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O N EGRO E OS CÓDIGOS IDENTITÁRIOS FORMULADOS A PARTIR DA RELAÇÃO DENTRO DAS PLANTAÇÕES NO SÉC XIX E SUA RECRIAÇÃO NO SÉC

Desde o período escravista em Cuba, o negro foi direcionado basicamente para a economia de plantação, especialmente para a cana-de-açúcar. Segundo Fraginals “las más serias y documentadas estimaciones cuantitativas imputan al azúcar un 65% del total de africanos importados” (1971, p.14).

Este autor explica que os escravistas para manter o controle sobre o negro influenciavam ou incentivavam determinadas práticas culturais como forma de mantê-los sobre controle. Desta forma a cultura passa a ser um elemento aliado da dominação segundo explica Fraginals,

Endendemos por deculturación el proceso consciente mediante el cual, con fines de explotación económica, se procede desarraigar la cultura de un grupo humano para facilitar la expropiación de las riquezas naturales del território en que está asentado y/o para utilizarlo como fuerza de trabajo barato, no calificado.

La deculturación total es imposible y, por otra parte, a los explotadores no les interesa hacer tabla rasa de los valores culturales de la clase explotada, sino sólo de aquellos elementos que obstaculizan el sistema de explotación establecido (FRAGINALS, 1971, p.

14).

O mundo da plantação provoca a recriação de novos hábitos sejam de ordem social ou comportamental, pois a convivência de um grupo ou grupos dentro de um espaço determinado transforma sua organização originária, provoca mudanças no indivíduo e no grupo como um todo. Se com o escravo a desestruturação familiar provocou uma recriação comportamental a nível sexual, no século XX o comportamento do imigrante antilhano nos espaços da plantação favorece a formação de novos laços afetivos a partir da relação de trabalho que inclui o estabelecimento de relações matrimoniais que ao contrário do que queriam a elite reforça a inserção de hábitos e costumes dos negros antilhanos em Cuba.

Ao que tudo indica os trabalhadores das Antilhas que iam a Cuba e ficavam, casavam-se no país com cubanas e com mulheres de seu próprio país, isso acontecia por exemplo com os imigrantes jamaicanos que se casavam com barbadenses, curaçolenhas, etc. Muitos deixavam sua familia no seu país de origem para então formar uma nova família em Cuba, infelizmente não pudemos analisar os

registros matrimoniais para verificar cuantitativamente essas relações, mas os depoimentos orais nos permitiram comprender que no espaço dos centrais e das plantações as relações sociais e sexuais seguem uma ordem que está submetida à rotina do trabalho; o lazer desses grupos está mantido através das festividades religiosas através das quais relaciona-se com o passado (que está ligado ao país de origem), com o presente (ao que vivenciam no país onde se encontram) que lhes permite formar a identidade de grupo e lhes garante a manutenção desses ritos e de sua sobrevivência social e cultural frente aos outros grupos.

Vejamos essa análise de Fraginals sobre a relação entre os indivíduos dentro da plantação “pero una plantación, al igual que una cárcel, no es una sociedad. Desde cualquier punto de vista, la plantación es una empresa económica y su núcleo poblacional está compuesto por indivíduos yuxtapuestos, agregados, no interactuantes, cuya acción está dirigida coercitivamente hacia el fin único exclusivo, de la producción” (FRAGINALS,1971, p.23).

Embora a plantação dos séculos de escravidão ou das indústrias açucareiras de princípios do século XX realmente não seja uma sociedade do ponto de vista de sua organização, e claro dentro desses espaços existe uma justaposição provocada pelos cargos, questões étnicas e racias dos indivíduos, mas como em qualquer espaço de convívio os indivíduos se interatuam. Não se pode dizer que isso não aconteceu com as diversas etnias africanas submetidas durante o período escravista e muito menos com os trabalhadores migrantes em Cuba durante as primeiras décadas do século XX. Embora tanto os escravos quanto esses trabalhadores estivessem condicionados ao mesmo fim que, como disse Fraginals era a produção, é impossível negar que para esses indivíduos a reprodução de elementos identitários na própria convivência com indivíduos portadores de outras culturas não fosse possível.

A transculturação faz parte da própria sobrevivência dos elementos culturais. No caso dos centrais, concordamos que a justaposição estava baseada na estratificação racial, o que significa que os trabalhadores brancos, espanhóis na sua maioria e de diferentes partes da Espanha, relacionavam-se entre si, enquanto que os negros de diversas ilhas do Caribe e os negros de Cuba também se relacionavam entre si, o que não quer dizer que dentro dessa estratificação racial também não existissem outras, na verdade, trata-se de uma série de códigos culturais que geram

uma identidade de grupo e que é necessário para formular o tipo de relação que determinado grupo irá exercer com os demais, se de aproximação ou de preconceito. Mas como diz Glissant, as “poéticas da relação” são várias e se deram de diferentes formas, desde as piadas que se criam, dos contos, canções e gestos. A forma como um grupo estereotipa o outro é uma forma de relação porque demarca a visão de um sobre o outro.

Vejamos aqui um outro aspecto da transição do processar do pensamento branco em relação ao negro durante a década de vinte do início do século XX conforme a análise de Fraginals,

Fue necesario el decursar de las décadas críticas del 20 y el 30 para que el hambre física del Caribe removiese la base cultural y estructurasen un amplio movimiento obrero unificado más allá de los europeísmos y africanismos, tan cuidadosamente preservados por las clases dominantes.

De esta época son las violentas huelgas de Jamaica, Barbados, Georgetown y la organización definitiva del movimiento obrero cubano, bajo la dirección precisamente de un mulato oscuro, sin color.

De esta época es también el gran grito de dignidad de la “negritud”, que con el tiempo deviene, paradojicamente, en un dócil instrumento neocolonialista (FRAGINALS, 1971,

p.33).

Em Cuba na década de vinte alguns intelectuais como foi o caso de Fernando Ortiz, descobrem que ao se excluir a participação do negro na construção cultural do país, se excluía grande parte da cultura nacional, mas seus primeiros estudos sobre o negro tão pouco deixam de estar vinculados à idéia discriminatória dos hábitos do negro, tanto que analisa o comportamento cultural desde uma perspectiva jurídica criminal e científica, destacando a vida delinqüente dos grupos negros que habitavam em Havana ao finalizar o século XIX e princípios do XX. Nos estudos de Fernando Ortiz a partir dos anos vinte que partem de uma perspectiva etnográfica, ele rompe com a idéia de identificar o negro apenas enquanto uma raça para identificá-los etnicamente. Isso realmente é uma mudança de pensamento da elite intelectual branca em Cuba, pois reconhecer o negro enquanto elemento integrante da cultura nacional e destacar individualmente os aportes culturais de cada grupo africano que chegou a Cuba lhes garantem um status de importância e isso se reflete na sua unidade enquanto grupo e o resultado político é positivo à medida que a participação do negro ganha mais força principalmente nos movimentos trabalhistas.

No caso da contratação do trabalho dos imigrantes antilhanos em Cuba, essa relação é formulada sob bases contratuais em que as condições de trabalho teoricamente estabelecidas se diferenciam completamente da realidade vivenciada pelos trabalhadores antilhanos quando chegam a Cuba. Novamente na relação prática se vislumbra que o pensamento do contratador branco mantém-se forjado numa ótica racial, enquanto que juridicamente conforme se apresenta nas cláusulas contratuais, evidencia-se uma relação baseada no binômio empregador/empregado, onde se destaca apenas a relação hierárquica de quem pagará os serviços e de quem os executará.

Nesta referência que faz Fraginals do historiador Sidney Mintz, estudioso das questões caribenhas, podemos entender que o trabalho do negro sempre foi o que mais importou ao branco e sua perfomance foi o que garantiu a manutenção econômica dessas sociedades durante vários séculos “el profesor Sidney W. Mintz ha señalado, con su habitual brillantez, al referirse a la teoria de la marginalización, que si el negro ha estado secularmente marginado en lo social y lo cultural, nunca ha estado marginado como productor de mercancias. Sobre sus hombros se levantaron las grandes fortunas plantadoras” (FRAGINALS,1971, p.33).

Outro autor Otavio Ianni (1971), ao explicar o que se processa na trama das relações sociais entre o branco e o negro diz que para o branco e para o próprio negro é como se este último possuísse uma outra visão sobre as relações baseadas nas próprias crenças trazidas da África que se baseiam na natureza e no sobrenatural, “en la trama de las relaciones sociales, el blanco, y el próprio negro, acaban por pensar y actuar como si el negro poseyese otra cultura, otro modo de evaluar las relaciones de los hombres entre si, con la naturaleza y lo sobrenatural. En general, es una raza subalterna. No es como el blanco: es diferente, otro, extraño. En casi todos los países el negro aparece como la segunda o tercera raza, después del blanco, o del índio” (IANNI,1971, p.53).

Nesse aspecto, se deve diferenciar duas coisas, a primeira é que ao conceber o mundo sob uma ótica simbólica baseada na religiosidade, o negro não se vê inferior ao branco; na verdade o sentir-se inferior deriva da construção e da submissão que o branco promove psicologicamente sobre o negro; para exercer uma conduta de igualdade com o branco não se dá somente com sua libertação, mas sim no decorrer de vários anos e talvez séculos, pois é necessário mudar não

só sua condição política mas desconstruir mitos em torno à sua cor, forjados pelo branco e adotado pelo próprio negro e isso requer uma avaliação e participação de ambas as partes.

A outra questão é a subalternização do negro, essa é uma outra construção; tornar o negro sub(alterno) ao branco foi uma forma de mantê-lo sob domínio o que não significa e é óbvio que isso tenha se dado sem confrontos, porque como o próprio termo diz se trata de uma alteridade que está submetida a outra e certamente o encontro de alteridades opostas deriva de uma relação em que ambas necessitam auto-afirmarse e embora uma esteja submetida não significa que esteja estática, pelo contrário, a partir da relação de subalternidade a que está submetida cria novos códigos de resistência, de adaptação e de recriação para manter sua própria identidade.

Todavia o pensamento latino-americano ao referir-se ao negro, sempre o faz mediante argumentos de total submissão desde as condições estabelecidas pela relação de trabalho e mediante o fim exclusivo que seria a produção como resultado do seu trabalho. Vejamos o que diz Otavio Ianni (1971) a esse respeito,

Lo que hay de africano y de esclavo en su cultura o en su visión del mundo dificilmente se explica como sobrevivencia, mezcla de culturas o articulaciones sincréticas bajo las que se esconde el ex-africano o ex esclavo. Lo que hay de africano o de esclavo en la cultura o la visión del mundo del negro de América Latina y el Caribe es lo que se recrea y reproduce continuadamente. Pero se recrea y reproduce continuadamente no por decisión y actividad del negro en si, sino por las condiciones y determinaciones de las relaciones de interdependencia, alienación y antagonismo, características del capitalismo (IANNI,1971, p.58).

Segundo a argumentação de Ianni (1971), o negro reproduz sua cultura mediante as condições impostas pelo trabalho que segue as características fomentadas pela ordem capitalista, ou seja, o que há de recriação da sua cultura na verdade trata-se de uma nova forma criada a partir dessas relações, sem que haja uma intenção do negro em recriá-las. Embora seja verdade que exista um fator externo que conduz o processar dos elementos culturais, seleção dos elementos que serão recriados ou não, compete ao negro formulá-los. Se entendermos que a cultura é algo dinâmico e dialético, concebê-la como algo preso aos fatores econômicos significa engessá-la e dar autonomia a uma única parte, ou seja, aos

que administram o sistema econômico que submete àqueles que estão a cargo de mantê-lo com o seu trabalho.

A relação entre raça e organização social dentro das sociedades latino- americanas e caribenhas, mais especificamente, são complexas e quase indissociáveis. Em alguns momentos a questão racial se sobrepõe à ordem social e em outros momentos está submetida a essa mesma ordem. Sidney W. Mints explica essa relação da seguinte forma,

La composición racial del Caribe es sumamente diversa. Primeramente, la variedad fenotípica de los pueblos del Caribe no es usual, debido a las circunstancias de la inmigración y de la extensión del período colonial de sus sociedades componentes. En segundo lugar, los códigos de relaciones sociales que tipifican a estas sociedades tienen en cuenta la variedad fenotípica, pero cada una emplea su código en su próprio estilo distintivo. De aqui que, mientras la ‘raza’ es importante en todo, su significación y sus usos particulares en la clasificación social, varían en el Caribe de una sociedad a outra (MINTS APUD IANNI,1977,p.59).

Segundo Mintz (1977) para se entender o que representa o conceito raça para determinada sociedade é necessário conhecer como essa mesma sociedade cria e ressignifica seus códigos, pois cada uma os emprega de acordo com suas formulações e estrutura social baseada nas relações estabelecidas históricamente.

Nas sociedades com um passado escravista, o conceito raça é preponderante e muitas vezes se confunde com vários fatores. Embora essas sociedades tentem negar essa realidade marcadamente estruturada pela cor da pele, muitas vezes o confronto ideológico não deixa de existir, mas o mais interessante é que a cultura é um fator de aproximação e onde o diálogo entre brancos e negros se faz possível.

Ao analisar os elementos externos que se agregam à sociedade cubana, como os imigrantes negros antilhanos, vemos que esse fator é impulsionador para que a própria sociedade reavalie sua conduta frente às questões que para ela são preponderantes e no caso de Cuba que como o Brasil viveu um longo período de escravidão, não se pode analisar a história de Cuba, principalmente nas primeiras décadas de transição do século XIX para o século XX, sem que se explique como a identidade do povo cubano esteve fundamentada e alicerçada sobre a questão racial no país.

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