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Modelos de Escolha Discreta

Transportes Alternativos

6. Modelação da Mobilidade dos cidadãos

6.5.1. Evolução Histórica dos Modelos de Escolha/Repartição Modal

6.5.1.4. Modelos de Escolha Discreta

Uma limitação das metodologias apresentadas anteriormente surgia de apenas utilizarem características mensuráveis e contínuas como o tempo, o custo, o rendimento, a população, entre outros. A utilização de variáveis ordinais ou nominais era difícil de realizar e a teoria subjacente desadequada para a sua modelação, nomeadamente o seu ajuste através do método dos mínimos quadrados. A única possibilidade de modelar este tipo de variáveis através de métodos tradicionais requeria grupos de indivíduos com comportamento homogéneo ou o registo das suas escolhas em diversas ocasiões, de modo a obter frequências de observação possíveis de expressar em valores entre 0 e 1. Assim nos finais da década de 70 surgiram os modelos de escolha discreta, nomeadamente através dos trabalhos de Daniel MacFadden (Train, 2003), que através de uma base teórica sólida se apresentaram como ferramentas potentes para a modelação das escolhas de indivíduos em várias áreas de investigação, incluindo os transportes.

A designação de escolhas discretas deriva do facto de poder modelar escolhas com base em variáveis contínuas mas também discretas, isto é, selecionadas de um conjunto finito de opções, tais como ter ou não carta de condução, realizar transbordo ou não, ter carro disponível ou não.

Os modelos de escolha discreta assumem que (Ortúzar e Willumsen, 2001):

“…A probabilidade de um indivíduo escolher uma determinada opção é uma função das suas características socioeconómicas e da atratividade relativa dessa opção...”

Para representar esta atratividade de uma opção é usual recorrer ao conceito de Utilidade, definida como o que um indivíduo procura maximizar. As diferentes alternativas propostas por si só não produzem utilidade, mas esta pode ser aferida pelas suas características e as do indivíduo, através, por exemplo, de uma utilidade observável definida como uma combinação linear de várias variáveis. Na bibliografia são vários os autores (Ben-Akiva e Lerman, 1985; Louviere e Street, 2000a; Louviere et al., 2000b; Ortúzar e Willumsen, 2001; Arsénio et al., 2002; Washington et al., 2003; Fricker et al., 2004) que sugerem o uso de funções de utilidade para os modelos de escolha modal. A maioria sugere expressões do tipo:

jq k jq ε U 

Vjkq  Exp. II-7 ou

jq k jkq kj jq X ε U 

  Exp. II-8 onde:

- Ujq: Utilidade do modo j avaliada pelo individuo q;

- Vjkq: parte mensurável, observável, representativa ou sistémica da utilidade do modo j

pelo individuo q;

- Xjkq: Atributo mensurável k na quantificação da utilidade do modo j pelo individuo q;

- kj: Peso do atributo k, constante para todos os indivíduos q, mas que varia segundo o

modo j;

- jq: parte aleatória, que reflete variáveis intrínsecas do individuo q em relação ao modo

j, bem como eventuais erros de observação e de modelação, ou seja, é a diferença entre a utilidade real de um modo j para o individuo q e a utilidade que é possível de determinar pelo analista.

O ITE (1999) ainda discrimina a função utilidade em:

 

   k k jq jkq jkq jkq kjq jq a LOS b SEC ε U Exp. II-9 onde:

- Ujq: Utilidade do modo j avaliada pelo grupo socioeconómico q;

- akjq: Coeficientes de cada atributo k de qualificação do nível de serviço prestado pelo

modo j, avaliado pelo grupo q;

- LOSjkq: Variável k que descreve o nível de serviço prestado pelo modo j avaliado pelo

grupo q;

- bjkq: Coeficiente de cada atributo k descritor das características socioeconómicas do

grupo q em relação ao modo j;

- SECjkq: Característica socioeconómica k do grupo q em relação ao modo j;

- jq: constante específica para o modo j que representa variações inexplicáveis no uso do

mesmo pelo grupo q.

No caso de modelos de repartição/escolha modal estes devem ser sensíveis aos atributos que podem influenciar as escolhas individuais do modo de transporte a utilizar. Ortúzar e Willumsen (2001) sugerem os seguintes 3 grupos de fatores como os mais preponderantes na escolha do modo de transporte:

- Características do viajante/agregado: - Disponibilidade e posse de TI; - Habilitações para a condução;

- Estrutura familiar (solteiros, casados, casados com filhos), e a situação profissional (ativo, desempregado ou reformado);

- Rendimento familiar

- Necessidades excecionais, tais como levar os filhos à escolha ou trabalhar com veículo próprio;

- Densidade residencial, ou seja, o número de agregados domésticos por unidade de espaço.

- Características da viagem:

- O motivo da viagem, nomeadamente no que concerne à necessidade de programação e de conhecimento das condições do sistema de transportes no local de destino;

- Período do dia para realizar a viagem, que pode dificultar a utilização dos TC; - Características do sistema de transporte:

Quantitativas:

- Tempo de viagem relativo: em circulação, em espera e os tempos de percursos a pé para cada modo;

- Custos financeiros relativos: tarifas, combustível e outros custos diretos como portagens;

- Disponibilidade e custo de estacionamento; Qualitativos:

- Conforto e conveniência; - Fiabilidade e regularidade; - Proteção e segurança.

Desta lista, que poderia ser mais extensa, é possível verificar que nem todos os fatores são fáceis de quantificar, e que muitos são difíceis de traduzir por valores contínuos, necessitando-se de modelos que consigam analisar variáveis discretas.

Após a definição das variáveis a utilizar na modelação, o valor da sua utilidade deve ser comparado com as restantes opções e transformada numa probabilidade entre 0 (não ser escolhida) e 1 (100% de probabilidade de ser escolhida). Para esta transformação é usual utilizar formulações caracterizadas por graficamente serem representadas por uma curva em S. As mais comuns são a formulação da família dos LOGIT (função sigmoide logística) e PROBIT (função de distribuição acumulativa inversa).

Os modelos de escolha discreta têm como base teórica a Teoria da Utilidade Aleatória, e basicamente assume que (Ortúzar et. al., 2001; Ben-Akiva e Lerman, 1985; e Hensher et al., 2005):

- Os indivíduos que pertencem a uma população homogénea agem racionalmente e possuem total informação, isto é, escolhem sempre a opção que maximiza a sua utilidade pessoal atendendo às restrições legais, sociais, física e orçamentais (temporais ou financeiras).

- Os indivíduos com determinadas características são confrontados com um conjunto pré- definido de alternativas disponíveis e que não existem outras restrições que afetam o seu processo de decisão.

- Cada alternativa tem associada uma utilidade bruta para um determinado indivíduo, e o analista não possui a informação completa sobre os elementos considerados para a escolha de uma alternativa. Assim, o analista assume que a utilidade é representada por dois componentes: uma mensurável, sistémica ou representativa, função de atributos

mensuráveis (os Xjkqna expressão II-8); outra parte aleatória que reflete a idiossincrasia

e gosto pessoal de cada individuo, agregado a eventuais erros de observação ou medição

(ojqna expressão II-8).

Este ponto permite duas aparentes irracionalidades: que dois indivíduos com as mesmas características e perante as mesmas alternativas possam ter opções diferentes; e que o mesmo indivíduo possa não escolher a melhor opção, segundo as características consideradas pelo analista. Para que esta formulação esteja correta necessita-se de uma certa homogeneidade na população em estudo, isto é, que todos tenham as mesmas alternativas disponíveis e sejam confrontados com as mesmas restrições.

- Dependendo da distribuição probabilística dos erros ou resíduos jq, diferentes modelos

podem ser gerados.

Atendendo a este último ponto, a distribuição dos erros, existem várias possibilidades que

condicionam os modelos a utilizar. Aliás, segundo Train (2003), o erro não é definido para

uma determinada escolha em si, mas sim relativamente a uma representação que o analista faz de uma determinada situação de escolha. Como o analista não conhece estes erros, trata- os como valores aleatórios e define uma função de distribuição de probabilidades para realizar aferições estatísticas sobre as escolhas dos indivíduos.

Considera-se ainda que o processo de escolha da alternativa i pela população pode ser representado por um modelo com atributos x, cuja distribuição conjunta pode ser representada por f(i, x). Na modelação de escolhas individuais é comum dividir esta distribuição conjunta no produto entre uma distribuição condicional e uma marginal (Ben- Akiva e Lerman, 1985):

     

i,x Pi|x p x

f   Exp. II-10

Onde:

- f(i,x): distribuição conjunta das escolhas i e dos atributos x; - P(i|x): distribuição condicional;

- p(x): distribuição marginal, que não representa qualquer teoria comportamental, mas que representa a probabilidade de encontrar uma observação com as características de x, a sua cota de mercado.

O que torna esta decomposição interessante e útil é o facto de P(i|x) não ser simplesmente a probabilidade condicional mas representar o resultado de um modelo que se acredita descrever as escolhas individuais (i) mediante a utilização de uma função com parâmetros desconhecidos (β). A forma como cada observação é realizada condiciona assim a distribuição conjunta dos (i) e dos x (e portanto dos (β)), pelo que o processo de amostragem é de importância vital (Ortúzar e Willumsen, 2001).

Outro aspeto importante de modo a permitir a utilização de modelos de escolha discreta, é a definição das alternativas que devem apresentar três características (Train, 2003):

- As alternativas devem ser mutuamente exclusivas na perspetiva do decisor: a escolha de uma alternativa implica a exclusão das restantes alternativas, ou seja, o decisor apenas escolhe uma alternativa do conjunto de opções;

- O conjunto de alternativas tem que ser exaustivo, isto é, deve incluir todas as alternativas possíveis;

- O conjunto de alternativas deve ser finito.

As duas primeiras características não são restritivas, uma vez que uma definição apropriada das alternativas pode assegurar na maioria das situações que as mesmas sejam mutuamente exclusivas e exaustivas. Mesmo em situações de viagens multimodais utilizando dois modos complementares como o automóvel particular e o autocarro, uma opção adicional pode efetivamente ser “carro+bus”, sendo o conjunto expandido mutuamente exclusivo. Na eventualidade de uma opção ser “não escolher nenhum modo”, esta deve ser inserida no conjunto de alternativas de modo a que o mesmo seja efetivamente exaustivo. Uma abordagem alternativa, menos trabalhosa mas também menos precisa, é limitar a análise apenas às situações de que se dispõem dados excluindo os dados de situações com combinação de alternativas ou que não escolham nenhuma, permitindo que conjunto menor de alternativas resultante continue a ser mutuamente exclusivo e também exaustivo.

A terceira característica, no entanto, é restritiva uma vez que caracteriza este tipo de modelos e os distingue do campo de aplicação dos modelos de regressão, que utilizam variáveis dependentes contínuas que podem ter um valor infinito de resultados. Um conjunto infinito de alternativas inviabiliza a utilização de modelos de escolha discreta. Existe sempre a possibilidade de, como já foi referido, reduzir o conjunto infinito de alternativas a um conjunto finito transformando-o em intervalos de possíveis valores.

6.6.

Modelos Baseados em Atividades

A maioria da investigação mais recente em termos de modelação de transportes tem incidido numa alternativa à abordagem clássica dos quatro passos. São designados de modelos baseados em atividades em que a procura de viagens é calculada a partir de um ponto de vista mais geral e holístico (que concebe a realidade como um todo) das atividades de um indivíduo (Davidson et al., 2007). Apesar de na prática ainda ser muito comum o recurso à modelação agregada no processo de planeamento para a previsão de necessidades a atender pelos sistemas de transportes, nos últimos anos tem-se assistido ao crescente interesse por modelos mais realistas em termos comportamentais, baseados nas atividades. A relativa complexidade dos novos modelos (real ou apreendida) e consequente tempo de processamento efetivo e de implementação dos algoritmos tem levado a algumas críticas, fundamentalmente no que se refere à relação investimento necessário ao seu desenvolvimento em larga escala versus as contrapartidas de precisão de previsões comparativamente a modelos tradicionais.

A modelação baseada em atividades tem semelhanças com a modelação mais tradicional no que concerne às etapas da escolha do modo de transporte e do destino, e à afetação a infraestruturas rodoviárias ou a TC. No entanto, incluem ainda outros aspetos atualmente relevantes com a altura do dia escolhida para realizar a viagem, a frequência da escolha da deslocação, escolhas de estacionamento, escolhas de trabalhar em casa ou não, etc. (Davidson, 2008). As aplicações práticas já implementadas têm demonstrado a sua viabilidade apresentando modelos práticos (em termos de tempo e grau de pormenor necessários) que incorporam as partes mais relevantes das investigações sobre atividades e comportamento em viagens, pelo menos a nível regional (Davidson et al., 2007). A base dos modelos de transporte convencionais amplamente divulgada e utilizada define a unidade básica de viagem como a deslocação que uma pessoa faz de uma origem para um destino com um determinado propósito por meio de um determinado modo de transporte (a pé, de carro particular, de autocarro, de comboio, etc.). Este conceito de deslocação, no entanto, é limitado quando as viagens são interdependentes e as decisões tomadas para um modo afetam os restantes. Um exemplo deste problema verifica-se quando o automóvel particular é preterido numa viagem casa-trabalho, não estando disponível na viagem de regresso, situação que na modelação tradicional pode ser difícil de aferir.

Modelos mais recentes evoluíram no sentido de ponderar para unidade básica de viagem o conceito de jornada ou cadeia de deslocações, em que a escolha do modo é feita atendendo a toda a jornada diária para que o modo utilizado no retorno esteja condicionado ao modo utilizado na viagem de ida. Este conceito de jornada evoluiu ainda para utilizar como unidade básica de viagem a atividade, entendida como o que se quer fazer com o tempo disponível, quer em casa quer no exterior, como trabalho, compras, educação, lazer, etc. Cada individuo ajusta a sua escolha de atividade atendendo ao que quer fazer com o seu tempo e à disponibilidade de locais para as realizar, isto é, tal como já foi referido, as pessoas não querem viajar (na maioria das situações) mas realizar as suas atividades e as viagens são empreendidas entre os locais dessas atividades. A sequência de atividades a empreender forma a unidade a modelar e a sequência de deslocações é o modo de a alcançar (Davidson, 2008).

Na modelação de transportes os princípios conceptuais subjacentes incluem a escolha entre alternativas e a tomada de decisão sobre qual escolher. Assume-se que os indivíduos podem:

- Escolher o destino para onde ir; - Que modo de transporte utilizar; - Que trajeto percorrer;

- Com que frequência realizar a atividade pretendida; - Onde estacionar;

- Em que altura do dia realizar a deslocação;

- Tomar a decisão de antecipar ou retardar a deslocação para evitar situações problemáticas, por exemplo, congestionamentos rodoviários.

O modelo pretende prever as decisões dos indivíduos em cada uma das situações anteriores tendo por base o sistema de transportes, tentando prever a sua disposição para utilizarem o sistema com eventuais alterações que se pretendam introduzir.

Assim, em termos gerais podem distinguir-se três aspetos comuns a todas as abordagens de modelos baseados em atividades (Vovsha e Freedman, 2008a; Davidson et al., 2007):

- Estrutura baseada em jornadas (“tour”), isto é, numa sucessão de deslocações que começam e acabam num local base (casa ou emprego) utilizadas como a principal unidade para a modelação de viagens. Esta estrutura preserva a consistência entre deslocações da mesma jornada relativamente a questões de viagem como o destino, o modo de transporte ou o período do dia. Mesmo as deslocações não baseadas em casa podem ser relacionadas com deslocações a partir de casa.

- Uma plataforma baseada em atividades que implica que a modelação das viagens seja realizada a partir de atividades diárias do agregado familiar ou de um individuo. Esta plataforma permite a consistência da dimensão tipológica, espacial e temporal dos padrões de atividades individuais, a substituição das atividades domésticas e fora de casa, a duração das atividades em coerência com os tempos de chegada e de partida, interações nos agregados familiares e outros aspetos considerados pertinentes para a análise das atividades.

- Uma técnica de modelação por micro-simulação, aplicada a nível totalmente desagregado de indivíduos ou agregados familiares, que converte as escolhas relacionadas com as atividades e viagens resultantes de modelos de probabilidades fracionadas (“fractional-probability models”) numa série de decisões encadeadas (“crisp decisions”) entre as escolhas discretas. Este método de implementação do modelo origina resultados mais realistas com a aparência de dados de estudos de viagens/atividades.

O uso combinado destes requisitos tem permitido que este tipo de modelação incorpore várias técnicas avançadas de estudos comportamentais não utilizadas pela modelação tradicional dos quatro passos.