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2. Evolução histórica da comunicação

2.2. O segundo episódio

2.2.2. Códigos sonoros e visuais

A organização social dos grupos humanos transformou-se com o passar dos séculos (tribos, vilas, cidades), e consequentemente, a comunicação “homem a homem” começou a tornar-se insuficiente. Decretos e leis, instruções religiosas, registo de títulos e propriedades não poderiam continuar a depender das palavras dos seus emissores. O recurso encontrado foi registar tudo o que fosse considerado importante ou de valor para os praticantes de determinadas culturas.

Historicamente, são marcos do percurso evolutivo da comunicação, os diversos códigos ou modelos de escrita desde ideogramas, runas e hieróglifos aos fonemas que hoje utilizamos.

Tribos indígenas utilizavam tambores para transmitir códigos sonoros e, fogo como código visual para comunicação à distância. As civilizações têm a figura dos mensageiros, encarregados de levar pessoalmente as mensagens dos imperadores.

Da simplificação das pictografias surgem os primeiros símbolos, que representam conceitos não totalmente explícitos, e que, cada vez mais vão exigir um certo conhecimento prévio para serem significativos, tal como acontece na linguagem falada. Também se processou grande desenvolvimento da escrita até atingir a forma que conhecemos hoje, representando graficamente a linguagem oral, relacionando símbolos a fonemas, evoluindo dos hieróglifos à linguagem escrita (Fontanella, 2006).

A “urgência” de uma nova forma de comunicação deu-se a partir de uma modificação nas necessidades das populações. A tradição oral, tornou-se incapaz de dar

uma resposta adequada e necessitava de um outro tipo de linguagem, que permitisse um registo à disposição daqueles que, posteriormente, necessitassem de reler o que havia sido dito.

A nova técnica deveria ter, pelo menos, três características; durabilidade, profundidade e clareza. Estas características assegurariam a possibilidade de ler, reler, meditar e analisar tudo o que foi produzido e registado. A constatação desta necessidade estimulou a criatividade e a escrita evoluiu. Começou a usar-se o papiro, a pedra e placas de argila para gravar as mensagens. A transmissão das primeiras mensagens à distância foi realizada por estafetas, que percorriam muitos quilómetros para levarem a informação ao seu destino (Fontanella, 2006).

De acordo com a mesmo autora, a evolução do acto de comunicar

“é orientada pelo objectivo de transmitir, sem distorção, informação de modo cada vez mais eficiente para preservar a memória (tradições) e a mitologia (ritos), além de propagar conhecimentos necessários à sobrevivência do grupo e, de preferência, a muitos indivíduos” (Fontanella, 2006: 22).

Quando o homem abandonou a vida nómada e os clãs aumentaram de tamanho foi preciso diversificar alimentos e outros recursos, o que levou à troca de bens e serviços em favor do colectivo. O comércio foi a porta de entrada para o intercâmbio cultural. Inicialmente, um grupo compreendia o outro, pelas diversas formas de representação e pela linguagem, depois, também pela escrita. Antes da fala, o Homem recorria à mímica, à imagem e aos artefactos (esculturas) e outros objectos, para comunicar. Num segundo momento, ele utilizou a articulação (fala), somada aos elementos de que já dispunha, e finalmente, acrescentou a estes recursos a escrita.

Para uma melhor compreensão dos estímulos e ideias que, o sujeito aplica no processo de comunicação, é necessário saber de onde ele parte. A percepção daquilo que é comunicado (o objecto) é um dos factores que condicionam a resposta do receptor ao considerar que o contexto da mensagem é determinante ao seu pleno entendimento (Fontanella, 2006).

O contexto em que se processa o acto comunicativo é tão relevante ao entendimento da mensagem que, por si só, pode complementá-la ou até induzir o receptora percepcionar o desfasamento entre o que é dito e o que de facto se pretende dizer.

A comunicação tem sofrido, ao longo da história surpreendentes mudanças que foram sendo registadas, marcando cada etapa de evolução. A pintura e a escultura rupestres foram duas das primeiras tentativas de transformar a imagem mental em registo

independente do emissor e ainda de proceder ao seu registo. A narração por meio da mímica e a educação para ofícios exigiam interlocutores fisicamente presentes. Cada objecto fabricado por membros desses grupos resgata parte do universo do homem que os fabricou. Os sítios arqueológicos mostram que nossos ancestrais se inspiraram primeiro em coisas que podiam tocar (plantas, animais) e nas práticas do dia a dia (caça, pesca, lutas). Não interferiam no ambiente, apenas se utilizavam dele. Era preciso instruir, alertar e informar.

O surgimento da agricultura permitiu ao homem uma menor dependência do sentido de sobrevivência e libertou-o para a percepção do ambiente. Os rituais tornaram-se mais complexos e passaram a descrever fenómenos de maior amplitude (nascimento, morte, chuvas, estações, furacões e eclipses) e o mundo do sagrado (ritos, danças, deuses e mitos). A comunicação seguiu o mesmo caminho. À medida que o homem foi ampliando a complexidade das suas operações mentais, novos elementos foram acrescentados ao seu referencial de mundo. Pode-se dizer que o grau de abstracção se amplifica conforme aumenta a complexidade do pensamento, ou seja, à medida que surgem novos problemas a serem resolvidos exigindo adaptação (Fontanella, 2006).

“Comunicar já não é uma função instintiva, como a de caçar e a de comer, mas uma função cultural. A palavra ainda não é uma linguagem puramente acústica; nessa época ela é audiovisual: o gesto faz parte essencial dela e não é uma ilustração supérflua; a comunicação não é puramente linguística, é integrada. A primeira linguagem do homem é, pois audiovisual, tanto ao nível da expressão – gesto e palavra como ao da percepção – visão e audição” (Cloutier, 1975: 23). As estratégias de comunicação, nas primeiras sociedades, nasceram da necessidade de contar histórias e instruir através dos mitos, que logo foi substituída pela intenção de comunicar sentimentos e necessidades do mundo real. A fala, o gesto e as várias formas de representação visual eram utilizados para transmitir a ideologia e a história a partir das quais novas gerações “acomodavam” o conhecimento de seus antepassados para melhor sobreviverem. O aumento crescente do número de indivíduos ligados por práticas culturais semelhantes (comunidades) originou novas organizações sociais (aldeias, burgos) e a comunicação acompanhou esta evolução especializando-se progressivamente.

2.2.3. Escrita

O segundo momento evolutivo foi a aceitação da escrita como código racional de representação. Aquele constituiu-se como resposta às novas necessidades porque

possibilitou que determinada mensagem, notícia ou informação chegasse a um grande número de pessoas com o máximo de fidelidade ao original. O processo começou na trans- codificação do desenho para ícone. O uso de símbolos icónicos e de ícones simbólicos possibilitou o desenvolvimento de códigos rudimentares e foi dessa experiência que surgiu um sistema especificamente elaborado para facilitar a comunicação. A transformação aconteceu lentamente e, durante séculos, as culturas buscaram formas de aprimorar esses códigos. Apenas na Antiguidade, por volta de quatro mil a.C. é que aparece a primeira forma de escrita cuneiforme, na Mesopotâmia. Surgia o primeiro alfabeto organizado em pictogramas. Outras culturas também recorreram aos ideogramas enquanto objectos de significação, como é o caso dos ideogramas orientais e dos hieróglifos egípcios.

A grande mudança cognitiva da adopção do alfabeto fonético foi a “representação da representação”, não mais a imagem relacionada ao objecto, mas o som que o identifica. Sabe-se que a civilização suméria foi a primeira a usar a escrita, mas somente os sacerdotes detinham o domínio das técnicas de escrever. Logo depois vieram os egípcios, inovadores na criação do sistema hieróglifo enquanto sistema de símbolos. No início, esta criação escrita era gravada em pedra, e, com o passar do tempo, os escribas foram adquirindo destrezas, pintando e desenhando com grande habilidade. Cada desenho tinha um significado a ser descoberto, cada símbolo uma ideia, coisa ou conceito. Para se descobrir o que significava cada mensagem, tinha que se ter conhecimentos de um enorme número de símbolos. Em princípio, este conhecimento restringia-se aos grandes especialistas. Os antigos escribas estudavam durante muito tempo para conseguirem dominar tais informações. Esta competência conferia-lhes um poder quase absoluto (Fontanella, 2006).

Os sumérios foram os responsáveis pelo início de uma escrita mais estilizada. Descobriram, com isso, que não eram necessários desenhos para produzir imagens e sim caracteres distinguíveis, com significados determinados. A estas civilizações segue-se o desenvolvimento rápido da escrita fonética.

Assim, entre as diversas formas de representação a partir da escrita surgiram ideogramas, símbolos cuneiformes, hieróglifos e outras manifestações simbólicas até o surgimento do alfabeto fonético. Contudo a linguagem, enquanto processo, continuou a desenvolver-se em duas frentes, comunicação oral e expressão escrita, independentemente do código, conforme as práticas culturais de cada sociedade.

O pesquisador canadiano McLuhan acreditava que mesmo os indivíduos oriundos de culturas não letradas tinham desenvolvido distintos níveis de compreensão e

interpretação do mundo, que apenas se manifestaram de forma diversa das sociedades que utilizam a escrita.

McLuhan (1964) lembra que o aparecimento de algo novo não impõe sobreposição, mas pode resultar na coexistência das formas de expressão, ou mesmo, manifestações dos media. Assim, os códigos de comunicação, oral e escrito, desenvolvem-se lado a lado. Ainda que a escrita tenha modificado alguns parâmetros da comunicação oral, reforçou os traços da cultura de cada comunidade registando-os e propagando-os. Por outro lado, a ideia de fluxo narrativo em textos escritos é uma herança da organização dos elementos das antigas narrativas. Um bom texto impresso, assim como uma história bem contada, deve ter organização, ritmo e clareza, utilizar recursos estéticos e discursos semelhantes aos que o contador usaria: prosódia, expressão corporal e facial. Ou seja, uma re- adequação de experiências.

A escrita fonética desenvolveu-se muito rapidamente, sobretudo na Grécia. A partir daí, houve necessidade de se facilitar a comunicação, dando nomes às letras, como as consoantes e vogais. No século XV, os indivíduos já se preocupavam em preparar e reproduzir os livros através da técnica de copiar à mão os livros já existentes. Infelizmente, porém, esses livros ficavam restritos apenas às pessoas que possuíam recursos financeiros suficientes.

A comunicação adquiriu, mais tarde, uma nova dimensão em consequência da utilização pelo Homem de telégrafos de tochas, telégrafos de tambor, telégrafos por sinais de fumo.

Entre o período do desenvolvimento do alfabeto fonético e o da popularização da escrita, o homem desenvolveu uma série de novas habilidades e competências, sobretudo a capacidade de interpretação a níveis mais profundos (a significação) e a habilidade de produzir imagens mentais por meio das técnicas de enunciação do discurso e de ferramentas de construção do sentido.

A escrita percorreu caminhos distintos entre os povos: sinais foram simplificados, textos foram registados em diversas superfícies (minerais, metais, plantas, tecidos), mas foram o papiro, o pergaminho e, logicamente, o papel, os que mais influenciaram a composição do livro.

Ainda, segundo Cloutier (2001), a comunicação conheceu um novo passo na sua evolução com o evento de todos os meios citados, uma vez que o homem aprendeu a codificar as suas mensagens em sons, imagens e finalmente através da escrita. Este

episódio na comunicação representa a transposição das linguagens e em que o homem comunica no tempo e no espaço graças aos “media suportes”.