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FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E DA EFETIVIDADE JURISDICIONAL?

5.3 Ativismo judicial vs garantismo processual

5.3.1 Princípio do dispositivo

A postura proativa do juiz na condução do processo pode levar à ideia de maltrato ao princípio do dispositivo. Segundo Adolf Schonke, o princípio do dispositivo, é aquele que no processo civil, “atribui às partes a tarefa de estimular a atividade judicial e praticar os atos do processo; os fatos não praticados pelas partes não podem ser levados em consideração; e, por regra geral, tampouco podem praticar provas de ofício”.291

A análise do princípio do dispositivo requer uma leitura conjunta dos arts.2º, 128 e 262 do CPC. O art.2º do CPC dispõe que a jurisdição, provocada para a composição de litígios privados, não relativos a direitos indisponíveis depende de requerimento da parte, por sua vez, o art.128 do CPC estabelece que cabe à parte interessada dispor, determinar, delimitar o campo de atuação do juiz; por fim, o art.262 do CPC dispõe que o processo civil começa por iniciativa da parte.

Através dessas explanações, uma interpretação bastante restritiva do princípio do dispositivo leva à conclusão de que é vedado ao juiz tomar qualquer atitude proativa na condução do processo para alcançar uma solução justa, uma vez que ao juiz apenas é permitido atuar de acordo com as alegações das partes e com as provas trazidas ao processo pelas partes.

Entretanto, no processo civil contemporâneo essa noção não pode mais ser preponderante, uma vez que o juiz deve exercer no processo uma postura ativa, não mais sendo admitido um papel passivo, de mero expectador na relação processual. O juiz não deve ser visto como um estranho em relação à exposição fática da lide.

Nesse contexto, José Roberto dos Santos Bedaque afirma que o princípio do dispositivo é reservado tão-somente para os reflexos que a relação de direito material disponível possa produzir no processo, não existindo assim, qualquer ligação com a relação de direito processual.

Diante de tanta polêmica em torno da terminologia adequada para representar cada um desses fenômenos, e até mesmo da exata configuração deles, preferível que a denominação “princípio dispositivo” seja reservada tão somente aos reflexos que a relação de direito material disponível possa produzir no processo. E tais reflexos referem-se à própria relação jurídico-substancial. Assim, tratando-se de direito disponível, as partes têm ampla liberdade para dele dispor, através de atos processuais (renúncia, desistência, reconhecimento do pedido). E não pode o juiz opor-se à prática de tais atos, exatamente em virtude da natureza do direito material em questão. Essa sim corresponde à verdadeira e adequada manifestação do princípio dispositivo. Trata-se de um princípio relativo à relação material, não à processual.292

No mesmo sentido, entende Cassio Scarpinella Bueno que o princípio do dispositivo deve ser entendido nos casos de “desistência da ação (por exemplo, arts.267, VIII c/c §4º, e 569) ou de algum ato processual já praticado (por exemplo, arts.412, §1º, e 501); na transação (por exemplo, arts.269, III, e 794, II); no reconhecimento jurídico do pedido (por exemplo, art.269, II)”,293 além da presunção de veracidade dos fatos alegados (arts.319 e 803

do CPC) e na renúncia do direito (arts.269, V e 794, III).

Desse modo, como conclui José Roberto dos Santos Bedaque, a denominação princípio do dispositivo “deve expressar apenas as limitações impostas ao juiz, em virtude da disponibilidade do direito; e que são poucas, pois se referem aos atos processuais das partes relacionados diretamente com o direito disponível”294. Assim, as demais restrições,

292 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013, p.98-

99.

293 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil.

v.1. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.545.

294 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013,

principalmente as referentes à instrução da causa, não têm qualquer ligação com a relação material, e por isso, não decorrem do princípio dispositivo.

De qualquer modo, ainda que se dê maior abrangência ao referido princípio, não pode ele implicar restrição às condutas proativas do juiz na condução do processo. Considerando a atual situação do Poder Judiciário – moroso e congestionado – a colaboração do juiz na atividade probatória é medida necessária, bem como a boa direção do processo, penalizando condutas desleais e abusivas das partes.

Instaurada a demanda, cabe ao juiz a direção do processo, sempre com a colaboração das partes. O juiz dirige a marcha do processo não só formal, mas também materialmente, pois impende, acima de tudo, a satisfação do interesse público na atuação concreta da lei para a justa composição dos conflitos. Aliás, é função do juiz julgar bem e com justiça e, para isso, é imprescindível que tenha bastante conhecimento dos fatos.

O próprio Código de Processo Civil preleciona nesse sentido, ao dispor no art.130 que cabe ao juiz determinar de ofício a realização das provas necessárias à instrução do processo. Outras disposições do CPC também lhe confere poderes para determinar de ofício as medidas de instrução necessárias para o seu convencimento, a exemplo dos arts.342, 355, 382, 418, 426, II e 440.

A postura proativa do juiz, sendo ativismo judicial ou não, como abordado no tópico anterior, justifica-se pelos princípios da inafastabilidade do controle jurisidicional, da efetividade e da razoável duração do processo.

É com esta finalidade que o juiz muitas vezes participa do processo, não podendo essa participação ser vista como violação ao princípio do dispositivo.

A esse respeito, o STJ, em ocasião do julgamento de recurso especial, se posicionou no sentido de que o ativismo judicial, com base em lei expressa ou não, é desejável para a realização satisfatória da justiça:

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART.535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SIGILO BANCÁRIO. SISTEMA BACEN JUD.

[...] 3. A regra é a de que a quebra do sigilo bancário em execução fiscal pressupõe que a Fazenda credora tenha esgotado todos os meios de obtenção de informações sobre a existência de bens do devedor e que as diligências restaram infrutíferas, porquanto é assente na Corte que o juiz da execução fiscal só deve deferir pedido de expedição de ofício à Receita Federal e ao BACEN após o exeqüente comprovar não ter logrado êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens.

[...] 5. Todavia, o sistema BACEN JUD agiliza a consecução dos fins da execução fiscal, porquanto permite ao juiz ter acesso à existência de dados do devedor, viabilizando a constrição patrimonial do art.11, da Lei nº6.830/80. Deveras é uma forma de diligenciar acerca dos bens do devedor, sendo certo que, atividade empreendida pelo juízo, e que, por si só, torna despiciendo imaginar-se um prévio

pedido de quebra de sigilo, não só porque a medida é limitada, mas também porque é o próprio juízo que, em ativismo desejável, colabora para a rápida prestação da justiça.

7. Destarte, a iniciativa judicial, in casu, conspira a favor da ratio essendi do convênio. Acaso a constrição implique em impenhorabilidade, caberá ao executado opor-se pela via própria em juízo.

8. Recurso Especial provido. (STJ. REsp nº666419/SC, Primeira Turma, Min. Rel. Luiz Fux, j. 14.06.2005).

Ainda, em sentido oposto ao princípio do dispositivo, o princípio do inquisitivo permite ao juiz investigar a verdade, por todos os meios legais a seu alcance, para a determinação dos fatos postos pela parte como fundamento da demanda. No princípio inquisitivo, ainda que inertes as partes, compete ao juiz decidir sobre os meios de provas, mesmo que não requeridos, facultando-lhe iniciar, de ofício, o processo e dirigi-lo com iniciativas processuais.

Diante da existência do princípio do dispositivo e inquisitivo, Maria Elizabeth Castro Lopes ao estudar o tema, conclui: “mais importante do que a opção entre o princípio dispositivo e o princípio inquisitório é a conscientização de que a atividade probatória deve ser regida pelo princípio da colaboração entre as partes e o juiz, uma vez que o processo não pertence nem àquelas, nem a este”.295

Portanto, não deve ser admitida a concepção do princípio do dispositivo com a vedação da iniciativa probatória e a participação do juiz no processo. Isto, porque juiz, para bem prestar a tutela jurisdicional, na condição de gestor do processo, está autorizado, por disposições legais, a cooperar com as partes na busca da melhor solução para o caso.