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4 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 O objeto de pesquisa e seu campo de delimitação

4.1.1 O campo de estudo e sua RAPS

A Microrregião 3.3 possui algumas características que favorecem essa investigação. Ela está dotada de uma rede de atenção psicossocial estruturada com seus principais componentes, está localizada em uma das regiões mais empobrecidas da cidade e resguarda uma relação histórica como o início da reforma psiquiátrica em Pernambuco.

Conforme os dados apresentados no Atlas de Desenvolvimento Humano do Recife, a Microrregião possui uma população de 102.815 habitantes, distribuídos nos seguintes bairros: Brejo da Guabiraba, Brejo de Beberibe, Córrego do Jenipapo, Guabiraba, Macaxeira, Nova Descoberta, Passarinho e Pau Ferro, localizados nas colinas da periferia noroeste do município do Recife, sendo áreas que iniciaram sua ocupação na década de 1950. Situado na Zona Especial de Interesse Social (ZEIS)29 de Casa Amarela e ocupado por construções de iniciativa das populações que ali fincaram suas moradias sem o concurso dos investimentos públicos em infraestrutura, esse território apresenta um conjunto de vulnerabilidades sociais, como as áreas com iminentes riscos de deslizamento das encostas nos períodos chuvosos (RECIFE, 2005).

Assim, como todo o desenho cartográfico do município, a microrregião é também reveladora dos aspectos contrastantes e desiguais nos padrões de vida ali encontrados. Conforme os estudos de Cavalcanti, Britto Lyra e Avelino (2008), ao construir os mapas de exclusão/inclusão socioambiental da cidade, a microrregião apresentou o bairro com o mais alto índice de exclusão socioambiental − a Guabiraba.

Não obstante possuir uma vasta área de preservação ambiental (ZEPA)30, conhecida como “cinturão verde”, o bairro aparece entre os dez piores bairros nos índices de exclusão/inclusão, segundo as variáveis renda, educação, habitabilidade e socioambiental. Sua crescente taxa de crescimento populacional (4,46% ao ano) vem produzindo ocupações irregulares nas áreas de preservação, o que pode ser observado no uso intensivo das encostas e na devastação das áreas verdes para construção de moradias.

De acordo com os estudos de Cavalcanti, Britto Lyra e Avelino (2008), o índice que traduz o critério “habitabilidade” tem significativa importância nos mapas de exclusão da cidade, pois avalia o acesso da população aos serviços públicos como abastecimento d’água, esgotamento sanitário e coleta de lixo. Como referem os autores, os índices que indicam exclusão nas variáveis "infra-estrutura urbana” e “serviços públicos disponíveis”, quando

29 São áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos, em sua maioria, espontaneamente, que

deverão ser alvo de urbanização e regularização fundiária por parte do Poder Público (Lei Municipal nº 16.176/96).

30 ZEPA - Zona Especial de Preservação Ambiental [...] - abrange as áreas verdes de uso público de recreação e lazer e

correlacionados com “renda”, “desenvolvimento” e “densidade habitacional”, repercutem diretamente na exclusão do domicílio. Neste caso, não apenas Guabiraba, mas Pau Ferro, Nova Descoberta e Passarinho são classificados como bairros de alta exclusão, considerando- se os determinantes da habitabilidade.

No mapa da exclusão/ inclusão, identifica-se que dos 94 bairros da cidade do Recife, 70 estão classificados na faixa da exclusão segundo a variável “renda distribuída por chefe de domicílio particular permanente”, que toma como referência o valor do salário mínimo escalonado de 0 (zero) a mais de 5 (cinco) salários mínimos.

O bairro de Pau Ferro, na amostra da Microrregião 3.3, é representante das contrastantes diferenças e desigualdades que demarcam a cartografia do Recife. Nesse bairro, a variável “renda” apresentou um percentual por chefe de domicílio particular permanente melhor que a média da cidade, 31,11%. Desses, 20% possuem renda acima de 5 (cinco) salários mínimos. Contudo, o percentual de excluídos apresentou um índice maior que a média da cidade, 61,11%. Esta área é caracterizada por edificações luxuosas em meio à pobreza circundante (RECIFE, 2005).

Ao examinar as principais variáveis de exclusão/inclusão no mapa da cidade, observamos a prevalência da Microrregião 3.3 em todos os índices de exclusão, através dos bairros supracitados. Há uma injunção de determinantes econômicos e sociais que incidem diretamente na vida da população adscrita nesse território e que demandam políticas públicas intersetoriais para o conjunto de vulnerabilidades que apresenta. A luta cotidiana da população − integrando-se por meio de prestação de serviços informais nos bairros que detêm alto índice de inclusão e que estão fronteiriços com essa microrregião, tais como: Jaqueira, Aflitos, Casa Forte e Graças (RECIFE, 2005) − ilustra a segregação que se reproduz na interseção dos espaços urbanos.

Para Santos (2007), é na singularidade destes espaços mediados por aspectos socioeconômicos que vamos perceber com mais força o embate entre a permanência de uma economia arcaica e o choque da modernidade. Os bairros que formam esse conjunto micro territorial, alvo das ações de saúde planejadas e executadas localmente pelo poder municipal, destacam-se pelos níveis de média alta e alta exclusão no mapa municipal.

Neste cenário, configura-se uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) cujas diretrizes estão dispostas na Lei Federal 10.216/2001 e na Portaria GM nº 3.088/ 2011, sendo priorizadas pela coordenação de saúde mental do Ministério da Saúde, conforme quadro a seguir.

Quadro 1 − componentes da rede de atenção psicossocial, Microrregião 3.3, 2014.

NÍVEL DE ATENÇÃO SERVIÇOS

ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE

 Unidade Básica de Saúde (UBS) – (12 Unidades)  Estratégia de Saúde da Família (ESF) – (27

Equipes)

 Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) – (3 Equipes)

ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ESTRATÉGICA

 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Tipo II adulto − (1Unidade)

 CAPS AD (crack, álcool e outras drogas) Tipo II adulto – (1Unidade)

ATENÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA

 SAMU 192

 UPINHA (2 Unidades)

 Hospital Ulisses Pernambucano – Serviço de Emergência Psiquiátrica (SEP).

ATENÇÃO RESIDENCIAL DE CARÁTER TRANSITÓRIO

Há apenas uma unidade funcionando para todo o DSIII.

ATENÇÃO HOSPITALAR

 Hospital Evangélico (14 leitos para saúde mental)  Hospital da Mirueira (39 leitos de desintoxicação

distribuídos em 3 enfermarias)

ESTRATÉGIAS DE

DESINSTITUCIONALIZAÇÃO  Residência Terapêutica Mista (1)

ESTRATÉGIAS DE REABILITAÇÃO

PSICOSSOCIAL

Não verificamos a inclusão de usuários/as no Cadastro de Iniciativas de Inclusão pelo Trabalho (CIST)/ Ministério da Saúde.

Não há, na microrregião do estudo, iniciativas de geração de trabalho e renda/empreendimentos solidários/cooperativas sociais.

Fonte: Coordenação de Saúde Mental – SMS Recife.

O desenho da RAPS não corresponde a uma sinérgica articulação dos pontos de atenção que a compõem. O CAPS para atendimento das pessoas em crises psíquicas agudas e severas encontra-se há cerca de quatro anos em transição para o tipo III. Esse dispositivo objetiva oferecer atendimento 24 horas com acolhimento noturno, tratamento diário e continuado às pessoas acometidas por graves crises psíquicas e sofrimento psicossocial. Sua implantação foi pactuada pela gestão local e o Ministério da Saúde. No entanto, permanece

com funcionamento diário de 12 horas, impossibilitando a redução das internações cíclicas e atendimentos de urgência/emergência que muitos usuários/ usuárias e suas famílias continuam a buscar na única instituição que funciona como porta de emergência para o município, o Serviço de Emergência Psiquiátrica (SEP) do Hospital Ulisses Pernambucano.

O CAPS AD, que funciona como única referência para todo Distrito Sanitário III no tratamento para as pessoas com problemas relacionados com dependência de crack, álcool e outras drogas, permanece aguardando sua transformação para serviço 24 horas, que deve se adequar às seguintes características: acolhimento noturno, com leitos integrais (desintoxicação, observação, repouso, proteção e mediação em situações de conflitos) para atenção às situações de crise. A Microrregião ainda possui duas equipes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) que funcionam com supervisão de um profissional de Enfermagem e uma equipe de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para áreas que ainda permanecem sem cobertura da Atenção Básica e que possuem altos índices de vulnerabilidades, que, no caso específico da Microrregião 3.3, compreende os bairros de Nova Descoberta e Brejo de Beberibe (RECIFE, 2005).

Recentemente, a gestão municipal conseguiu pactuar a habilitação de quatorze leitos em hospital geral, o Hospital Evangélico de Pernambuco (HEP), que tem como diretriz fundamental seu funcionamento em rede com outros pontos de atenção. No entanto, essa inserção dos usuários/usuárias que necessitam desse cuidado tem sido um desafio para os serviços que se deparam com dificuldades relacionadas com as poucas vagas ofertadas. São vagas insuficientes para toda a demanda da rede, considerando que estes leitos se destinam ao atendimento do fluxo de todo o município.