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3. ENCONTROS, DEVIRES E EXPERIMENTAÇÕES

3.1 Campo da pesquisa

Em 2016, os professores doutores Wenceslao Machado de Oliveira Jr. (orientador desta tese) e Carlos Eduardo Albuquerque Miranda (parceiro de pesquisa e grande articulador de nossas experimentações), numa busca por entender, pesquisar e inventar formações com a lei 13.006/14, conectou o Laboratório de Estudos Audiovisuais (OLHO - da Faculdade de Educação da Unicamp) à Prefeitura Municipal de Campinas-SP. Envolvidos numa tarefa que é no mínimo desafiante: implementar um programa de cineclubes em escolas da rede municipal de Campinas-SP, propondo uma aliança entre a universidade e o poder público municipal, mesclando política educacional, pesquisa e extensão. Como ideia central, visar contribuir para a formação de alunos e educadores a partir de experimentações audiovisuais na escola.

Dessa parceria foi criado o programa Cinema & Educação: a experiência

do cinema na escola de Educação Básica Municipal , coordenado pelo 30

Perspectivado a partir do desejo de pensar e experimentar a lei 13.006, numa estratégia

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operacional com a formação de cineclubes nas escolas, o programa é uma parceria entre a Universidade e a Prefeitura Municipal. Tem demonstrado relevantes resultados tanto aos interesses acadêmicos, quanto às políticas educacionais do município. Envolve mais ou menos umas sessenta pessoas no operacional, entre pesquisadores, gestores, educadores — isso sem considerar o gigantesco número de alunxs. E abrange um leque de cerca de 18 escolas da rede.

CEFORTEPE , com esforço na promoção de encontros entre cinema e escola, num 31

viés de colaboração, inovação e formação docente. Por fazer parte desse grupo de pesquisas (OLHO), com uma pesquisa diretamente focada nessa temática, vinculei- me de modo muito feliz e instigante a este programa. Assim, fui convidado para ministrar um dos módulos do curso de formação em cinema para professores, monitores, coordenadores e gestores da educação municipal, e, posteriormente, oferecer ao menos uma oficina de produção audiovisual numa das escolas participantes do programa — ainda, hoje o programa segue forte e dando continuidades as apostas traçadas — claro que é necessário sempre rever coisas e aperfeiçoar. Bem como acompanhar e colaborar numa série de reuniões de gestão e estudos em torno desse programa. O curso de formação foi desenvolvido no Museu da Imagem e do Som (MIS) da cidade de Campinas-SP e foi dividido em sete módulos que duraram cerca de sete meses. A ideia principal era inserir diversos profissionais da rede de ensino municipal em outras possibilidades de trabalho com o cinema na escola, que não somente assistir filmes voltados a algum conteúdo. Para que depois eles pudessem, talvez, formar “cineclubes de criação” nas escolas a quais estão vinculados.

A etapa seguinte ao curso foi a das oficinas. Momento em que pesquisadores da área de cinema e educação atuaram nas escolas, experimentando diferentes processos criativos com imagens. Buscou-se intensificar a formação docente e auxiliar na constituição dos cineclubes nas escolas onde as oficinas foram oferecidas. Todo o processo foi gestado e acompanhado pelo CEFORTEPE, discutido em rodas de pesquisa no grupo OLHO e debatido com as escolas a partir das questões que chegavam. Tanto coordenadores, gestores, formadores e educadores foram remunerados neste programa, de modo que o trabalho das pessoas fosse entendido como dispêndio de tempo e energia profissional, merecedores de reconhecimento e financiamento. Há uma atenção deste Programa em fomentar política pública na educação de modo sério e valoroso, como força de trabalho digna de investimento e atenção. Apesar do dinheiro chegar atrasado, todos foram pagos e as contas todas foram prestadas. Um modo exemplar de

O CEFORTEPE é um equipamento público destinado à formação dos profissionais da educação,

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demonstração de que o trabalho com educação não se faz de graça, voluntário ou por caridade, muito menos de maneira irresponsável.

A escolha por atuar numa escola já era um desejo nosso e de nosso projeto de doutorado, antes mesmo desse vínculo com o Programa. Antes disso já rascunhávamos uma oficina de produção audiovisual em alguma escola da cidade de Campinas-SP. Assim, o momento em que vimos concretizar a proposta de trabalho com cineclubes, nos sentimos entusiasmados. Como aporte inicial, contávamos com a possibilidade de estar numa escola que já havia nos recebido (EMEF Elza Pellegrine de Aguiar) . Lá, iniciamos um trabalho de conhecimento do 32

grupo docente e discente, da equipe gestora, dos projetos em andamento e das vontades em torno do cinema. Chegamos ali por volta de março de 2016, por um convite feito pela escola ao grupo de pesquisa OLHO. Com a efetivação do Programa Cinema & Educação - a experiência do cinema na escola de Educação

Básica Municipal, houve um vínculo entre esta política, o trabalho já iniciado nessa

EMEF e nossa pesquisa de doutorado. O projeto, então, vinculou-se como parte do Programa, e, por esta ser a escola onde iniciávamos a oficina, a tomávamos como piloto do Programa — parâmetro para outras ações em outras escolas. Discutíamos com frequência nosso trabalho com outros pesquisadores (oficineiros em outras escolas e pesquisadores da área). Ficamos ali por cerca de sete meses, em encontros que em geral aconteciam a cada quinze dias, realizamos um trabalho com a exibição de trechos de filmes do cineasta Eduardo Coutinho. Discutíamos e inventávamos formas de filmar, procurando compreender os modos de pensar documentário através desse diretor. Produzimos um curta metragem com alunos e professores, e, experimentamos conversas e escritos em torno da arte, da educação, misturadas entre questões específicas daquele lugar e da vida que ali pulsava.

Uma breve descrição sobre a escola, que existe desde 1981, e está localizada longe do centro da cidade, na área sudoeste de Campinas-SP, estabelecida no distrito do Ouro Verde — uma região com alta concentração

Essa é escola piloto do projeto de cineclubes. Nela, não só a minha oficina foi desenvolvida, mas

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também uma oficina aplicada com os professores, ministrada pelo Prof. Dr. Carlos Miranda com apoio de diversos pesquisadores do grupo OLHO. Ainda que essa oficina tenha ocorrido de maneira bastante distinta das demais, as experimentações vividas ali serviram de baliza para formulações e apostas em trabalhos com outras escolas da Rede Municipal de Campinas-SP.

populacional, engendrada num processo de ocupação territorial que ocorreu por volta da década de cinquenta. A escola atende alunos do ensino fundamental I e II, e mantém relações muito próximas à associação de moradores do bairro — sendo a sede desta última localizada ao lado da escola, tendo inclusive um portão interno ligando-as. É uma escola bonita, arborizada e com boa estrutura física. O bairro é um típico bairro de periferia. De um modo geral cercado de habitações simples e paisagens conglomeradas, de estabelecimentos de comércio de bairro e poucos espaços de lazer para uso público. Durante minha caminhada por lá não vi alunos sem professores, observei a equipe de gestão escolar muito eficiente às várias demandas de secretaria e um corpo de funcionários muito prestativo, de gente com jeito simples de falar e histórias interessantes para se contar. Como, por exemplo, a do Sr. João (nome fictício). Um profissional de serviços gerais, que, abordado em um de nossos exercícios de filmagem, nos contou timidamente que se mudou para aquela região na década de setenta, vindo do trabalho duro da agricultura, com pouca formação escolar e muita “sabedoria de enxada”. O homem nos contava sua história numa mistura de alegria e timidez, muito parecido com os personagens do filme O Fim e o Princípio (COUTINHO, 2005). Enquadrávamos ele e tentávamos estabelecer algum diálogo. Sr. João tem sessenta e quatro anos e é muito curioso acerca de pessoas com câmeras na mão.

O princípio para começarmos a oficina na escola era muito simples, tendo como parceria dois professores engajados em trabalhar com cinema, o que nos ligou inicialmente. Aportaríamos na vontade deles em estimular o debate sobre cidadania com alunos de nono ano, a partir de filmes que contribuíssem para algumas questões, tanto sobre o tema quanto ao próprio cinema — algo que encontrava território naquilo que tradicionalmente já é um hábito dos cineclubes (ver e conversar sobre filmes, atravessados por um tema central). O que fizemos foi desviar um pouco essa vontade inicial dos professores para um esquema mais aberto, e, assim trazer o ensejo do trabalho para a aposta com o cineclube conforme mencionamos no capítulo anterior; 1) assistir trechos de filmes (ao invés de filmes inteiros); 2) conversar sobre o que assistimos, traçando ligações com questões do cotidiano daquela escola; 3) produzir vídeos a partir dessas questões, engajados no documentário como forma de criar imagens; 4) conversar sobre essas produções.

Assim, traçávamos com a escola um mecanismo cineclubista que era uma aposta do Programa e do trato com a lei 13.006: assistir, conversar, produzir.

O grupo era formado por mim, os dois professores e cinco alunos de nono ano. Havia também a equipe gestora da escola em assistência. O CEFORTEPE e o Grupo OLHO. Uma aluna foi transferida da escola logo nos primeiros encontros e outro aluno não quis mais participar, logo, ficamos seis pessoas constituindo o grupo mais próximo — a direção da escola retirou o aluno por um tempo da oficina por questões disciplinares, ele até retornou em um encontro, mas logo depois não quis seguir mais adiante. Nossos encontros ocorriam num laboratório de informática, equipado com data show, computador, equipamento de som e ar condicionado. Além disso, eu dispunha de uma handcam (de meu uso particular) e dos celulares dos 33 participantes. Os computadores da escola não possuíam um editor de imagens, fato que nos levou a tomada de decisões importantes (tratadas mais adiante). Haviam também algumas câmeras de uso da escola. No entanto, elas não eram passíveis de serem utilizadas, por não funcionarem adequadamente. Esta era a estrutura material e humana da oficina.