ré, embargada, que poderá opor-se ao mandado de pagamento por meio de embargos, que susta a ordem, independe de garantia do juízo e desenvolve-se através de cognição plena, seguindo o procedimento ordinário,205 ocasião em que há a suspensão do mandado.206

Não opostos embargos,ou sendo os pedidos lá postos julgados improcedentes, constituir-se-á de plano título executivo, iniciando a fase executiva, observados, quanto a esta, os procedimentos, princípios e regras estabelecidos pelo Livro I, Título VIII, Capítulo X, do Código de Processo Civil.

Traçadas as principais características da ação monitória, e analisado o seu arcabouço histórico, conclui-se que o procedimento monitório consiste em mais uma técnica de sumarização da cognição, criada com o intuito de acelerar o trâmite processual e concretizar a cláusula constitucional da duração razoável.

A técnica de que se vale o procedimento monitório, com a expedição de mandado para o cumprimento da obrigação (pagar, dar, entregar) ou oferecimento de defesa, visa agilizar a tutela jurisdicional em caso de não apresentação de embargos monitórios, uma vez que, decorrido in albis o prazo para apresentar embargos monitórios, inicia-se a fase

audiovisual”. (AURELLI, Arlete Inês. Recursos em ação monitória – Lei n.9.079 de 14.07.95. Revista de Processo, São Paulo, v.93, jan.1999, p.258).

203“O mandado monitório também contém a ordem para citação, com o que o contraditório estará se efetivando nessa

primeira fase. Aliás, entendo que do mandado deve constar, inclusive, a advertência do art.285 do CPC, no sentido de que, se os fatos não forem contestados, através dos embargos, deverão ser considerados verdadeiros, formando-se, de pleno direito, o título executivo e convertendo-se o mandado monitório em executivo”. (AURELLI, Arlete Inês. Recursos em ação

monitória – Lei n.9.079 de 14.07.95. Revista de Processo, São Paulo, v.93, jan.1999, p.258).

204 AURELLI, Arlete Inês. Recursos em ação monitória – Lei n.9.079 de 14.07.95. Revista de Processo, São Paulo, v.93,

jan.1999, p.258.

205 A respeito, Antonio Carlos Marcato, preconiza que “a iniciativa do contraditório será exclusivamente do réu (e é,

portanto, eventual e invertido), que poderá opor-se ao mandado e assim ensejar a instauração de um processo incidente ao monitório, ou seja, o processo de embargos ao mandado, neste se realizando a cognição plena tendente ao estabelecimento da certeza ou não do crédito afirmado pelo autor”. (MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 14.ed. São Paulo: Altas, 2010, p.279).

206 Nesse sentido, Arlete Inês Aurelli: “apresentação dos embargos somente suspende a eficácia do preceito, prosseguindo sua

execução na hipótese de rejeição”. (AURELLI, Arlete Inês. Recursos em ação monitória – Lei n.9.079 de 14.07.95. Revista

executiva, tendo em vista que o silêncio do réu é encarado como forma de concordância do direito pleiteado e comprovado pela prova documental apresentada com a distribuição da inicial.

Assim, o procedimento monitório é mais uma forma de reconhecimento do direito objetivo à duração razoável do processo, uma vez que, quando não oferecidos embargos monitórios, trata-se de procedimento bem mais célere que o ordinário, possibilitando que a tutela jurisdicional seja prestada e efetivada pelo Estado em um tempo mais curto se comparado com o procedimento ordinário.

Entretanto, com amparo no entendimento de Cândido Rangel Dinamarco207 e Antonio Carlos Marcato208, importa consignar que o legislador maltrata o procedimento ao não deixar expresso os efeitos da apelação interposta nos autos da ação monitória, que deveria, por analogia, ser recebida, na forma do art.520, V do CPC, a fim de possibilitar a execução provisória da sentença.