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O cinema como ponte para se chegar a lugar nenhum

2. RASTROS INTRODUTÓRIOS

2.7 O cinema como ponte para se chegar a lugar nenhum

A noção de ponte, muito usual em escritos sobre educação — e mesmo na fala de gestores e professores —, pode ser observada comumente para a conexão entre dois pontos. A exemplo de deslocamento, sair de um ponto x e chegar a um ponto y — na chegada sempre “melhor” do que na saída. Na escola, tal noção, aparece dispersa, de forma metafórica, um emblema que diz respeito às inúmeras estratégias pedagógicas de ensino e aprendizagem. X aparece como um ponto a ser superado, y como um ponto a ser alcançado através uma suposta noção de evolução.

Silvio Gallo (2012), referência voraz para nosso trabalho no campo da filosofia da educação, expõe em um artigo algumas considerações sobre o ensino no mundo ocidental a partir do século XX. O autor realiza uma crítica contundente a ideia de que: “só se aprende aquilo que é ensinado; não se pode aprender sem que alguém ensine.” (GALLO, 2012, p.2). O que há na noção de ponte que parece destoar de nossas apostas? Há algo em torno do verbo ensinar (como ação central em educação), que pode ser grosseiramente traduzido como pontes de

aprendizagem. Criar pontes para o desenvolvimento do aluno, fazê-lo alcançar metas, permitir que cheguem em algum lugar melhor, que atinjam um grau de desenvolvimento superior, ou, que num futuro próximo possa tornar-se algo que se espera dele. Diante disso, a escola tem se organizado como o templo das pontes, que dão acesso aos mais variados processos, engajada numa perspectiva temporal, objetivamente focada num futuro que é no mínimo duvidoso — apesar de inúmeras metodologias cientificamente solidificadas. Assim, aprender constituiu-se numa chegada, a partir do deslocamento de um estágio inicial — em que não se sabia e passou-se a saber algo — para um ponto posterior e superior. O problema dessa usual perspectiva é que, ao pautarmos o processo de aprendizagem com o cinema na escola, a noção de ponte parece um equívoco, se tomarmos arte como transformação e não como desenvolvimento. Implica dizermos que transformar não necessariamente é transformar a fim de tornar algo ou alguém melhor, mas, diferente. O problema da noção de ponte para a relação cinema e escola é que não há chegada num lugar seguro.

O texto célebre de Hanna Arendt do final dos anos cinquenta, tecido acerca da “crise na educação” pós holocausto, é emblemático para a proposição que desejamos estabelecer como norte de nosso trabalho. Talvez fique mais claro nossa crítica em relação a ideia de ponte. Algo importante para que o leitor possa compreender nossas apostas. Nesse texto, a educação aparece constantemente conceituada a partir da ideia de natalidade, “o fato de que seres nascem para o mundo" (ARENDT, 2005, p. 223). A criança — um ser novo que emerge em um mundo já velho — é a força de novidade, e a escola um local de cultivo e manutenção do mundo conhecido e partilhado. Assim, é por meio da educação escolar que as crianças começam a habitar um mundo que já é velho e que ainda permanece desconhecido para os recém-chegados. Nesse sentido, o cuidado com o futuro em mundo comum se enseja na necessidade de sua continuidade, tal qual, para poder ser transformado, também deve estar sujeito à conservação:

Parece-me que o conservadorismo, no sentido de conservação, faz parte da essência da atividade educacional, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma coisa - a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o velho, o velho contra o novo. (ARENDT, 2005, p. 242)

A preocupação com a formação humana (em destaque a da criança e a do jovem) perpassa a gama de estratégias inventadas pela e para a escola, em acordo com a dimensão jurídico-social que a regula, para que pontes sejam criadas a fim de garantir uma formação, dar continuidade e conservação do mundo. A esse respeito (já no final dos anos cinquenta), a autora chama atenção para uma reflexão acerca de uma crise na educação (contemporânea, poderíamos dizer), pautada pelo fato de que as fronteiras entre adultos e crianças vêm se tornando cada vez mais tênues, problema que, por sua vez, põe em destaque a seguinte questão: como proceder criteriosamente nessa introdução educacional ao mundo, quando a velocidade das transformações desse mundo é de tal monta que ele permanece desconhecido e estranho mesmo para os adultos que nele habitam, e que, portanto, deveriam conhecê-lo?

É como se os pais dissessem todos os dias: — Nesse mundo, mesmo nós não estamos muito a salvo em casa; como se movimentar nele, o que saber, quais habilidades dominar, tudo isso também são mistérios para nós. Vocês devem tentar entender isso do jeito que puderem. (ARENDT, 2005,p. 243)

Assim, como a educação pode dar conta de construir pontes que permitam ao aluno chegar num futuro desejável, se não somos capazes de saber qual é o melhor futuro para nossas crianças? Nos deparamos com diversas estratégias que corroboram para tal tentativa: currículo, divisão seriada, formas avaliativas, conjunto de regras e valores a serem transmitidos, livro didático, apostila, etc.Traçar objetivos nítidos a serem alcançados tem sido essencial à educação (enquanto política do cultivo do ser), ou seja, é através de estratégias que são criadas para modular o acesso a tal ou qual futuro que a escola se aplica sobre a noção de ponte. Tal consideração nos coloca diante de um problema que concerne tanto a escola quanto ao cinema: a aprendizagem, como um estágio a ser alcançado. Mas de qual aprendizagem estamos falando? A questão é capciosa mas importante. Pois aprendemos a todo momento, basta um obstáculo que nos exija atenção. O fato é: será que as crianças estão aprendendo aquilo que nossas pontes almejam?

Em Proust e os signos (2003), Gilles Deleuze deflagra três considerações que nos parecem interessantes para problematizar o encontro do cinema com a escola no viés do que/como se aprende: 1) primeiro que a aprendizagem se produz no encontro com signos; 2) segundo que esses signos exercem sobre nós uma violência, uma vez que nos forçam ao embate com a novidade; 3) e, terceiro, que a decifração de um signo comunica uma espécie de decepção ao decifrador, sobre uma suposta verdade (que não existe), apesar de a querermos muito. Como coloca Deleuze: “A unidade de todos os mundos está em que eles formam sistemas de signos emitidos por pessoas, objetos, matérias; não se descobre nenhuma verdade, não se aprende nada, a não ser por decifração”. (DELEUZE, 2003, p. 5). Ao considerar esta ideia, Gallo (2012) visualiza onde e como é que se encontra o ponto de fuga necessário para formular uma teoria da aprendizagem pela diferença:

se ensinar é “colocar sinais para que outros possam orientar-se”, aprender é encontrar-se com esses sinais. Mas Deleuze tira o acento da emissão dos signos (o ensinar) para colocá-lo no encontro com os signos (o aprender), não importa por quem ou pelo que eles tenham sido emitidos. (GALLO, 2012, p. 4).

Decifrar, portanto, é uma ação que força o indivíduo a entrar em contato com algo (signo). Em um exemplo clássico, Deleuze evoca a figura do nadador, que, no contato com os signos da água, aprende a nadar numa espécie de decifração de si e do universo aquático. Ou seja, considerar a aprendizagem na perspectiva desse autor é atentar aos encontros que exigem uma decifração e não uma verdade a ser alcançada. Assim, decifrar é algo que depende de um caminhar e dos encontros que se estabelece, e não de uma essência inata a ser encontrada pelo aluno. Como é possível, então, invertermos a lógica posta e pautarmos a aprendizagem numa ideia de futuro aberto ou incerto? Somente se incluíssemos à noção de ponte a um futuro não dado, portanto, uma espécie de lugar nenhum. Eis uma imagem apenas que gostaríamos de tê-la em relação as questões que se colocam.

O que acontece é que um encontro é sempre algo que possui em si uma carga de incerteza. O que implicaria uma instabilidade na questão da aprendizagem (como potência?) — mesmo que tais encontros sejam planejados e vigiados, ocorrendo segundo uma suposta ordem, não estariam alheios a escapar? Ora, então

vamos planejar os encontros que os alunos merecem. Não estaria aí um mote para observarmos com mais cuidado onde é que estamos patinando?

A descoberta da verdade tem uma relação com o tempo, diria Proust, na medida em que ela remete a um futuro a ser alcançado. Futuro é ativado. O que leva Deleuze (2003) a considerar que: “Nós só procuramos a verdade quando estamos determinados a fazê-lo em função de uma situação concreta, quando sofremos uma espécie de violência que nos leva a essa busca.” (Ibid., p.14). A exemplo do ciumento, que sob pressão das mentiras da amada, busca a todo custo descobrir uma verdade, logo: “a verdade nunca é o produto de uma boa vontade prévia, mas o resultado de uma violência sobre o pensamento.” (Ibid.,p.15). O signo, que é objeto de um encontro, exerce sobre nós também uma violência, justamente por não possuir em si uma verdade reveladora, mas um ponto de ativação.

Num exemplo, mas próximo, a queixa de diversos alunos sobre o uso do uniforme na escola. “Por que tenho que usar isso?”, perguntam inflamados. A professora responde que é uma regra e que isso não está em questionamento. O aluno busca entender a todo custo, ele busca algo que se revele para ele. Então ele produz o universo num outro fluxo de desejo, transforma o tecido de modo a exprimir um ponto de vista sobre o mundo. Quando chega à escola é levado para a sala da direção e advertido sobre sua atitude. Encaminha-o para o pai e no caminho de volta pra casa ele descobre uma outra verdade. Não propriamente aquela que ele buscava, mas que, por um outro tipo de encontro, ela lhe revela aspectos de um cuidar escolar muito estranho. A violência de ter que fazer algo que não se quer, nos faz querer descobrir sua verdade, mas o que se passa pode ser de outro modo: “O que quer aquele que diz ‘eu quero a verdade’? Ele só a quer coagido e forçado. Só a quer sob o império de um encontro, em relação a determinado signo. Ele quer interpretar, decifrar, traduzir, encontrar o sentido do signo.” (Ibid., p.15). O que se aprende com isso? Não dá pra responder de imediato. Mais produtivo seria tentar filmar de diferentes maneiras o que nos move no espaço escolar. Produzir o cinema com aquilo que pulsa, com o que é tenso e violenta os corpos no espaço escolar. E, com essas imagens talvez, encontrar outras palavras que nos façam continuar a busca por experimentar ainda mais.

Nos mantemos na mesma linha, porém façamos alguns desvios necessários. Pensemos com alguns usos de celulares utilizados por grupos jovens que disparam em várias direções signos diversos — signos que podem nos fazer perceber como as imagens e a produção delas são elementos interessantes para pensarmos outros usos dessas tecnologias em educação. Imagens do cotidiano escolar produzidas pelos próprios alunos, não a pedido ou exercício didático, mas aquelas que estão disponíveis em seus celulares. Diante desses signos, pode ser que apareça uma certa tensão entre forças escolares, que podemos atribuir a um mundo que deseja se conservar — da escola através de seu ensinar, como ação que determina o que deve-se aprender —, e outras — mais variantes, da vida no pátio ou nos momentos em que não se controla. Aprender estaria quase que numa dimensão intermediária entre essa tensão. Como um estado momentâneo nesse embate que, talvez, nos permitira encontrar algumas verdades. O que nós educadores teríamos para aprender com imagens armazenadas nos celulares dos jovens? Imagens feitas necessariamente na escola. Nós, arqueólogos da escola, decifrando parte da vida que se produz nos encontros entre o velho e o novo. Poderia/deveriam professores e gestores em educação aprender com a juventude? O cinema, como um produtor e disparador de signos diversos, não seria uma experimentação para isso? Pensemos.

(PA) […] quando, após um longo esforço em abrir uma chave de

pensamento bem específica (que agora encontro desdobrada em 300 páginas) a respeito do uso do celular pelos alunos. Você exclamou [em curso no MIS] e pareceu um insight: “eu não sei o que significa um celular para uma criança, eu não tenho como saber o que é um celular para uma criança.” Aquela fala abriu um mundo em mim, muito embora eu já pense tecnologia há alguns anos, e pense de uma forma extremamente parecido com a sua forma de pensa-la, foi como se aquela fala me dissesse um novo óbvio: talvez aprender outro tempo seja uma atitude de flerte com o caos.

Segundo Deleuze (2003), cada signo tem duas metades: uma designa um objeto (que o emite), a outra, significa alguma coisa diferente, e, portanto, não possui um referente estabelecido (Deleuze, 2003). Quase sempre, por representação, a primeira metade é a que prevalece na escola, e, por recognição

estabelece-se uma ponte entre o signo e a verdade que o designa (processo de significação). Ensinar aos alunos o que é ser cidadão, por exemplo. Quais são os signos que constituem a cidadania e que a sociedade espera que esse aluno(a) aprenda? A decifração já está dada de antemão (pela escola, pela currículo, pelo PCN, pelas reuniões de planejamento de início de ano que montam cronogramas inatingíveis), cabe ao aluno perpassar os caminhos propostos para que tal decifração seja a mais efetiva possível, e não que ele próprio trace seus caminhos, se valha de suas próprias questões. Caso não o faça, haverá alguma categoria para identificá-lo no rol dos maus alunos, para enquadrá-lo em algum número, da-se alguma identidade para que possa controlar com mais eficiência. Nas palavras de Gallo (2012), conceber a educação nessa perspectiva é completamente habitual, porém, oposto ao pensamento como ação criativa com a diferença: “É esse saber que pode ser verificado, quantificado pelos processos avaliativos que se dedicam a afirmar se um aluno aprendeu ou não, o quanto aprendeu. (GALLO, 2012, p.5).

Mas o que acontece quando, diante de um signo, não conseguimos decifrá-lo? Decepção. Ficamos decepcionados quando o objeto não nos revela seu segredo/verdade — professores tentando entender o que se passa na cabeça de um aluno, quando ele não quer aprender aquilo que “precisa” ser ensinado. Quando não entendemos o que se passa, quando não há uma explicação razoável ou não conseguimos de imediato associar uma situação a uma verdade, segue-se então a tentativa de colocar algo em seu lugar, de acabar com o estranhamento como se remediássemos a decepção. Mas o que poderia satisfazer? Deleuze nos diz:

Cada linha de aprendizado passa por esses dois momentos: a decepção provocada por uma interpretação objetiva e a tentativa de remediar essa decepção por uma interpretação subjetiva, em que reconstruímos conjuntos associativos.” (DELEUZE, 2003, p. 34).

A decepção, portanto, dá lugar a uma suposta verdade que vem aliviar nosso estado de incerteza. “Esses alunos não gostam de estudar” ou “Ah, professor que é chato”. A atenção do leitor precisa se concentrar nos efeitos da coisa. Interessa pensarmos juntos o que se conecta a partir da decepção. Seriam só respostas claras como estas? Ou haveria também um outro tipo de efeito, mais insustentável que supostas certezas? Afinal de contas, os decepcionamos tanto por aí. Nem sempre escapamos da tormenta assim com tanta tranquilidade. Há

momentos em que perdura a decepção e a inconfortavel insistência de algo vem nos bater a porta. Algo começa a existir e se manifesta através da inocula questão sem resposta. “Mas, afinal, o que é isso?” Se o encontro com algo pode nos desassossegar ao ponto de agitarmos o estado inerte em que nos encontrávamos, se algo não nos entrega uma verdade imediata, é essa, talvez, a condição para que um estado vazio aconteça . Na ótica acerca de escritos de Deleuze (2003): 29

“preferimos a facilidade das recognições […]” (Ibid., p.26), facilidade que é oposta ao pensamento, dado que para isso teríamos que nos esforçar, que experimentar, que nos testar além dos limites da identidade, da representação e da recognição.

Seria o efeito de estarmos tão cansados? A realidade dos números e pesquisas da ciência demonstram as condições de trabalhos em que nós professores da educação básica estamos submetidos. E também os da educação superior — posso senti-los e observa-los sem precisar de uma revisão bibliográfica. Seria por isso que precisamos não dar tempo a decepção? Não deixar que bata a nossa porta por tanto e longo tempo uma questão? Digo, a recognição rápida e anestésica deve acompanhar a prática docente como antídoto a árdua condição de trabalho a que nos emaranha a existência?

O garoto pega uma câmera, tenta realizar um plano em que se põe a entrevistar alguém, logo percebe que há algo de errado, que aquele plano não produz o máximo de força que ele precisa ter. O garoto não entende muito bem o que se passa, não compreende a linguagem do documentário – como alguém que a pouco tempo passou a testar aquela possibilidade naquele lugar. Incomodado por como fazer, ele busca aprender mais, decifra alguns códigos da filmagem, do espaço, compreende a fala do outro como matéria prima para seu empreendimento, se lança a aproximação com outros filmes que assistiu e conseguiu ter algumas ideias, busca um diretor ou um estilo ao qual possa encontrar pistas para sua saga, pesquisa e escuda com seu olhar atento de jovem, conversa com outras pessoas e segue experimentando. Experimenta ainda mais. Decepciona-se. Volta ao campo de sua pesquisa (a escola), liga a câmera, testa uma outra aproximação com outro

Escrevo este trecho em forma de meditações, confesso ao leitor. Não posso precisar cientificamente a ideia.

29

Mas, como sopros de pensamento, opto por compartilhar entre a forma de escrita para que possas julgar se procede assim (ou de outro maneira) a ideia que se apresenta. Seria a decepção um caminho para escutarmos com mais atenção a escola?

entrevistado, instiga-se com a diferença da nova imagem, encontra-se noutra realidade de experimentos. O garoto descobre que o mundo é cheio de mistérios, que é um labirinto em formação e que ele é parte disso. Ele descobre que pode filmar isso e muito o mais. Descobre que pode aprender na solidão de seus movimentos, mas também compartilhando isso com outros, que, assim como ele, também buscam existir.

Há mais uma consideração a se fazer sobre a aprendizagem antes de encerrarmos esse ponto, e, tentar propor outros caminhos à ideia de ponte entre a escola e uma outra educação possível. Diz respeito exclusivamente ao estar perdido frente a um saber que não se tem. Como naqueles o estado de existência acerca de “vazios” momentâneos, como no caso do imperador — que parece sugerir uma mensagem de meditação sobre nossa questão: “a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.” (CALVINO, 2015, p. 28). Com isso, gostaríamos de considerar algo por meio da experimentação com cinema na escola: perder(-se) é necessário, é importante e é potencialmente um estágio de criação.

Que sentido há, então, em estar perdido? — que possa favorecer o aprendizado. Ana Preve (2013) nos coloca algo sobre perder-se que se assemelha a ideia de uma conquista. A autora salienta: “estar perdido, como sentido afirmativo” (PREVE, 2013, p. 258). Para que a atenção a outros encontros possa se dar além do controle e dos planejamentos, logo, suscetível a conexão com os acasos, os processos. Estar perdido, portanto, como um momento fundamental para que nossa audição e demais sentidos se coloquem em estado de conexão criativa. E completa: “é aprender como experiência de estar no mundo, exposto as intempéries, atento ao que acontece no presente dos encontros […] O perder-se é então o movimento necessário para produzir passagens e caminhos” (Ibid, p. 258). O perde- se, como encontro com o vazio, é uma ponte provisória e frágil que nos direciona para um espaço-tempo incerto.

Como criar passagens? Como apostar numa relação do cinema com a escola como algo que escapa, que se dá através de experimentação num processo muito mais frustrante e incendiário do que de fato amenizador? Acentua Preve, algo

que talvez possa ser uma boa pista para a questão: “Assim, se à noção de perder-se se atribui uma qualidade vital para a educação é esse perder-se que precisa sempre ser conquistado, posto em pauta, problematizado” (Ibid., p. 260). Um perder-se que nos mantém no processo da aprendizagem por muito mais tempo, despreocupados com a “absorção” dos saberes, ao contrário disso, fazer usos e não acúmulos. Distantes de qualquer chegada, sempre na partida para uma outra experimentação. Perder-se, frustar-se, se meter em problemas, são estados que merecem atenção e investimento quando pensamos em cinema e escola. Ou, como nos presenteia o professor Silvio Gallo: “E se o que importa é o processo, vale mais viver o acontecimento do que efetivamente aquilo que se adquire com essa passagem.” (GALLO, 2012, p.5).