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Camilo 40 anos da teoria geral do processo no Brasil São Paulo: Malheiros, 2013, p.144.

3 DIREITO CONSTITUCIONAL PROCESSUAL: DIREITO FUNDAMENTAL AO ACESSO À JUSTIÇA COM RESULTADO ÚTIL EM TEMPO RAZOÁVEL

3.5 Princípio da duração razoável do processo: direito fundamental ao trâmite processual em tempo razoável

3.5.1 Definição do princípio da razoável duração do processo

3.5.1.2 Conduta pessoal da parte lesada

O segundo critério adotado pelo TEDH para avaliar se o processo tramitou em tempo razoável é a conduta pessoal da parte lesada. A Corte Europeia, com fundamento no art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, entende que os interessados no processo estão obrigados a “cumprir diligentemente os atos que lhe concernem, a não usar manobras dilatórias e a explorar as possibilidades oferecidas pelo direito interno para abreviar o procedimento”.128

Em outras palavras, a conduta pessoal das partes envolve a probidade processual, a qual impõe às partes do processo o dever da verdade, da lealdade e da boa-fé. As partes não devem se utilizar das normas disponíveis no ordenamento jurídico para fins desvirtuados, ou seja, devem usar as normas com a finalidade de melhor assegurar seus direitos, de forma leal, e não utilizando-as como instrumento para retardar o avanço do processo.

Para perquirir acerca da razoabilidade do tempo transcorrido no caso concreto, deve ser observado se o demandante prejudicado cumpriu diligentemente com suas obrigações, deveres e ônus processuais, ou se, pelo contrário, manteve conduta dolosa, propiciando o atraso na prestação jurisdicional, mediante a interposição de

126 Frederico Augusto Leopoldino Koehler ilustra esse tema no excerto que segue: “O Tribunal europeu tem admitido a

existência de complexidade jurídica procedimental em função da dificuldade de encontrar determinadas testemunhas, da necessidade de provas periciais complexas, da conexão de ações, da multiplicidade de incidentes processuais suscitados pelas partes, da interação entre procedimentos administrativos e judiciais, e da apresentação de questões novas e de difícil interpretação jurídica, sendo este último fenômeno, diga-se, extremamente comum no ordenamento jurídico brasileiro, em que são conhecidas a prolixidade e a imprecisão dos legisladores. Além disso, a causa sob exame pode ser mais complexa do que a média dos processos da mesma natureza, devido a uma grande quantidade de fatos a serem provados, ou à densidade das questões jurídicas a serem discutidas e apreciadas nos autos, ou menos às circunstâncias peculiares que cercam a lide, justificando-se, nesse caso, um tratamento processual excepcionalmente dilatado no tempo. Uma lide que demande extensa produção probatória, por exemplo, exigirá mais tempo de tramitação do que outra que verse meramente sobre questões de direito, inexistindo controvérsias fáticas”. (KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. 2.ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p.91).

127 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. 2.ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p.91. 128 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. 2.ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p.99.

questões incidentais manifestamente improcedentes, de recursos abusivos e

protelatórios, ou ainda, provocando injustificadas suspensões do juízo oral.129

Nesse ponto, importa mencionar que a exposição de motivos do código de processo civil vigente, elaborado por Alfredo Buzaid, traz a noção de boa-fé e lealdade processual130:

O processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar a justiça. Não se destina à simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua, como já observara Betti, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio do interesse de ambos. O interesse das partes não é senão um meio, que serve para conseguir a finalidade do processo na medida em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de ter razão: a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente a tem. Ora, dar razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda sociedade.

O princípio da lealdade e boa-fé foi estabelecido para refrear os impulsos dos litigantes no sentido de obstar o emprego de artifícios e atitudes maliciosas no trâmite processual. Não observar o dever de lealdade processual e boa-fé é adotar conduta que possa ferir o espírito da lei, deturpando sua finalidade social ou econômica, com o propósito de causar dano ou lesão a outra parte e/ou de tumultuar o trâmite processual.

Desse modo, “todos os sujeitos do processo devem manter um conduta ética adequada, de acordo com os deveres da verdade, moralidade e probidade em todas as fases do procedimento”.131 Deve-se ter presente que obedecer ao princípio em comento não “significa

exigir ingenuamente que as partes ofereçam argumentos para que a outra parte triunfe” e sim que se deve “evitar que a vitória venha através de malícia, fraudes, espertezas, dolo, improbidade, embuste, artifícios, mentiras ou desonestidades”.132

O STF133 já declarou repulsão das práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual:

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, considerados os sucessivos pronunciamentos do STF [...], que o ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. Na realidade, o processo deve ser visto, em sua expressão instrumental, como um importante meio destinado a viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, achando-se impregnado, por isso mesmo, de valores básicos que lhe ressaltam os fins eminentes a que se acha

129 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. 2.ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p.98. 130 Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/177828, p.12;13. Acesso em: 13 nov.2014.

131 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.156. 132 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.157.

133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgRg na Rcl 1.723/CE, Ementário 2026-3, Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j.

vinculado. O processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que

se impõe à observância das partes. O litigante de má-fé – trate-se de parte pública ou

de parte privada – deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do processo.

Os mecanismos processuais não podem ser instrumentalizados para a prática de condutas desleais. O Código de Processo Civil vigente estabelece princípios e normas de comportamento a serem seguidos pelos sujeitos processuais, os quais, se não agirem de acordo com os padrões mínimos determinados, serão apenados. Há expressa previsão dos deveres de verdade, lealdade e boa-fé (art.14, I e II CPC) e de fundamentação e utilidade dos atos processuais (art.14 do CPC, III e IV) bem como inúmeras outras normas de conduta.

Não apenas as partes subordinam-se ao dever de lealdade e boa-fé, mas também seus procuradores e até mesmo o juiz, peritos, testemunhas e todos auxiliares da Justiça que possam, por meio de algum ato ou mera providência, interferir ou obstruir o andamento do processo. Cassio Scarpinella Bueno134 compartilha desse entendimento:

O ‘princípio da lealdade’ significa que a atuação de todos os sujeitos do processo, sempre entendida a expressão na sua forma mais ampla de qualquer partícipe do processo, deve ser pautada nas noções de boa-fé, probidade e eticidade. O princípio vem, nestes termos, expresso, no art.14, II, do CPC. De acordo com o dispositivo, ‘são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: [...] II – proceder com lealdade e boa-fé’. É importante, contudo, ir além da previsão legislativa.

Claro está que todos os partícipes do processo devem ter uma atuação ética, sem torpezas, má-fé, engodo, desvios de finalidade, chicanas, fraudes ou abusos, de modo a assegurar que o processo seja eficiente (art.5º, LXXVIII, da CF), pautado na lei (art.5º, II, LIV e LV, da CF) e instrumento para a solução satisfatória às partes envolvidas e à sociedade.