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Calibração/Estimação e Validação de Modelos

Transportes Alternativos

6. Modelação da Mobilidade dos cidadãos

6.3.11. Calibração/Estimação e Validação de Modelos

O passo final na definição de um modelo matemático que tente imitar a realidade, é a sua calibração/estimação e a sua validação com dados reais. A calibração e estimação são conceitos semelhantes apesar de na prática a sua aplicação ser ligeiramente diferente. A calibração historicamente era associada a engenheiros responsáveis pela primeira geração de modelos, onde tentavam otimizar modelos que melhor de adaptavam a dados observados, escolhendo empiricamente parâmetros que assumiam como não nulos. Esta calibração era realizada sem grande base científica apesar de apresentar resultados consistentes. A estimação está associada a engenheiros e econometristas, que apesar de também ajustarem empiricamente certos aspetos específicos dos modelos, usam uma base científica para encontrar os valores de parâmetros que melhor ajustam o modelo aos dados observados. A estimação permite igualmente aferir os parâmetros estatisticamente significativos, permitindo a eventual exclusão dos restantes. O termo estimação provém do facto de se utilizar os dados de amostras para estimar os valores de toda a população. O facto da estimação se basear em propriedades estatísticas bem definidas permite adotar intervalos de confiança em relação aos valores estimados e aos resultados previstos.

A maioria dos modelos de transporte tem sido construída baseada em dados de segmentos transversais da população, levando à tendência de assumir que a sua validação se resumia exclusivamente em avaliar a precisão dos seus resultados confirmados com os valores comportamentais observados no ano de base. Apesar de ser uma condição necessária, não é suficiente, existindo a necessidade de avaliar as previsões do modelo com estudos antes e depois da intervenção. A validação necessita assim de comparações entre as previsões dos

modelos e dados não utilizados na estimação dos seus parâmetros (Ortúzar e Willumsen, 2001). Esta validação condiciona as previsões obtidas através dos modelos, devido às variáveis possíveis de utilizar e à precisão possível de obter atendendo às simplificações, erros e incertezas. As previsões estão condicionadas a estimar as variáveis dependentes, dado um conjunto de variáveis independentes, e são normalmente utilizadas para testar vários cenários alternativos para um conjunto de possíveis valores das restantes variáveis. Podem ser utilizadas múltiplas vezes para explorar vários vetores de atuação, sendo de importância crucial que a sua especificação permita retrocessos fáceis no tempo, situação complicada em modelos de transporte globais que envolvem processo complexos de equilíbrio da oferta e da procura.

6.4.

Estrutura Clássica dos Modelos de Transporte

Apesar das inovações nas técnicas de modelação dos últimos 40 anos, a estrutura clássica dos modelos de transporte tem-se mantido praticamente inalterada. A figura II.3 apresenta a sua forma geral, tradicionalmente designada de Modelo dos Quatro Passos.

A abordagem considera um zonamento e a rede de infraestruturas, a recolha e codificação de dados de planeamento, de calibração e de validação do modelo, incluindo dados demográficos no ano base de cada zona da área de estudo e os níveis de atividade económica, incluindo empregos, áreas comerciais, equipamentos de educação e de lazer, entre outros. Com estes dados estima-se um modelo de geração de viagens, ou seja, o número total de viagens geradas (saídas) e atraídas (entradas) para cada zona de tráfego da área de estudo. No passo seguinte pretende-se atribuir estas viagens a determinados destinos, ou seja, fazer a distribuição de viagens pelas diferentes zonas produzindo uma matriz de distribuição de viagens.

Após esta fase pretende-se atribuir as viagens da matriz anterior aos diferentes modos de transporte possíveis de utilizar, resultando na modelação da repartição modal (tipicamente entre TI ou privado e TC ou público).

O passo final requer a atribuição das viagens por cada modo de transporte às diferentes infraestruturas existentes na rede de transportes entre as origens e os destinos da área de estudo.

O modelo clássico é portanto apresentado como uma sequência iterativa de quatro submodelos, apesar de se reconhecer que as decisões sobre a viagem podem não se efetuar segundo esta sequência.

Figura II. 1 - Estrutura clássica do modelo de transporte de quatro passos (retirado de Ortúzar e Willumsen, 2001)

Uma visão mais contemporânea considera que as posições dos diferentes submodelos dependem das suas utilidades durante as opções de viagem. Perante, por exemplo, um congestionamento de tráfego, o condutor pode assumir várias simples alterações que podem ser de difícil quantificação nos modelos tradicionais (Ortúzar e Willumsen, 2001):

Rede e Zonas de Tráfego Dados no ano base Dados planeados para o futuro Base de dados

Ano Base Futura

Geração de Viagens Distribuição de Viagens Repartição/Escolha Modal Atribuição de Tráfego Avaliação/Monitorização In te ra çõ es

- O trajeto escolhido para evitar uma zona congestionada ou para aproveitar uma nova ligação, incluindo a escolha de um melhor local de estacionamento ou a possibilidade de combinação com viagens em TC;

- O modo de transporte utilizado para chegar ao destino, ou seja, o condutor pode simplesmente optar por mudar de modo de transporte se verificar que o seu uso é mais económico em termos de duração de viagem ou financeiramente;

- A hora da viagem que pode ser antecipada/retardada de modo a evitar as horas de ponta do tráfego;

- A alteração do local de destino para zonas menos congestionadas;

- A frequência da viagem alterando o dia para a realizar ou aproveitando para combinar com a necessidade de realizar outras atividades.

Outra dificuldade desta modelação advém da existência de transformações mais complexas a longo prazo, como as alterações no emprego, na residência, na atratividade das áreas comerciais, entre outros, que são condicionadas, pelo menos parcialmente, pela acessibilidade providenciada pelos próprios sistemas de transporte. Verifica-se igualmente na modelação tradicional da geração de viagens que esta é independente do nível de serviço prestado pelo sistema de transportes, assunção provavelmente irrealista, que só recentemente assistiu ao surgimento de técnicas capazes de a atenuar (Ortúzar e Willumsen, 2001).

Existem abordagens mais recentes que tentam integrar dois ou mais passos numa única modelação, por exemplo juntando a frequência de viagens, o seu destino e o modo de transporte utilizado num único modelo. Existem ainda abordagens que salientam a importância das atividades familiares e das viagens que envolvem, modelando as mesmas e às suas condicionantes atendendo por exemplo às atividades de curta duração, ao seu encadeamento ou às limitações em termos orçamentais e compatibilização de horários. Estas modelações impõem maiores dificuldades na sua decomposição nos quatro passos da metodologia clássica e apenas a partir de meados da primeira década do séc. XXI, é que deixaram de ser uma área de investigação para começarem a ter aplicação prática. No entanto, parece claro que estes modelos baseados nas atividades quotidianas (“Activity-based models”), poderão melhorar de forma significativa a modelação tradicional no futuro, principalmente devido a melhor compreensão que permitem do comportamento em termos de viagens (Vovsha e Freedman, 2008a).

Apesar destas novas abordagens, a larga experiencia na aplicação do modelo clássico dos quatro passos, com todas as variantes metodológicas e aperfeiçoamentos implementados (principalmente na sua fundamentação científica) ao longo das últimas décadas, tornam-no

uma referência, que poderá mesmo servir de termo de comparação com as metodologias mais recentes e com perspetivas de viabilidade de implementação.

6.5.

Modelos de Escolha/Repartição Modal

A escolha do modo de transporte é provavelmente um dos submodelos mais importantes na metodologia clássica para o planeamento de transportes. Apesar do domínio avassalador do TI em relação ao coletivo, principalmente nas áreas urbanas, o último desempenha um papel fundamental na definição das políticas de transporte devido à sua eficiência em termos de usos do espaço viário disponível e de recursos consumidos por passageiro transportado (desde que haja procura suficiente). Modos subterrâneos e outros ferroviários não partilham o espaço comum (exceto pontualmente nas intersecções) com o TI pelo que também não contribuem para o aumento do congestionamento rodoviário. É fisicamente inviável a disponibilização de espaço nas áreas urbanas para atender às necessidades de vias e de lugares de estacionamento para que todos os cidadãos que o desejem, possam usar o seu próprio TI. Existe assim, a necessidade de um planeamento do sistema de transporte que consiga atrair voluntariamente (ou quase) parte considerável das viagens diárias para o TC, permitindo uma melhor mobilidade para os utilizadores dos últimos mas também para os restantes que continuem a optar pelo TI. A escolha do modo de transporte afeta a eficiência geral das viagens urbanas, a quantidade de espaço urbano alocada às funções de transporte e a variedade de alternativas à disposição dos viajantes.