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Capítulo 1 Introdução

1.4 Cadeia de abastecimento O Sector automóvel em Portugal

Kalakota e Whinston (1997) definem cadeia de abastecimento como o conjunto de passos interdependentes, que quando seguidos realizam com sucesso um determinado objectivo como satisfazer as necessidades do cliente. Morgan (1997) apresenta a cadeia de abastecimento como o alinhamento entre compradores, fornecedores, clientes e seus processos para alcançar um avanço em termos de vantagem competitiva. É aceite que para a obtenção de vantagens no mercado onde está inserida a empresa têm de gerir cuidadosamente

7. Markusen (1996) apresenta quatro tipos de clusters: Marshallian; Hub-and-spoke, Plataforma sa- télite e Estado-âncora. Nos clusters tipo Distrito hub-and-spoke, em que grandes empresas funcionam como âncoras na economia regional, cingindo-se apenas a um único sector de actividade ou a um único segmento industrial, rodeadas por fornecedores de materiais e de serviços correlacionados. Sugere-se também a consulta de McDonald e Belussi (2003).

a sua cadeia de abastecimento (Davies, 1993). Mas uma cadeia de abastecimento apresenta-se como uma rede de empresas interligadas, que tendem a constituir uma cadeia de fornecimento bastante heterogénea, que mais não seja pelo facto de numa rede existirem empresas de dimensão muito variada, tanto em volume de negócios, como em número de trabalhadores. Para Aitken (1999) a cadeia de abastecimento é uma rede de organizações conectadas e interdependentes que mutuamente e em cooperação trabalham juntas para controlar, gerir e melhorar o fluxo de materiais e informações do fornecedor até ao utilizador final. Stevens (1989) define cadeia de abastecimento como um sistema que inclui fornecedores de materiais, prestadores de serviços, serviços de distribuição e clientes, todos ligados e abastecendo os mesmos fluxos de materiais e fluxos de feedback de informações. A cada vez maior pressão sentida na necessidade de diminuir os ciclos de vida dos produtos, a pressão sobre os requisitos cada vez mais exigentes da prestação dos serviços aos clientes, conjuntamente com crescente complexidade da teia de relações constituídas entre as empresa, como joint ventures, elevam o âmbito de aplicação da gestão da cadeia de abastecimento (Davies, 1993). Assim, a cadeia de abastecimento deve estar totalmente isenta de erros, com uma rede de ligações totalmente eficiente, desde o fornecedor original, o primeiro que fornece um determinado produto, bem ou serviço, até ao consumidor final (Poirier e Reiter, 1996).

A globalização tornou a cadeia de abastecimento ainda mais complexa de gerir, em que uma relação B2B tenderá a ser mais estável e profícua pela qualidade das ligações estabelecidas na cadeia de abastecimento pelos parceiros comerciais envolvidos. Vários são os autores (Prahalad e Hamel, 1990; Scouras, 1996; Fung e Magretta, 1998) que apresentam exemplos das mais diversas empresas como IBM, Dell, General Motors, 3M que encetaram desagregações verticais delegando muitas das actividades que eram desenvolvidas pelas próprias a uma rede de fornecedores especializados. A gestão da cadeia de abastecimento é uma tarefa exigente e complexa devido ao seu amplo espaço de abrangência e aos fortes e legítimos interesses de cada empresa.

O objectivo da coordenação das actividades ao longo da cadeia de abastecimento é o de criar valor para os consumidores, através do aumento da eficiência ao longo da cadeia de fornecimento (Anderson et al., 1997). Handfield e Nichols (1999) definem gestão da cadeia de abastecimento (Supply Chain Management - SCM) como o controlo e monitorização dos

fluxos fundamentais quer em direcção às empresas que precedem ou antecedem a empresa em face do seu posicionamento na cadeia de abastecimento. Fine (1996) refere que a gestão da cadeia de abastecimento é uma das competências chave das empresas.

Um típico fluxo de materiais e informações entre parceiros comerciais na cadeia de abastecimento é apresentado na Figura 4.

Tradicionalmente a indústria automóvel estava organizada em fileiras ou linhas (tiers), em que cada uma das fileiras envolvidas representava uma camada de fornecedores dentro da cadeia de abastecimento em que as OEM desenvolvem os processos de concepção e fabrico dos automóveis. Os fornecedores de primeira linha fabricam e fornecem componentes directamente aos construtores de automóveis (é disso exemplo o fornecimento de bombas de combustível). Os fornecedores de segunda linha, que produzem alguns dos componentes individuais (como por exemplo os habitáculo da bomba de combustível), que seriam incluídos nos componentes fabricados pelos fornecedores de primeira linha. Os fornecedores de terceira e quarta fileira maioritariamente forneciam matérias-primas. Margolin (1995) refere o Manufacturing Assembly Pilot8 (MAP) (ainda em versão provisória) como um projecto de grande importância que teve como principal objectivo o aumentar da velocidade e qualidade da informação que circulava na cadeia de abastecimento com o recurso ao EDI

Fonte: Pelo autor

sobre a Internet a um vasto número de fornecedores e OEM. O projecto foi desenvolvido pela Ford, GM e Chrysler em colaboração com a Johnson Controls ao nível da primeira, segunda e terceira linha de fornecimento, Figura 5.

O MAP foi lançado por estas OEM em Janeiro de 1994, enquanto membros da Automotive Industry Action Group (AIAG) abrangendo 12 empresas suas fornecedoras de segunda linha, tendo sido concluído em 1996. Este estudo focalizava-se na circulação dos materiais e nas funções com estas relacionadas, com o objectivo de optimizar a circulação da informação e dos materiais. O projecto apontou que o uso do comércio electrónico na indústria automóvel dos EUA poderia economizar aproximadamente $1 milhão de milhões por ano, tendo reduzido em 58% o lead times9, melhorou em 24% os níveis do inventário e permitiu uma redução de 75% das taxa de erros (OCDE, 1999, p.63).

8. Em Janeiro de 1994, Chrysler, Ford, GM, Johnson Controls e 12 de seus fornecedores começaram a trabalhar em conjunto no âmbito do projecto piloto Manufacturing Assembly Pilot (MAP) para me- lhorar o fluxo de materiais dentro da cadeia de abastecimento, dos quais resultou, entre outros, o rela- tório na versão final “Automotive Industry Action Group (1998). “Manufacturing Assembly Pilot (MAP) Project Final Report 01.00”, Version 2/98, Southfield, MI, AIAG”.

Fonte: Parunak (1998). “What Can Agent Do in Industry, and Why? An Overview of Industrially-oriented R&D at CEC”, Industrial Technology Institute, CIA.

Figura 5 - Cadeia de abastecimento - Ford, GM e Chrysler

9. Diferença de tempo entre o início e o término de uma actividade, ou prazo de disponibilidade de produto.

Este projecto culminou com uma carta endereçada aos respectivos fornecedores destas OEM onde informavam que o domínio da ferramenta EDI passava a fazer parte dos requisitos necessários para poderem estabelecer relações comerciais, conducentes à concretização de negócios (Vasilash, 1996; Saccomano, 1996), colocando a Ford e a Chrysler um calendário onde indicavam as datas em que os fornecedores das 1ª, 2ª e 3ª linha deviam possuir competências em EDI. Os fornecedores de primeira linha deviam estar aptos a utilizar o EDI com a Ford e a Chrysler no dia 1 de Janeiro de 1999, os de segunda linha em 31 de Março de 1999 e os de terceira linha a 1 de Julho de 1999 (Modern Material Handling, 1998). Saccomano (1996) refere ser mais difícil promover a adopção do EDI nos fornecedores de segunda linha do que nos de primeira linha. Esta posição das OEM espelha também o grande poder que exercem sobre os seus fornecedores (Eid, 2006).

A presente estrutura da cadeia de abastecimento da indústria automóvel apresenta-se significativamente diferente. Segundo Cassivi et al (2000) a cadeia de abastecimento integra quatro grupos de entidades: as OEM, fornecedores de primeira linha, fornecedores de segunda e seguintes linhas e os fornecedores de infra-estruturas.

A redução do número directo dos fornecedores das OEM colocou os fornecedores de sistemas e de módulos10 como as empresas melhor posicionadas para ocuparem um lugar de destaque na reorganização da estrutura da cadeia de valor, sendo fornecedores de primeira linha que recebem sub-módulos e componentes dos fornecedores de segunda linha que por sua vez adquirem partes de componentes aos fornecedores de terceira linha, e assim sucessivamente ao longo da cadeia de abastecimento (Fujimoto e Takeishi, 2001).

A globalização dos mercados, a rápida evolução das tecnologias e a cada vez mais acentuada competitividade dos mercados colocam sobre as empresas uma constante pressão para melhorarem os seus desempenhos. A alteração da estrutura da cadeia de valor tradicional de uma lógica de integração vertical para uma prática de “integração virtual” apresenta-se como uma resposta a estes desafios. Dyer (2000) defende que a competição não deve basear-se simplesmente entre empresas mas que deve ocorrer também competição entre os fluxos de valor. A optimização direccionada apenas para pontos isolados do sistema deve ser subtituída pelo estabelecimento de uma rede de intercâmbio de conhecimento, que possa actuar sobre todo o sistema, optimizando-o globalmente (Hines et al., 2000; Jonas e Womack, 2002). Mais

recentemente as OEM têm procurado um maior envolvimento dos seus fornecedores no todo do processo de fabrico automóvel. Segundo Dyer (2000) a Toyota sustenta como fundamentais os seguintes quatro pontos: 1) criar centros de acumulação de conhecimento; 2) eliminar os “proprietários” da informação; 3) criar mecanismos de aprendizagem multilaterais; 4) incentivar a aquisição e aplicação da informação. Mais recentemente as OEM procuram envolver cada vez mais os seus fornecedores no fabrico e montagem dos automóveis. Segundo Veloso (2001) os construtores de automóveis têm passado as responsabilidades ao nível do desenvolvimento, fabricação e montagem de importantes partes dos automóveis aos seus fornecedores, obtendo por esta via ganhos na redução dos seus activos, e incremento da responsabilidade e qualidade.

Uma nova abordagem à cadeia de abastecimento (Automotive Consulting Group, 1995; Pilorusso, 1997; Veloso et al., 2000, p.43; Veloso e Kumar, 2002) apresenta quatro categorias: a) Integradores de Sistema (também referidos como fornecedores de meia linha (Womack et al., 1994, p.154; Lung, )) - fornecedores com capacidade de integrar componentes, sistemas em módulos e a realização e montagens parciais que são transportados directamente para a linha de montagem das OEM; b) Fabricante de Sistemas - fornecedores com a capacidade de intervirem ao nível das seguintes tarefas: concepção do projecto, desenvolvimento, fabrico de componentes complexos. Detêm a capacidade de fornecer directa ou indirectamente, através dos Integradores de Sistemas, as OEM; c) Fabricante Montador - fornecedor especializado num determinado processo, detendo capacidades adicionais como a montagem de cariz complementar. Também assume responsabilidades pelo projecto e teste do componente fabricado, mas nunca assumindo responsabilidades ao nível do projecto ou de montagens parciais. É um fornecedor indirecto, com muitas poucas possibilidades de fornecer directamente as OEM; d) Fabricante de Componentes - fornecedor que apresenta as sua competências no domínio de determinado processo, como a injecção de moldes ou estampagem. Os seus clientes são os demais fornecedores situados acima na hierarquia da cadeia e abastecimento. Com esta nova estrutura da cadeia de abastecimento as OEM atribuem novos desafios aos grandes fornecedores de primeira linha, nomeadamente o de ensinar os fornecedores que se situam abaixo na cadeia de abastecimento nas boas práticas de gestão dos fluxos estabelecidas pelas OEM (Veloso e Kumar, 2002). As empresas Portuguesas fornecedoras da indústria automóvel caracterizam-se por serem tipicamente de segunda linha (Féria, 1997).

As OEM têm assumido um papel preponderante na utilização do EDI na cadeia de abastecimento. Vários são os exemplos que se pode referir de uma vasta utilização do EDI como meio de interligação com as respectivas redes de fornecedores. Como exemplo da utilização do EDI refira-se os casos da Ford que utiliza o EDI sobre a sua rede Fordnet, a GM que o utiliza na sua rede EDSNET, a Toyota através da sua rede Toyota Network System (TNS), Nissan usa o EDI na sua rede AVANTIS.

O relatório NORTINOV - Acções Inovadoras no Norte de Portugal de 2004, no âmbito do sector Automóvel e Tecnologias de Informação, Comunicação e Electrónica (TICE), visando as empresas da região Norte de Portugal, apresenta a caracterização da utilização do EDI numa amostra de 10 empresas, seleccionadas de modo não aleatório de um universo de 69 empresas. O relatório apresenta as seguintes informações: as empresas com 100% do capital estrangeiro são as que atribuem prioridade à ligação por EDI aos clientes, as empresas de capital 100% nacional as que mais privilegiam as ligações com clientes e fornecedores, como se observa na Figura 6.

Em Portugal, a Autoeuropa utiliza o EDI na sua rede Fordnet, actuando a Autoeuropa como a força motriz da sua cadeia de abastecimento. Pertencer à rede de fornecedores da Autoeuropa é bastante difícil devido aos rigorosos procedimentos de avaliação que são efectuados em vários domínios: concepção do projecto, desenvolvimento de processos,

Fonte: NORTINOV (2004). “Diagnóstico e Prospectiva dos Sectores Automóvel e Tice”, Relatório preliminar, 21 de Outubro, p.85.

capacidade produtiva, distribuição e actividades de apoio, em que as PME’s Portuguesas se deparam com problemas ao nível das capacidades organizacionais e tecnológicas. A Autoeuropa tem um sistema de Produção Lean (Lean Production11) que visa tornar a empresa competitiva através da redução de desperdícios dentro da organização, procurando reduzir ao mínimo os stocks e os produtos com defeito. A Produção Lean implementa técnicas como o Kanbam em que a empresa tem um sistema logístico que permite a esta receber dos seus fornecedores os produtos encomendados num sistema just-in-time, procurando eliminar desperdícios durante a produção do produto. Assim torna-se importante uma boa coordenação da cadeia de abastecimento no âmbito da Produção Lean, podendo contribuir para a redução em 1/3 ou 1/8 do número de fornecedores que existiam antes da implementação da Produção Lean (Womack, et al., 1990), assim como a prática da transferência do número máximo de tarefas e responsabilidades para todos aqueles que acrescentam valor ao produto. Sendo o factor proximidade crucial na Produção Lean, em que as empresas necessitam de estar localizadas próximas das OEM de modo a assegurar o rápido e correcto fornecimento dos componentes numa óptica de just-in-time. O uso do EDI permite uma maior vantagem às empresas com produção just-in-time e sistema de entregas do que às empresas que não utilizam estes sistemas (Banerjee e Golhar, 1993). Sánchez e Pérez (2001) referem terem aumentado o número e o valor dos documentos trocados entre as OEM e os seus fornecedores através do EDI ou Internet num contexto de processo de integração dos fornecedores na Produção Lean.

A literatura referência exemplos de como o desempenho de várias empresas aumentou através da gestão dos fluxos de materiais e de informação na cadeia de abastecimento. Handfield e Nichols (1999), assim como Fine (1998), referem que o projecto do traçado da cadeia de abastecimento da Chrysler determinou a existência de um excesso de alianças, cerca de 10 000, entre a empresa e os seus vendedores e fornecedores. Outros estudos empíricos (Srinivasan et al., 1994; Cash e Konsynski, 1985) indicam que a partilha de informação com os fornecedores levou a significativos incrementos no desempenho da Chrysler e da Toyota. O facto de um típico veículo a motor ter aproximadamente 15 000

11. O termo Lean Production surge da expressão “Thinking Process” de Taichi Ohno (1988) no início da década de 90, conjuntamente com a designação do método de produção da Toyota Motor Campany, que foi popularizado pelo livro “The Machine that Changed the World” de Womack, Jones e Roos (1990). Os cinco princípios basilares da Lean Production podem ser aprofundados em Hines e Taylor (2000), e Womack e Jones (1996) que apresentam os sete tipos de desperdícios que Shigeo Shingo identificou para o Sistema Toyota de Produção.

partes e acessórios é importante às OEM identificar fornecedores chave e a estes dar-lhes mais responsabilidades no processo de fabrico, procedendo ao outsourcing das suas actividades de fabrico, que era em 1989 cerca de 15% do total destas (Cassivi, Lefebvre e Hen, 2000). Volpato (2004) apresenta como forte evidência da cada vez maior prática de outsourcing na gradual redução do número de trabalhadores nos construtores de automóveis em oposição aos sucessivos aumentos da produção. Um maior número de práticas de outsourcing tende a exigir uma maior atenção na gestão da cadeia de abastecimento.

Hill (2000) afirma que tanto o EDI como a gestão da cadeia de abastecimento melhoram o desempenho das empresas, mas é a gestão combinada destes, ou seja, o uso do EDI e a integração da cadeia de abastecimento que levam a um maior desempenho. A obtenção deste ganho no desempenho, para o autor, é conseguido através da reengenharia de processos, sem o qual, afirma o autor, o processo de transferência de informação pela cadeia de abastecimento será basicamente o mesmo. Vai no mesmo sentido a opinião de Chatfield e Yetton (2000) ao referir que a alteração de sistemas e processos internos é frequentemente necessária como forma de obter resultados estratégicos com a utilização do EDI, em que as empresas devem mesmo considerar o investimento na reengenharia dos processos como uma das formas de investimento inerentes ao compromisso de parceria associado à utilização do EDI com os demais parceiros comerciais.

Estudos elaborados por Fine (1998, capítulo 5 e 11) no MIT sugerem que o desenho simultâneo da cadeia de abastecimento do processo e do produto tendem a contribuir para o aumento da criação de valor. Na opinião do autor não basta às empresas, mesmo às mais capacitadas, desenvolver em conjunto o estudo e desenho dos produtos e processos e depois descurar o estudo e desenho da cadeia de abastecimento.

Glasmeier e Kimbler (1996) enfatizam o efeito que as práticas da gestão da cadeia de abastecimento exercem na escolha da localização dos armazéns, em que os centros de distribuição tendem a localizar-se nas franjas dos centros urbanos. Este posicionamento em face dos centros urbanos tende a facilitar as economias de escala, a utilização do EDI e a redução do nível de stock.