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Eduardo Coutinho e Doreen Massey: intercessores para uma pesquisa

3. ENCONTROS, DEVIRES E EXPERIMENTAÇÕES

3.2 Eduardo Coutinho e Doreen Massey: intercessores para uma pesquisa

O essencial são os intercessores. A criação são os intercessores. Sem eles não há obra. Podem ser pessoas – para um filósofo, artistas ou cientistas; para um cientista, filósofos ou artista – mas também coisas, plantas, até animais, como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios intercessores. É uma série. Se não formamos uma série, mesmo que completamente imaginária, estamos perdidos. Eu preciso dos meus intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimem sem mim:

Câmera de vídeo de mão que registra imagens e som em alta definição.

sempre se trabalha em vários, mesmo quando isso não se vê.

Gilles Deleuze

Os intercessores são os mobilizadores do pensamento (DELEUZE, 1992) e eles são fabricados, logo, é necessário imaginarmos uma espécie de máquina em que a produção seja também outras máquinas. Máquinas de máquinas. Não há produção sem que haja necessariamente intercessores. A partir deles é que nos emaranhamos na/pela diferença. Pode-se dizer, assim, que sem os intercessores o pensamento não age, não inventa, não cria. Neste sentido, é através deles que formamos um povo (que falta). Que os problemas ganham mobilidade, trânsito, variação. Eduardo Coutinho produz filmes, Doreen Massey produz escritos acadêmicos. De modo deliberado podemos afirmar que ambos contribuem para pensarmos a produção de um lugar. Contribuem também para formularmos um argumento em torno da educação com cinema. No caso do cineasta, as operações que realiza com o documentário fazem emergir imagens que enfatizam o cinema como uma arte produtora de encontros (COUTINHO, 2013). Já à geógrafa e pesquisadora inglesa interessa mais a criação por meio de escritos, evocando questões em torno de uma outra política da espacialidade no território da geografia (MASSEY, 2008). Vejamos como estes dois intercessores procedem. Em grande medida, forjamos aqui um encontro entre eles que para algo que nós é proposital, pois queremos roubar-lhes algumas engrenagens: fazê-las funcionarem num outro tipo de problema, aqui, concernentes à relação do cinema com a escola.

Eduardo Coutinho tem uma obra cinematográfica de importância, tanto para explorarmos o campo do cinema documentário, quanto para pensarmos outras versões do Brasil, produzida através do documentário de entrevistas — através da palavra de um outro que se legitima diante da câmera. O documentarista é um agente concreto de produção de enunciados. Seus filmes são um agenciamento da matéria-mundo através palavra filmada. Mais do que personagens que dizem de si, expõe as fronteiras do documental e do ficcional através das imagens. É possível pensarmos diversos métodos de trabalho desse diretor ao longo de cerca de sessenta anos de carreira cinematográfica. Sua biografia é vasta, e, sua produção compõe um universo documental e ficcional, escritos e pensamentos diversos,

acerca de cultura popular, cinema, televisão e vida cotidiana . Porém, ao ir por um 34

caminho de análise metodológica da produção coutiniana, corre-se o risco de cairmos em certas definições que poderiam nos aprisionar às classificações desnecessárias. Ao contrário disso, nos parece potente destacar no trabalho desse diretor um estilo que varia ao longo do tempo. De regras e acordos realizados a partir do que ele persegue no momento em que decide fazer um filme. Não dá para falarmos de um estilo coutiniano em sentido fechado, a não ser que pensemos estilo como variação, como diferença que se reproduz. Um estilo que escapa num próximo filme e se faz outro a medida que outras questões surgem. Como salienta Ana Godinho (2007) “O estilo não é uma criação psicológica individual […] ou uma ‘forma’ (pessoal) de um conteúdo (a forma de uma escrita, por exemplo) […] [é] uma ‘linha de variação contínua’”. (GODINHO, 2007, p.36). Assim, não nos apropriamos deste cineasta com foco em descobrir um jeito de fazer cinema aplicado à escola. Ao contrário, nosso intuito inicial foi levar alguns filmes para assistir e conversar, apostando neles como imagens ativadoras de processos com cinema na escola — como se o jeito de fazer filmes ou os temas que impulsionam a produção viessem a partir das experiências com o lugar.

Tendo em vista o “foco espacial” da pesquisa e suas potencialidades para se pensar o encontro do cinema com cada escola específica, gostaria de chamar atenção aqui para um traço desse estilo, muito presente em seus filmes, e, que sugere uma espécie de “marca” deste diretor. Ou seja, apesar de não ser uma regra fixa, ela aparece como uma escolha deliberada do criador em boa parte de seus projetos. Trata-se da locação como uma prisão.

Em uma entrevista concedida a revista Sexta-feira, Coutinho nos dá evidências acerca de seu trabalho no documentário: “O engajamento que há nos meus filmes é uma tentativa de conhecer as razões e versões que andam por aí.” (COUTINHO apud SEXTA-FEIRA, 2013, p.227). Esse aí, a princípio tomado no seu sentido extensivo, não é qualquer “aí”, mas um “aí” determinado e delimitado — uma favela, um lixão, uma escola, um edifício, uma comunidade no sertão da

Eduardo Coutinho foi cineasta e jornalista, considerado por muitos como um dos maiores

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documentaristas da história do cinema brasileiro, nasceu na década de 1930 em São Paulo, e morreu em 2014 na cidade do Rio de Janeiro assassinado a facadas pelo próprio filho. Entre outros trabalhos destacados de sua carreira estão os documentários Cabra marcado para morrer (1984), Santo Forte (1999), Edifício Master (2003), Peões (2004), Jogo de Cena (2007) e As Canções (2011).

Paraíba, um teatro, a TV aberta brasileira. Acontece que esse “aí” (a locação), ao encontrar-se com a presença de Coutinho e de sua equipe, ganha outros contornos intensivos, acumula novas trajetórias (a experiência de performar para a câmera, por exemplo). Esse “aí” multiplica sua composição espacial ao acionar novos/outros problemas, ao ter que negociar e inventar para si outras realidades/espacialidades. Processo que se dá principalmente entre uma equipe que traça um plano inicial de entrevistas, um entrevistador que realiza perguntas em loco, um operador de câmera que filma com alguma “liberdade”, alguém que narra uma história (personagem) e um grupo ou uma dupla que monta o filme no final (na maioria das vezes com participação do próprio Coutinho).

Nesse processo, o diretor faz uso de uma regra que quase sempre está presente: ele escolhe um local e um prazo para filmar, essas duas condições o forçam a negociar um tempo e um espaço necessariamente (formam sua prisão). Agir em conexão com todo um resto casual que circula, para além daquilo que é possível saber antecipadamente acerca de uma localidade em que o filme acontece — o que é uma favela, o que é um lixão, um teatro, uma comunidade no sertão, etc? Filmar para ele é a possibilidade de conhecer algo novo e este conhecer se faz sob certos limites. Mergulho e profundidade, duas projeções do trabalho de Eduardo que o faz ser tão interessante ao espectador. Por isso, quando interrogado em outra entrevista, em que fala sobre o filme Edifício Master (COUTINHO, 2002), por exemplo, ele diz: “O que é bom em uma locação só? A possibilidade de se aprofundar. […] Tenho que criar uma prisão […] Tenho que filmar aqui e nesse prazo.” (COUTINHO apud CONTRACAMPO, 2013, p. 283). Tal regra pode ser tomada como uma marca, e, talvez seja o ponto de partida para outros traços de um estilo que nunca permanece o mesmo, que alterna de acordo com a presença de novas exigências em relação a outras que são mais flexíveis.

Há uma hipótese nossa sobre o trabalho de Eduardo Coutinho que aparece através de seus filmes e que nos chama a atenção: ele escolhe um limite (prisão) para rompe-lo através do filme. É como se filmar fosse a possibilidade de ir além da prisão inicialmente estabelecida. Pode ser o limite do documentário, da cultura ou da palavra. Para nós o que pulsa mais em seu trabalho é o trato com o extensivo espacial e as intensidades produzidas pela palavra através da imagem. Justamente por que esse limite parece mover-se com a presença do cinema,

acionando no extensivo o que de mais intensivo pode haver: devires. Fazendo com que o extensivo (pessoas, muros, cercas, palco, sala, quarto, fazenda, lixo, mesa, poltrona, casa, etc.) exista na composição com a palavra falada, pela presença de uma câmera que filma e um entrevistador velho, curioso em ouvir. Assim, introduzir uma câmera, uma equipe, um desejo de filmar pessoas, é, objetivamente inserir outras versões (n)daquele lugar desdobrado em imagens. Lugar tensionado por negociações que não estavam postas, pela câmera, pela presença da equipe, através dos olhares curiosos que procuram entender o que se passa.

Quando Coutinho filma no lixo, por exemplo, uma questão que vai permeando o filme é: como filmar pessoas em um lugar que a presença da câmera é produtora de constrangimentos (pra quem filma e pra quem é filmado)? Este é o mote em Boca de lixo (COUTINHO, 1994), e, que para José Carlos Avelar desperta uma questão interessante: “[…] como filmar o infilmável?” (AVELAR, 2013, p.536) — a mesma questão poderia ser feita para um filme produzido na escola? O que nos parece crucial no trabalho desse diretor e que faz conexões fundamentais para esta pesquisa, é como esse lugar em que o documentário se instala também se movimenta junto. Partimos disso para dizer ao leitor que a escola foi nossa prisão e a oficina nosso processo, tínhamos um tempo e um espaço extensivo para estar, desejávamos assistir alguns filmes e conversar sobre; isso foi o que nos sedimentou e empurrou ao mesmo tempo.

A escolha espacial (a locação), portanto, é uma estratégia central nos filmes de Eduardo Coutinho. É a prisão onde os encontros se dão e que o diretor se força a habitar enquanto filma. Nos parece que, ao criar sua prisão, ele o faz para escapar de outra: de um tipo de cinema como linguagem representativa do espaço (como nos casos dos documentários da Discovery, por exemplo). É nesse sentido, de fuga de um modo já estabelecido de conceber o espaço e a imagem, que vemos correspondências com a obra de Massey (2008). Escapar:

daquela constelação de conceitos em que ele [o espaço] tem sido, tão indiscutivelmente, tão frequentemente, envolvido (estase, fechamento, representação) e estabelecê-lo dentro de outro conjunto de ideias (heterogeneidade, relacionalidade, coetaneidade … caráter vívido, sem dúvida) onde seja liberada uma paisagem política mais desafiadora. (MASSEY, 2008, p. 35).

Vejamos então como isso pode reverberar também através dos escritos da geógrafa. Ainda que o faça em outro campo de conhecimento e combate (o da ciência e da academia), é sugestivo imaginar uma maneira desses criadores se encontrarem. O que acha o leitor? No capítulo cinco deste livro, intitulado A vida no

espaço, Doreen Massey (2008) dedica-se naquilo que é central de seu combate

teórico: “O argumento aqui refere-se à necessidade mútua de espaço e tempo. É em ambos, necessariamente juntos, que repousa o caráter vívido do mundo.” (Ibid. p. 90). Para compreendermos tal argumento e suscitá-lo como uma boa proposição em torno da escola como lugar, devemos nos debruçar com maior cuidado nas referências desta autora, e, concentrar no trato especial que ela dá a alguns de seus intercessores centrais.

Habitualmente citada e explorada, a obra do filósofo Henry Bergson (*1859 ✝1941) aparece frequentemente de modo importante no debate traçado pela autora. Um problema enfrentado por Bergson e acionado por Massey é: como pensar o tempo (duração)? Como pensar o tempo não dissociado do espaço? ou melhor, como “injetar temporalidade no espacial?” (Ibid.,p.89). Esta parece ser a principal investida conceitual. Bergson enfrentou a teoria acerca do tempo embasado principalmente pela teoria das multiplicidades de Bernhard Riemann (*1826 ✝1866) — uma preocupação teórica que atravessará os círculos de ciência 35

e filosofia do início do século XX. Deleuze (2012), em seu livro Bergsonismo cuidará de apontar o quanto o problema das multiplicidades está na obra bergsoniana como suporte para formulação do conceito de duração:

a duração [o tempo] é sempre o lugar e o meio das diferenças de natureza, sendo inclusive o conjunto e a multiplicidade delas, de modo que só há diferenças de natureza na duração — ao passo que o espaço é tão somente o lugar, o meio, o conjunto de diferenças de grau. (DELEUZE, 2012, p. 26).

A partir desta proposição ele constrói não somente as bases para atribuir ao tempo (duração) uma espécie de multiplicidade continua, da qual as mudanças

Para Riemann, as coisas poderiam ser classificadas em dois tipos de multiplicidades, a saber, as

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que são determinadas em razão de suas dimensões e as que são determinadas em razão de variáveis independentes. A primeira delas é a "multiplicidade discreta ", caracterizada pela definição de um principio métrico entre as partes que a compõem; O segundo tipo de multiplicidade e denominado "multiplicidade continua", pois ela encontra o seu principio métrico não nas partes de seus elementos, mas em outra coisa, como em fenômenos ou em forças que agem nessas multiplicidades, portanto, não no espaço, mas no tempo.

operam por diferenças de natureza, o faz também de modo a opor tempo e espaço segundo a diferença entre os dois tipos de multiplicidades (uma discreta e outra contínua). Tal pensamento será perspectivado na obra de Massey (2008) como tributo à afirmação de que caberia ao tempo o dinâmico, o continuum, e, ao espaço, caberia a representação, o localizável, o inerte, a superfície onde o tempo se dá (duração). A autora expõe: “Não é tanto porque Bergson ‘despriorizou’ o espaço, mas porque, na associação do espaço com a representação, ele foi privado de dinamismo e, radicalmente, contraposto ao tempo.” (MASSEY, 2008, p.45). Nesse sentido, o projeto de Massey (2008) é um ato político e teórico de coragem, e, também de concretização em relação a algo que Deleuze (2012) já preconizara em forma de crítica, quando escreveu em 1966:

Se as coisas duram, ou se há duração nas coisas, é preciso que a questão do espaço seja retomada em novas bases, pois ele não será mais simplesmente uma forma de exterioridade, uma espécie de tela que desnatura a duração, uma impureza que vem turvar o puro, um relativo que se opõe ao absoluto; será preciso que ele próprio seja fundado nas coisas, nas relações entre as coisas e entre as durações, que também ele pertença ao absoluto, que ele tenha uma ‘pureza’. Vai ser essa a dupla progressão da filosofia bergsoniana. (DELEUZE, 2012, p.42).

Doreen Massey assume tal desafio de modo enérgico, e, a partir de três proposições elementares, desenvolve ao longo de seu livro uma crítica que recoloca as bases do pensamento geográfico: 1) reconhecer “o espaço como produto de inter-relações, como sendo constituído através de interações, desde a imensidão global até o intimamente pequeno.” (MASSEY, 2008, p.29); 2) “Se o espaço é, sem dúvida, o produto de inter-relações, então deve estar baseado na existência da pluralidade. Multiplicidade e espaço são co-constitutivos.” (Ibid.,p.29), logo, o caráter político do lugar repousa nessa inevitável contingência de “viver juntos”; 3) pensar a produção do lugar através das infinitas negociações, portanto, “reconhecemos o espaço como estando sempre em construção. […] o espaço como uma simultaneidade de estórias-até-agora.” (Ibid., p.29). O embricamento destas três ideias nos colocam noutra ordem de problemas sobre o espacial: não só apontar o espaço como uma multiplicidade discreta, localizável, extensiva, mas, sobretudo, de perceber que sobre essas multiplicidades discretas dá-se outro tipo de multiplicidade (contínua), a qual não pode ser dissociada da primeira. Portanto, uma sendo constitutiva da outra, espaço e tempo juntos. Assim, a força política de sua obra

repousa sobre a ação de: “contribuir para um processo de libertação do espaço de sua velha cadeia de significado e associá-lo a uma cadeia diferente, na qual pudesse ter, particularmente, maior potencial político.” (MASSEY, 2008, p.89).

Apoiado nisso, nos arriscamos em juntar cineasta e geógrafa, conectando o pensamento de um com o outro, para tomar o lugar a partir de seus encontros e o cinema como mais uma trajetória da constelação de trajetórias heterogêneas. Como enfatiza o cineasta: “Toda filmagem é uma negociação diante da câmera” (COUTINHO apud MESQUITA, 2013, p.245). Com um olho nesta citação e outro sobre o nosso caderno de campo, nos interrogamos: quais negociações vividas pela oficina emergiram? Qual cinema foi possível haver em meio ao que tínhamos? Assim, nos parece ser esse o principal elo entre Eduardo Coutinho e Doreen Massey, o de sugerir (a seus modos) a importância de pensarmos o lugar na ótica dos vários encontros que ele (des)articula. Encontros que efetivam conexões e tensões, que forçam negociações e deslocamentos, que inventam outras composições.

Adotamos a perspectiva do espaço como esfera da heterogeneidade, para dela extrairmos aquilo que mais nos interessa na relação do cinema com a escola: as negociações inevitáveis entre trajetórias heterogêneas e copresentes. É nesse sentido que nos engajamos tanto com filmes e escritos de Coutinho (e também seus correspondentes), quanto com a obra de Massey (2008), para conseguir perceber quais negociações também a escola imprimi ao cinema, dado que essa contaminação é mútua. A produção de um sobre o outro e seus devires, e, da oficina como lugar privilegiado por experimentações que funcionam como estímulos para inventarmos outras percepções cine-espaciais. Negociações de um ver, conversar e produzir filmes (mas não só). De bastidores e acordos que atravessaram nossos encontros com aquele lugar (escola) em movimento, que nos fizeram injetar ainda mais heterogeneidade no processo com imagens e tensões da vida naquele lugar. Negociações do olhar jovem com os signos escolares que passaram a conjugar ideias sobre a escola como lugar de disputas e criações. Negociações da câmera com um espaço escolar, da câmera com os jogos de poderes que ali criam trajetórias outras, da câmera com a forja de técnicas de filmagem (negociação ética e estética), em meio a circuitos de riscos com a imagem e a juventude. Negociações entre humanos e não humanos. Negociação na

montagem de um filme que insistia em existir. Negociações por toda parte, e, em cada uma delas, a produção de tempos (momentâneos) e espaços distintos. A produção infinita do lugar como eventualidade (Massey, 2008).

3.3 A oficina

Ao tratarmos da oficina, gostaríamos de exprimir ao leitor um pouco do que sentimos através das vivências no campo dessa pesquisa. O faremos na aposta com uma escrita convergente de imagens e amizades. Apostamos numa dimensão que é menos a da explicação e mais a de composições felizes. Por isso, decidimos amistosamente enviar trechos do diário de campo a “amigos-personagens”. São entes queridos que por muito tempo tem me acompanhado, e, que vibram nas linhas desse trabalho como autores subjacentes. Amigos que em muitos momentos tornaram-se confidentes, ouvintes, interlocutores das narrativas que virão a seguir. Trazê-los ao corpo da escrita é uma agradável possibilidade de diálogo e fabulação . Nos colore com tons de crônica e ficção. Aplicam-se aos fatos e 36

observações tão relevantes quanto qualquer filósofo ou cientista da área, tão inventivo quanto qualquer outro devaneio que nos invade. Escrever é sempre um movimento delicado. Momento raro. Exige solidão. Esperamos que agrade ao leitor tanto quanto nos anima.

3.2.1 Carta enviada a um amigo surfista, acerca dos registros dos dias 30 e 31 de março de 2016.

Gostaria que o amigo observasse minhas anotações e as comentasse como quiser. Não darei pistas, apenas esses escritos soltos (é possível que

Preservamos a pontuação, as repetições, os erros gramaticais, de digitação e de concordância

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dessa troca de mensagens, uma vez que esses erros fazem parte dos contextos de escrita – cadernos de campo e cartas — onde a escrita flui com outras intensidades e cuidados.

relacione com algumas de nossas antigas conversas). Sinta-se à vontade para criticar, opinar e sugerir. Estou ansioso por suas impressões.

Rascunho do primeiro encontro na escola Elza Pellegrini de Aguiar 30/03/2016.

A partir de trechos de um filme de Eduardo Coutinho conversar com os participantes da oficina sobre as impressões deles acerca dos métodos do diretor, das imagens no filme, das questões que eles possam suscitar- ligar com a escola. Perseguir a questão “o que é uma oficina?”.

Filme Theodorico, imperador do sertão (1978) escolhido para o primeiro encontro.

Talvez eles (os alunos) coloquem questões interessantes a partir da relação com o personagem Theodorico e a escola.

“De todos os personagens que Coutinho filmou até hoje, Theodorico é

o único que pertence à Elite brasileira.” (LINS, 2007, p.23) .“ … um 37

movimento em direção ao mundo e ao outro, um tipo de interação que quer ‘entender’ as razões do outro, sem lhe dar necessariamente razão …” (Ibid.,p.23).

* esquecer de si para escutar o outro (o espaço).

“O que interessa é a visão de mundo do personagem, o ponto de vista específico que ele tem sobre o mundo e sobre si mesmo.” (Ibid., p.24). Este

Nota do pesquisador. Consuelo Lins trabalhou com Coutinho em Edifício Master (2003

seria o principal dispositivo de Coutinho? Fazer do personagem um 38

intercessor para dirigir a câmera. Deixá-lo no comando, deixá-lo no poder de produção das imagens (o que pode ou não ser filmado). O filme nasce na montagem, é na montagem que Coutinho dá o tombo no Major.