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Camilo 40 anos da teoria geral do processo no Brasil São Paulo: Malheiros, 2013, p.144.

4 A DICOTOMIA DO DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

4.1.2 As principais alterações realizadas no Código de Processo Civil brasileiro para fazer valer o princípio da duração razoável do processo

4.1.2.3 Súmulas vinculantes

As súmulas vinculantes também podem ser tratadas como reconhecimento do direito objetivo à duração razoável do processo, uma vez que têm por finalidade a adoção de uma tese jurídica sobre determinado assunto que indiretamente reflete no tempo de julgamento das ações, reduzindo a quantidade de ações em trâmite no Poder Judiciário, e evitando a propositura de novas demandas.

As súmulas com caráter vinculante, que deram origem ao art.103-A da Constituição Federal, foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro com a Emenda Constitucional nº45/2004, a qual foi responsável pela Reforma do Judiciário e criou diversos mecanismos voltados a tornar o processo mais célere e efetivo.

207 Confrontando os efeitos da apelação interposta, respectivamente, contra a sentença de rejeição dos embargos à execução e

dos embargos ao mandado, Cândido Rangel Dinamarco afirma: “trata-se, tanto cá como lá, de liberar a eficácia do título diante de uma cognição completa feita por um juiz, com significativa probabilidade de que o direito exista. Com o trânsito em julgado da sentença que rejeita os embargos, libera-se sem dúvida a eficácia do mandado como título executivo, autorizada a execução definitiva”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1995, p.242).

208 A respeito do assunto assevera Antonio Carlos Marcato: “reconhecendo, embora, que a doutrina pátria vem-se

manifestando majoritariamente em sentido oposto, não vemos por que, nesse caso, deva o silêncio da Lei nº9.079 merecer a interpretação que lhe vem sendo dada. Seria ela até razoável para os adeptos da tese de que os embargos são contestação; mas, uma vez reconhecidas, a sua natureza de ação e as similitudes que apresenta com os embargos à execução, não se justifica, à luz da instrumentalidade do processo e da efetividade da tutela jurisdicional, esse respeitável entendimento contrário”. (MARCATO, Antonio Carlos. O procedimento monitório brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p.110).

Antes de aderir ao caráter vinculativo, as súmulas vinculantes foram precedidas das súmulas simples, que tiveram seu surgimento no Brasil em 1963 como meio de reduzir o acúmulo de processos em que se discutia a mesma questão, principalmente na Justiça Federal. As súmulas simples possuíam apenas força persuasiva,209 embora auxiliassem bastante a uniformização de entendimentos e funcionassem como filtros de processos; os Tribunais como os juízes de instâncias inferiores podiam aplicá-las ou não. Essas súmulas desprovidas de vinculação não impediam os julgadores de proferirem diferentes decisões no mesmo processo, por conta dos diversos desdobramentos dos recursos e não evitavam a proliferação de processos ante a inexistência de uma tese jurídica aplicável à espécie.

É nesse contexto que a súmula vinculante, herdada do direito norte-americano em que impera o princípio do stare decisis (mantenha-se a decisão),210 consubstanciado na vinculação à regra dos precedentes, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro. Relevante registrar que os anseios da sociedade comum e jurídica em mitigar a divergência jurisprudencial e minimizar o número de ações idênticas foram os principais coadjuvantes na inserção desse mecanismo no direito brasileiro.

Além de conferir agilidade aos julgamentos, as súmulas vinculantes também foram criadas com a finalidade de conferir maior isonomia e segurança jurídica para os jurisdicionados, tendo em vista a previsibilidade do pronunciamento dos tribunais. Para Marcelo Alves Dias de Souza, os principais objetivos das súmulas são:

Um deles é o fato de a súmula fornecer uma maior certeza do Direito. Através da súmula, identifica-se, rapidamente, a jurisprudência firme, cristalizada (mas não imutável) do tribunal acerca de variados temas jurídicos. Individualmente, verifica- se que cada um dos enunciados da súmula recobre determinado aspecto da lei, ou preenche os espaços vazios por ela deixados, com uma interpretação considerada

209 MANCUSO, Rodolfo Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4.ed. São Paulo: RT, 2010, p.401. 210 Rodrigo Jansen informa que “a inspiração da súmula vinculante no precedente do Direito norte-americano e na doutrina

do stare decisis não pode ser ignorada. Com efeito, sempre que se imagina conferir eficácia vinculante a decisões da nossa Corte Constitucional, torna-se inescapável o paradigma dos precedentes nos Estados Unidos e de como se processa a criação do Direito pelos seus juízes. [...] A doutrina do stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos simplesmente significa que, uma vez que a Corte de última instância no sistema judiciário federal ou estadual decida um princípio de direito para o caso em julgamento, estabelecendo assim um precedente, a Corte continuará a aderir a este precedente, aplicando-o a casos futuros em que os fatos relevantes sejam substancialmente os mesmos, ainda que as partes não sejam as mesmas. Portanto, ‘precedente’ é a regra jurídica usada pela Corte de última instância no local em que o caso foi decidido, aplicado aos fatos relevantes que criaram a questão de mérito levada perante a Corte para decisão. Stare decisis é a política que exige que as Cortes subordinadas à Corte de última instância que estabelece o precedente sigam aquele precedente e ‘não mudem uma questão decidida’. A doutrina do stare decisis foi herdada do direito inglês como parte da tradição da common law. Como tradição, nunca foi posta em uma regra escrita, não sendo encontrada na Constituição ou qualquer lei. O fundamento da regra do stare decisis pode ser resumido em quatro palavras: igualdade, previsibilidade, economia e respeito. Igualdade (equality) no sentido de que todos devem receber o mesmo tratamento do Poder Judiciário, de maneira que casos semelhantes recebam respostas jurídicas equivalentes. Previsibilidade (predictability) enquanto se espera que os juízes respeitem as regras e interpretações que já ficaram assentes, proporcionando maior segurança jurídica. Economia (economy) por ser um sistema mais eficiente, já que seguir um precedente seria mais simples do que criar um precedente, facilitando o trabalho dos magistrados. Respeito (respect) na medida em que são valorizadas a experiência e a sabedoria dos magistrados de gerações passadas e dos de tribunais superiores”. (JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista de

prevalente e consolidada, assim contribuindo, ponto a ponto, com a certeza do Direito. Outro motivo foi a busca da previsibilidade: contendo a súmula, de modo seguro, preciso e claro, a verdadeira inteligência da norma previsível, tanto para o Judiciário como para os jurisdicionados, a solução de litígios presentes e futuros. Por derradeiro, pesou o princípio da igualdade: a súmula, se não acaba, pelo menos mitiga bastante a variação de interpretação sobre determinada questão de direito. Ou seja, contribui para a aplicação de uma mesma regra para os casos semelhantes, o que resulta em tratamento igual para todos que, nas mesmas condições, batam às portas do Judiciário.211

Todos os órgãos do Poder Judiciário, incluindo o Superior Tribunal de Justiça, demais Tribunais Superiores, Tribunais Estaduais, Federais e juízes de primeiro grau de qualquer localidade do Brasil, além dos órgãos que compõem a Administração Pública, ficam vinculados às súmulas emitidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Contudo, pela interpretação da expressão “vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário” no art.103-A da Constituição Federal, o STF não está vinculado às suas decisões sumulares, assim poderá rever o posicionamento firmado por meio de súmula vinculante quando entender conveniente.

Embora não se trate de produção legislativa, mas de interpretação de produção jurisdicional, parece-nos que as súmulas vinculantes possuem uma característica normativa e de fonte de regras jurídicas. Para Mônica Sifuentes, a súmula vinculante é “ato típico e exclusivo da função jurisdicional, que se situa em uma zona cinzenta da distribuição funcional entre os poderes do Estado, dado o seu caráter de obrigatoriedade e generalidade, que o aproxima do conteúdo material da lei”.212

A respeito desse assunto, importa mencionar que existe uma nítida diferença entre as normas legais e as súmulas vinculantes. As normas legais são elaboradas como resultado de atividade legislativa para a sociedade, são desprovidas de quaisquer limitações e representam verdadeira forma de expressão popular, uma vez que são formuladas por legítimos representantes do povo escolhidos democraticamente, portanto, impessoais e produzem como resultado efeitos erga omnes.

Já as súmulas vinculantes decorrem de atividade jurisdicional, são obrigatórias apenas aos órgãos judiciários e à administração pública e, além disso, são elaboradas tomando por base situações já existentes e amplamente discutidas por julgadores, a ponto de existir entendimento pacificado sobre uma interpretação de lei.

No entanto, a partir do momento em que o ordenamento recepciona uma súmula com caráter vinculante, o instituto pode ser equiparado, em termos de efeitos práticos

211 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2007, p.254. 212 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2007, p.275.

para seus destinatários, à condição de fonte formal de direito.213 Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que a súmula vinculante seria norma judicada com eficácia de norma legal, justificando a coercitividade da súmula vinculante da seguinte forma:

[...] É preciso ter presente que a súmula, quando potencializada com a nota da obrigatoriedade, pouco ou nada fica a dever, em termos de eficácia jurídica e social, à própria norma legal, podendo-se justificar essa força coercitiva da súmula vinculante num sumário de 10 pontos: a) exerce pressão e controle sobre as condutas das pessoas físicas e jurídicas, na medida em que torna público o estereótipo daquilo que o Judiciário, numa dada matéria, considera certo ou errado; justo ou injusto; válido ou inválido; jurídico ou antijurídico; b) permite a previsibilidade do resultado das demandas pendentes e mesmo virtuais, como que antecipando o teor provável da futura decisão [...]; c) passa a atuar como fonte de direitos e obrigações perante as pessoas físicas e jurídicas e nas suas relações com o Estado, por exemplo, servindo como diretriz para inserção/supressão de cláusulas contratuais ou nos conflitos entre Fisco e contribuinte; d) influi, poderosamente, na formação da persuasão racional do magistrado, de forma ainda mais decisiva do que as fontes secundárias e os meios de integração [...]; e) simplifica ou sumariza o discurso jurídico, na medida em que se torna premissa menor do silogismo da decisão judicial, que, de outro modo, seria composta pela norma legal, a qual, todavia, demandaria interpretação, conducente a mais de uma inteligência; f) reduz ou praticamente anula o risco de decisões conflitantes sobre um mesmo assunto, assim contribuindo para o tratamento isonômico aos jurisdicionados, ao tempo em que harmoniza os valores de justiça e certeza; g) agiliza as decisões, na medida em que a súmula já competente, acerca da matéria, num dado espaço-tempo, superando possíveis argumentos contrários ao seu enunciado; h) atua eficazmente na desobstrução do serviço judiciário, economizando o tempo entre as fases postulatória e decisória no primeiro grau e entre a fase recursal e o trânsito em julgado; i) simplifica e agiliza o juízo de admissibilidade dos recursos – e em certos casos até a decisão sobre o mérito da pretensão recursal – sobretudo nos Tribunais Superiores; j) [...] propicia a uniformização contemporânea

da jurisprudência, pela aplicação de um único juízo de valor aos casos análogos –

pendentes e futuros – [...].214

Pela análise do raciocínio de Rodolfo de Camargo Mancuso, trata-se a súmula vinculante de um preceito geral, abstrato e imperativo que figura, em termos práticos, no mesmo patamar de fonte formal primária de direito, ou seja, norma legal, em decorrência do seu efeito vinculante e da aplicação obrigatória para seus destinatários.

No entanto, vale registrar que as súmulas vinculantes, como fonte formal de direito, não tem mais valor do que as leis emanadas do Poder Legislativo, pois estas representam a verdadeira forma de expressão popular.

Desse modo, por se tratar de aplicação obrigatória, conclui-se que a adoção das súmulas vinculantes pelo direito brasileiro consiste em mais uma manifestação do direito

213 Segundo afirma Maria Helena Diniz, as fontes formais podem ser estatais e não estatais. As estatais subdividem-se em

legislativas (leis, decretos, regulamentos) e jurisprudenciais (sentenças, precedentes judiciais, súmulas). Tal divisão leva em conta o predomínio das atividades legiferante e jurisdicional. As não estatais, por sua vez, abrangem o direito consuetudinário (costume jurídico), o direito científico (doutrina) e as convenções em geral ou negócios jurídicos. (DINIZ, Maria Helena.

Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia

jurídica. 21.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p.285).

objetivo à duração razoável do processo, uma vez que a aplicação da súmula vinculante reduz o número de processos e acelera o andamento daqueles pendentes de julgamento, facilitando assim o trabalho do advogado e do tribunal ao simplificar o julgamento de questões frequentes.