• Nenhum resultado encontrado

A Interação entre os Sistemas de Transporte e o Desenvolvimento das Áreas Urbanas

Enquadramento 1 Introdução

2. A Interação entre os Sistemas de Transporte e o Desenvolvimento das Áreas Urbanas

O crescimento dinâmico das cidades e as suas alterações em termos de área/forma, impõem mudanças significativas nos seus sistemas de transporte. As tipologias de soluções adotadas por sua vez, influenciam o modo como as cidades crescem, as suas características funcionais e o ambiente natural e construído oferecido aos seus cidadãos. Os problemas referidos surgiram em grande parte devido à falta de coordenação entre as políticas de mobilidade e o planeamento urbano realizado no passado, que não atenderam a estas relações entre as cidades e os seus sistemas de transporte a longo prazo. Muitas das decisões tomadas durante a formulação e implementação das políticas municipais, intermunicipais, regionais e até nacionais, foram muitas vezes focando apenas a construção e melhoramento de infraestruturas para o TI sem atenderem às consequências a longo prazo nos sistemas globais de transporte. Décadas de políticas vocacionadas para o TI, criaram hábitos, rotinas e estilos de vida que mesmo com os grandes investimentos em alternativas ao TI verificados atualmente, não se conseguem quebrar facilmente, ou mesmo pacificamente.

Uma qualidade de vida aceitável em cidades, enquanto aglomerados humanos organizados, só é possível se qualquer um dos seus cidadãos tiver mobilidade, isto é, a capacidade de se deslocar entre uma origem e um destino dentro da área urbana em modos de transporte

privados ou públicos. Esta mobilidade é geralmente dificultada quando há grandes distâncias a ultrapassar, quando existem condições climatéricas adversas, quando há grandes rampas a vencer, mas acima de tudo, quando os meios para se deslocar estão indisponíveis, os custos são demasiado elevados ou existem outros fatores de exclusão (Grava, 2003).

Na maioria dos países podem definir-se três tipos de políticas de transporte (Vuchic, 1999): - Restringir o uso do TI à capacidade das cidades: Esta política baseia-se no conceito de

que as cidades têm grande valor social e histórico, e que nenhum destes deve ser sacrificado para permitir viagens ilimitadas por TI nas suas áreas urbanas;

- Reconstruir/adaptar as cidades para permitir o máximo de viagens por TI: Para atingir este objetivo as cidades devem ser redesenhadas e construídas de forma diferente, alterando de forma drástica o carácter físico e social das áreas urbanas;

- Desenvolvimento equilibrado: Deve realizar-se um planeamento urbano incluindo na definição das políticas de desenvolvimento urbano uma coordenação com os sistemas de transportes considerando-os multimodais, onde cada modo de transporte tem o seu papel a desempenhar numa lógica de complementaridade mútua.

O primeiro tipo de política, restrições às viagens por automóvel particular, tem dados alguns resultados positivos em alguns centros históricos e em partes de cidades com diferentes dimensões, principalmente na Europa. Tem a vantagem de assegurar o carácter humano das cidades evitando os efeitos negativos das viagens por modos motorizados e dos congestionamentos de tráfego. No entanto, as consequências que resultam da sua implementação por defeito – sem nenhum ajustamentos nas vias urbanas e no sistema de transportes – descoordenadas de uma política sustentável, leva a problemas de congestionamento crónicos e à ineficácia dos diversos sistemas de transporte. Restrições excessivas ao uso do TI motorizado às áreas centrais podem privar as cidades dos benefícios resultantes da alta mobilidade individual que permitem, nomeadamente a numerosas atividades de negócio, comércio e lazer.

O segundo tipo de políticas, adaptação das cidades ao crescente tráfego de TI motorizados, surge da visão simplicista de aumentar a capacidade das suas infraestruturas para acabar com os crescentes congestionamentos rodoviários e as suas consequências no ambiente urbano. À medida que os volumes de tráfego vão atingindo a capacidade das infraestruturas urbanas, as autoridades tentam resolver o problema aumentando as vias, as ruas, os estacionamentos, e principalmente implementando redes rodoviárias de alta capacidade, de modo a servir os grandes volumes de tráfego de atravessamento, por exemplo, através de vias circulares interiores e exteriores. Os impactos negativos destas políticas sobre a forma física das cidades e da qualidade de vida que oferecem aos seus cidadãos, são considerados secundários

relativamente à conveniência de viajar por TI motorizado. Os inconvenientes para aqueles que não o podem, ou não querem, utilizar também são negligenciados.

Este tipo de abordagem foi seguido em muitas cidades que cresceram de forma acentuada nas últimas décadas, encontrando-se bons exemplos destas políticas em muitas cidades norte americanas. Este tipo de políticas tem levado ao aumento da área das cidades, tornando a utilização do TI cada vez mais imprescindível, e tornando a utilização de modos mais sustentáveis, transportes coletivos (TC), bicicleta ou a pé, economicamente inviáveis ou fisicamente impossíveis. A distância entre destinos, a dispersão dos habitantes por grandes áreas, a necessidade de atravessar vias com tráfego elevado ou grandes parques de estacionamento, têm limitado a mobilidade de cidadãos adolescentes, de pessoas idosas ou com dificuldades motoras, reduzindo o papel dos TC a um mero serviço social para os que não podem, ou não querem, utilizar o automóvel.

Curiosamente, este tipo de políticas tem falhado no seu principal objetivo de diminuir/acabar com os congestionamentos rodoviários. A construção de centenas de quilómetros de vias coletoras ou autoestradas urbanas, de grandes parques de estacionamentos que dominam o ambiente visual de áreas centrais e suburbanas, não reduziu significativamente os congestionamentos rodoviários comparativamente a outras cidades que não adotaram a mesma orientação em termos de política de mobilidade/transporte. Pelo contrário, porções significativas da sua população – os que não possuem automóvel particular – sofreram reduções na sua mobilidade relativamente à situação anterior às alterações resultantes da implementação deste tipo de políticas, e a qualidade de vida urbana em termos ambientais tem diminuído consideravelmente.

O terceiro tipo de políticas, para um desenvolvimento equilibrado, baseia-se no conceito de que uma cidade é um sistema complexo com miríades de atividades e serviços, entre os quais se encontra o sistema de transportes. O seu funcionamento ótimo só poderá ser alcançado se todos os seus serviços e funções estiverem coordenados. Assim, o sistema de transportes deve servir de forma eficiente os seus cidadãos e interagir com as restantes funções e serviços existentes nas áreas urbanas. Não deve ser demasiado restritivo nem deve dominar sobre outras funções ou modos de vida. Haverá viagens que dependerão e serão melhor servidas inevitavelmente por TI, mas também haverá muitas que poderão ser perfeitamente servidas por modos alternativos mais sustentáveis se as condições que oferecerem forem atrativas. Será particularmente nas áreas de maior densidade de atividades, residencial, comércio ou serviços, que os modos alternativos de maior capacidade e ambientalmente mais sustentáveis serão uma alternativa incontestavelmente melhor face ao TI motorizado.

Será este tipo de política de transporte/mobilidade o único capaz de alcançar um sistema de transportes eficiente e um ambiente urbano de alta qualidade para todos os cidadãos.

Abreu Silva (2007), num estudo sobre a modelação da influência dos padrões de uso do solo na mobilidade sustentável em áreas urbanas, verificou que a acessibilidade proporcionada pelas infraestruturas de transporte é uma condição necessária para a indução do crescimento urbano ou a revitalização das áreas deprimidas, embora não seja condição suficiente. Por outro lado estes efeitos tendem a diminuir com o aumento do nível global de acessibilidade, ou seja, níveis de acessibilidade elevados (principalmente através do automóvel particular) tornam-nos irrelevantes nas decisões sobre a localização de muitas atividades. Refere ainda que as políticas de ordenamento do território não devem ser encaradas como um modo direto de reduzir a utilização do automóvel particular, mas antes como um modo de aumentar a atratividade relativa dos TC e modos não motorizados. O modelo desenvolvido permitiu verificar que residentes em áreas urbanas densas centrais, compactas e com importantes níveis de mistura de empregos e habitantes, tenderão a utilizar mais o TC e modos não motorizados e a possuir menores níveis de motorização, enquanto os residentes em zonas suburbanas tenderão a possuir uma taxa de motorização mais elevada e a utilizar o automóvel mais frequentemente. Atendendo aos resultados, sugere as seguintes orientações (por vezes difíceis de implementar ou inaceitáveis por determinadas autarquias) em termos de configuração espacial e políticas de ordenamento do território:

- Concentração da população e do emprego nas zonas mais centrais e com padrões de urbanização mais tradicionais;

- Permitir o surgimento de polos urbanos importantes em zonas exteriores organizados em torno de áreas bem servidas de transporte coletivo;

- Permitir a intensificação do uso dos solos apenas nas zonas bem servidas por transporte coletivo, reduzindo as áreas de expansão nas restantes zonas, e repensar a política de infraestruturas rodoviárias de modo a que a construção de novas vias não crie pressões contrárias às políticas de contenção urbana.