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Direito subjetivo: o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas e os remédios judiciais cabíveis na proteção desse direito

Camilo 40 anos da teoria geral do processo no Brasil São Paulo: Malheiros, 2013, p.144.

4 A DICOTOMIA DO DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

4.2 Direito subjetivo: o direito fundamental a um processo sem dilações indevidas e os remédios judiciais cabíveis na proteção desse direito

Demonstrada a manifestação do direito objetivo na tentativa de concretização do direito fundamental à duração razoável do processo, chega o momento de tratar da relação entre o princípio da duração razoável do processo sob a perspectiva do direito subjetivo.

Goffredo Telles Junior afirma que o “direito subjetivo não é norma, não é mandamento. Não é uma estrutura normativa, um sistema prescritivo. Não é uma ordenação. Não é a chamada norma agendi”.255 O direito subjetivo decorre do direito objetivo e consiste

em autorizações fundadas no direito objetivo que podem ou não ser usadas pelas pessoas a quem foram concedidas.256

O direito subjetivo é subjetivo porque as permissões ou autorizações que o constituem são próprias das pessoas a que foram concedidas. São permissões que lhe pertencem, podendo ser usadas ou não ser usadas por elas; permissões, portanto, que a elas se sujeitam, e que, de certa maneira, estão dentro delas.257

Desse modo, considerando que a duração razoável do processo consiste em direito fundamental expresso na Constituição Federal, tem-se que a tempestiva tutela jurisdicional e a celeridade processual configuram um direito subjetivo de qualquer cidadão, tornando legítima qualquer insurgência relacionada à violação desse direito.

Pela análise do inciso LXXVIII introduzido no art.5º da Constituição Federal, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação”, é possível extrair que a expressa constitucionalização assegura, inicialmente, a razoável duração do processo a todos,258 e, em seguida, os meios que conduzam à celeridade de sua tramitação.

Na primeira parte – razoável duração do processo – o destinatário é a parte, aquele que está no polo ativo ou passivo de uma demanda. Na segunda parte – meios que garantam a celeridade da tramitação do processo – o destinatário é o próprio Estado, pois é este, por intermédio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que deve estabelecer critérios objetivos que declinem a razoabilidade genericamente assegurada pelo legislador constituinte.

255 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p.255. 256 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p.255; 257. 257 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p.257.

258Nagib Slaibi Filho pondera que a “expressão constitucional ‘todos’ abrange as pessoas físicas ou naturais, as pessoas

jurídicas ou morais, as fundações, os entes despersonalizados e quaisquer outros criados por lei ou por consolidação de entendimento jurisprudencial. (SLAIBI FILHO, Nagib. Direito fundamental à razoável duração do processo judicial e administrativo. Revista Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.2, n.10, 2000, p.121).

Assim, considerando ser a razoável duração do processo um direito subjetivo da parte, a violação de tal direito enseja o manejo de remédio jurídico para fazer cessar a violação. No âmbito penal, o Supremo Tribunal Federal já concedeu ordem em habeas corpus entendendo existir constrangimento ilegal ao réu que está sofrendo privação cautelar da liberdade em razão do excesso de prazo para o término da instrução do processo penal imputável exclusivamente ao aparelho judiciário.259

Também no Habeas Corpus nº91.041/PE, a 1ª Turma do STF concedeu o writ, em votação empatada, por entender violado o princípio da duração razoável do processo pela demora no julgamento pelo STJ de habeas corpus lá impetrado, determinando “que a autoridade impetrada apresente em mesa, na primeira sessão da Turma em que oficia, o writ ali ajuizado”.260

O Superior Tribunal de Justiça também já examinou o alcance e a aplicabilidade do inciso LXXVIII do art.5º da Constituição Federal em ações judiciais atinentes a processos administrativos que podem configurar paradigmas válidos para futuras decisões sobre matérias que envolvem o processo civil.

No Mandado de Segurança nº10.792/DF, de relatoria do Min. Hamilton Carvalho, foi concedida ordem “para determinar que a autoridade coatora conclua, no prazo de 90 dias, o processo administrativo do impetrante, como for de direito”.261

259 “Processo penal. Prisão cautelar. Excesso de prazo. Inadmissibilidade. Ofensa ao postulado constitucional da dignidade da

pessoa humana (art.1º, III, CF/1988). Transgressão à garantia do devido processo legal (art.5º, LIV, CF/1988). Habeas corpus conhecido em parte e, nessa parte, deferido. O excesso de prazo, mesmo tratando-se de delito hediondo (ou a este equiparado), não pode ser tolerado, impondo-se, ao Poder Judiciário, em obséquio aos princípios consagrados na Constituição da República, o imediato relaxamento da prisão cautelar do indiciado ou do réu [...]. O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório casualmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (art.5º, LXXVIII, CF/1988) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, HC nº85.237/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 29.04.2005).

260“Habeas corpus. Writ impetrado no STJ. Demora no julgamento. Direito à razoável duração do processo. Natureza mesma

do habeas corpus. Primazia sobre qualquer outra ação. Ordem concedida. O habeas corpus é a via processual que tutela especificamente a liberdade de locomoção, bem jurídico mais fortemente protegido por uma dada ação constitucional. O direito à razoável duração do processo, do ângulo do indivíduo, transmuta-se em tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário. Direito, esse, a que corresponde o dever estatal de julgar. No habeas corpus, o dever de decidir se marca por um tônus de presteza máxima. Assiste ao STF determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus, se entender irrazoável a demora no julgamento. Isso, é claro, sempre que o impetrante se desincumbir do seu dever processual de pré-constituir a prova de que se encontra padecente de ‘violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder’ (inc. LXVIII do art. 5º da CF/1988). Ordem concedida para que a autoridade impetrada apresente em mesa, na primeira sessão da Turma em que oficia, o writ ali ajuizado”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma, HC nº91.041/PE, rel. Min. Cármen Lúcia, rel p/ ac. Min. Carlos Britto, j. 17.08.2007).

261 “Mandado de segurança. Constitucional. Administrativo. Requerimento de anistia. Prazo razoável para apreciação.

Princípio da eficiência. 1. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo. 2. A despeito do grande número de pedidos feitos ao Ministro da Justiça e dos membros da Comissão de Anistia, seu órgão de assessoramento, serem pro bono, aqueles que se consideram atingidos no período de 18.07.1946 a 05.10.1988, por motivação exclusivamente política, não podem ficar aguardando,

Com fundamento na jurisprudência das Cortes Superiores, é válido concluir, desde logo, que a duração razoável do processo, por ser um direito fundamental explícito no texto constitucional, legitima a impetração de mandado de segurança como forma de remediar sua violação.

Os direitos fundamentais são considerados valores supremos pela Constituição e têm no mandado de segurança – com exceção do direito à liberdade de locomoção tutelado pelo habeas corpus e o acesso à informação tutelado pelo habeas data – o meio específico de proteção. Nesse contexto, é imprescindível transcrever a afirmação de Arlete Inês Aurelli:

Os direitos subjetivos constitucionais servem de fundamento lógico e jurídico para outros direitos que não estão previstos expressamente na Constituição. De fato, o princípio da legalidade e o do direito adquirido servem de base e fundamento para todos os demais direitos. Por isso, é evidente que não se pode permitir, porque seria um contrassenso, que os direitos subjetivos, não constitucionalmente garantidos, fossem violados. As garantias constitucionais, formais e instrumentais, então, servem de proteção também para esses direitos, que têm sua efetividade garantida pelos instrumentos previstos na Constituição.

Portanto, as garantias fundamentais se constituem de meios hábeis a tornar efetivos os direitos previstos, tanto na Constituição como na lei ordinária.

O art.5º, LXIX, da Constituição Federal assegura justamente um meio, um instrumento para tornar efetivos os direitos fundamentais previstos tanto na Constituição Federal como na legislação ordinária.

O mandado de segurança é uma garantia fundamental instrumental que vem proteger o tutelado contra qualquer ameaça ou violação de seus direitos pelo Poder Estatal, desde que esse direito não seja amparado por habeas corpus ou habeas data. É a própria manifestação do Estado de direito.

O mandado de segurança, como garantia constitucional, não se presta apenas a tutelar direito material. Na verdade, o mandado de segurança visa proteger qualquer ameaça ou violação de direitos, seja de que natureza for. Portanto, as normas de

caráter processual também podem ser objeto de mandado de segurança.262

Importante mencionar que o mandado de segurança é a medida cabível também contra omissão judicial, tratando-se de uma conduta omissiva de autoridade judicial que atrasa em seu dever constitucional de prestar jurisdição em prazo razoável. Contra omissão judicial não cabe agravo de instrumento ou outro recurso ordinário similar e, ainda que pudéssemos pensar em um pedido de correição parcial, este apenas redundaria em uma mera recomendação à autoridade para sanar a omissão – que na prática é inócuo –, já que não possui efeito mandamental típico do mandado de segurança.

Portanto, em face de omissão de autoridade judicial que atrasa por prazo irrazoável a duração de qualquer processo cível e sem qualquer justificativa plausível, é cabível a impetração do mandado de segurança para que aquela autoridade – que passa a ser

indefinidamente, a apreciação do seu pedido, sem expectativa de solução num prazo razoável. 3. Ordem concedida”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal.3ª Seção, MS 10.792, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 10.05.2006).

262 AURELLI, Arlete Inês. O juízo de admissibilidade na ação de mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2006,

qualificada como coatora263 – leve a julgamento o recurso, se fizer parte de órgão colegiado, ou profira decisão no prazo estabelecido em lei, para cumprimento do princípio que garante a resolução do litígio sem dilações indevidas.

Contudo, é importante destacar que o mandado de segurança não pode ser utilizado indiscriminadamente para toda e qualquer situação em que a parte tenha interesse num julgamento célere, pois será somente legítima a impetração quando injustificado o atraso e decorrido prazo irrazoável que dependerá de cada caso concreto. A simples violação dos prazos estabelecidos no Código de Processo Civil não enseja por si só a violação ao princípio da razoável duração do processo.

Portanto, considerando que a duração razoável do processo é um direito público subjetivo do cidadão em juízo, cabível a afirmação de que a violação desse direito autoriza a impetração de mandado de segurança, especialmente quando o juiz se omite por tempo irrazoável em decidir um pedido urgente da parte na iminência de sofrer um dano irreparável.

263 Sobre a possibilidade de impetrar mandado de segurança contra magistrado, Arlete Inês Aurelli pondera: “quando do

advento do instituto do mandado de segurança, entendia-se que este somente era cabível contra atos da Administração, jamais contra atos do Judiciário ou do Legislativo. Entretanto, com o advento da Lei nº191/1936 passou-se a admitir o mandado de segurança contra autoridades legislativas e contra juiz ou tribunal”. (AURELLI, Arlete Inês. O juízo de admissibilidade na