• Nenhum resultado encontrado

No Nordeste brasileiro, na Paraíba do Norte, existe um lugarejo: Vila Nova da Rainha!

Logo se tornou cidade, ó Campina pequenina, foi crescendo, foi crescendo, com muita prosperidade;

Hoje é Campina Grande, um orgulho do Nordeste, onde tem cabra da peste, plantador de algodão, nos fios da tecelagem, da nossa combinação!

Seus primeiros habitantes foram os índios Ariús, vindos de Bodopitá, fazendo a povoação;

E, os índios Cariris - Teodósio de Oliveira foi quem trouxe pro lugar aumentando a habitação;

Do pequeno lugarejo veio a emancipação!

Campina foi crescendo, crescer sempre foi seu lema, e hoje é Campina Grande, “Rainha da Borborema”!

O teu progresso Campina destruiu a tradição, e eu agora vou lembrando, quando canto este baião!

123 Ainda adolescente, ingressou em diversos conjuntos musicais locais, mas foi ao ingressar no rádio que

alcançou sucesso. Como compositor, escreveu mais de 530 canções, muitas gravadas por nomes famosos como Gilberto Gil e Luiz Gonzaga. Ganhou vários festivais: 1º festival de música nordestina - troféu de 1º lugar, com a música Linda espanhola; 1984 - Aproveita Gente - Disco de ouro pela RCA. NETO, Abílio. Bibliografia de Onildo Almeida. Disponível em http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Onildo+Almeida&ltr=O&id _perso=688.

149 Cadê a rua do meio, rua grande Ciridó, as ruas das Bolandeiras, da barrocas de fumo em pó.

Bartolomeu de Almeida foi seu primeiro vigário!

Capitão Camilo o primeiro mandatário e hoje merecem a glória do primeiro centenário!

Salve Campina nas páginas do novo calendário! Salve Campina no ano do primeiro centenário!

(Composição de Onildo Almeida e interpretação de Marinês).

Ao som da sanfona, triângulo e zabumba e, bem ao fundo um violão ritmando a banda: Marinês intepreta a composição de Onildo Almeida, Campina Grande

Centenária. No ritmo próprio do baião124, marca do regionalismo do compacto.

De modo geral, a articulação entre os pulmões, as pregas vocais dentro da laringe e os articuladores - lábios, língua e cordas vocais da cantora Marinês - junto com os sons intrumentais produzidos por Sua Gente, entoaram uma melodia lenta, ritmada pelo som das flautas que com o seu sopro ao lado da sanfona, com seus acordes, protagonizam e marcam a hora de entrada e saída da interprete.

A sanfona ou acordeão com seu fole chiado, junto com o triângulo, dão ao baião um ritmo moroso, que convidam o ouvinte a bailar. Ao fundo, um toque é familiar aos ouvidos campinenses, um som que se assemelha ao coco de roda, tão comum nas festas populares da Paraíba.

A canção, entendida neste trabalho, a partir da interlocução entre elementos instrumentais, tais como ritmo, melodia, arranjo, performace do intérprete e a sua letra (Napolitano, 2010, p. 258), propõe uma representação da cidade de Campina Grande no seu centenário. Uma representação que promove, como outras produções, um olhar para os fatos da história da urbe.

Após uma rápida localização geográfica da cidade, encravada no “Nordeste brasileiro, na Paraíba do Norte”, o compositor leva-nos, através de algumas estrofes, a reverenciar determinados fatos e personagens que contribuíram, na visão do compositor

124 O baião utiliza os seguintes instrumentos musicais: viola caipira, triângulo, flauta doce e acordeão

(também chamado de sanfona). Os sons destes instrumentos são intercalados ao canto. A temática do baião é o cotidiano dos nordestinos e as dificuldades da vida, como na canção "Asa Branca" que fala do sofrimento do sertanejo em função da seca nordestina. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Bai%C3%A3o_(m%C3%BAsica).

150

para transformar a face da cidade: de pequenina à orgulho do Nordeste, e tendo o crescimento como seu lema, tornou-se, no ano do centenário, Rainha da Borborema!

Para nós, ao se tratar das questões que envolviam as produções para o centenário da cidade, o mito da pujança de Campina Grande serviu como plataforma política dos grupos que compunham o governo da cidade no período em foco, justamente quando encontramos diversas citações, especialmente em jornais, músicas, poemas etc. aclamando pela hegemonia que a urbe citada sempre exerceu em todo o interior nordestino. Desta maneira, acreditamos ser no recorte temporal desta pesquisa, o momento em que a ideia do mito o qual apontava para a força inabalável da Rainha da

Borborema tenha ganhado mais força e se consolidado.

Provavelmente, pelos investimentos mercadológicos da gravadora RCA Victor, as músicas do compacto disco embalaram os campinenses durante a festa. Neste sentido, a poética da musicalidade imprime no espetáculo da política um apelo à emoção, à sensibilidade e ao envolvimento da multidão pelos acordes da canção, que pretende perenizar uma gramática ufanista, que vai dando tom solene e épico as comemorações e aos atores protagonistas da cena festiva.

Na trilha do desenvolvimento, recorre-se a memória-comemoração125, enfocando

tempos longínquos quando Campina era um pequeno lugarejo que iniciou a sua ocupação com Teodósio e os índios Ariús, posteriormente, veio a emancipação, em 1864. Neste desenvolvimento, alguns traços da cidade foram destruídos como a “rua do meio, rua grande ciridó, as ruas das bolandeiras, das barrocas de fumo em pó”, enquanto outros apareceram em seu lugar. As letras, expressas no canto de Marinês poderiam soar como nostálgicas pela exclusão destes lugares da face moderna da cidade, mas, tomando o contexto de produção da música e todo o projeto discursivo e simbólico proposto no centenário, vemos como um canto ao novo, um canto de vitória do moderno sobre o antigo, de civilidade sobre a barbárie. Afinal, aos olhos de Narciso (moderno) tudo é feio o que não é espelho.

125 Paul Ricoeur estabelece uma diferença entre rememoração (a elaboração individual do passado) e a

comemoração (um trabalho de construção coletiva da memória). Na memória-comemoração esses eventos são organizados costumeiramente; é o momento de evocação pelo presente de uma memória selecionada do passado. No entanto, a escolha do que comemorar não é um ato ingênuo, pois as datas, os episódios e os personagens fazem parte de escolhas que se inscrevem nas ambições, expectativas, dúvidas e receios do presente.

151

Por fim, nas últimas estrofes da canção: “salve Campina nas páginas do novo calendário! Salve Campina no ano do primeiro centenário”. A frase, novo calendário estaria fazendo referência ao início de uma nova era, com a cidade protagonizando a política, a economia e a cultura na paraíba e no Nordeste. Representam o fim de um ciclo, talvez a meninice da cidade, que celebrava a entrada na puberdade e continuava rumo a fase adulta (ao progresso).

A outra canção, composta por Rosil Cavalcante126 e por Raimundo Asfora127 é considerada o hino extraoficial da cidade: Tropeiros da Borborema.

Na contracapa do Compacto Disco, no espaço destinado ao compositor, a autoria da canção é creditada apenas a Rosil Cavalcanti, mas existem indícios da participação de Raymundo Asfora na produção da canção Tropeiros da Borborema. Segundo Silva

apud Nóbrega (2012, p. 38), a lacuna se deve a questões burocráticas, pois, Asfora não

registrou a canção:

Rosil ficava aqui para enviar a música para ser gravada por Luiz Gonzaga e comunicava a Asfora: - Asfora, mande sua procuração pra gente poder registrar a música. Asfora como tinha um jeito desprendido de ser, não se preocupou em colocar seu nome na composição oficial de Tropeiros da Borborema

Rosil Cavalcanti nunca negou esta afirmativa. No processo de composição da canção, a melodia ficou a cargo de Rosil Cavalcanti e a letra foi produzida por Raymundo Asfora. Compositores que transformaram em canção a projeção da cidade em seus primórdios, quando os Tropeiros da Borborema traziam do Sertão, Cariri, Agreste e Litoral paraibano, produtos agrícolas variados, em especial, couros e gado

126 Rosil Cavalcanti nasceu na cidade pernambucana de Macaparana, fez seus estudos primários na cidade

do Recife, serviu ao exército e, contra o desejo do pai, que desejava ver o filho como engenheiro, tornou- se jogador de futebol atuando por um time de Aracajú. Atuou por vários anos como funcionário público. Neste período, outro ofício lhe atraía, o fantástico mundo do rádio e da música nordestina. Em campina Grande desempenhou as atividades de compositor e apresentador de programas de rádio e TV, adotando o codinome de "Zé Lagoa", atuando nas Rádios Borborema, Caturité e TV Borborema. Compôs cerca de 130 músicas, sendo algumas de memoráveis parcerias com Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. SILVA, U. M. Representações geográficas nas composições de Rosil Cavalcanti. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Geografia) - Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2012.

127 Asfora, nascido em 1930 e falecido tragicamente em 1987, era cearense de Fortaleza, descendente do

grupo árabe que aportou na terra de Iracema fugindo da convocação forçada pelos ingleses na primeira guerra mundial, aos 12 anos veio para Campina Grande. Cursou Direito na Faculdade do Recife, e atuou na secretaria de Serviço Social na gestão do prefeito Plínio Lemos, fato que lhe deu suporte para vencer a campanha a vereador nas eleições de 1955. Foi um advogado reconhecido na cidade. Disponível em http://cgretalhos.blogspot.com.br/2009/11/raimundo-asfora-campinense-por-adocao-e.html#.

152

para vender e trocar na feira. A feira de Campina Grande conquistou alcance na Paraíba e também nos estados vizinhos do Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.