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5 A RAPS: SUPERANDO O MANICÔMIO?

5.1 Descrição da amostra da pesquisa

O universo da pesquisa de campo envolveu usuários/as e familiares que perfizeram diferentes itinerários na RAPS da microrregião 3.3. Eles são homens e mulheres que estão referenciados aos serviços de saúde identificados como pontos de atenção, na condição de receber atendimento em suas diferentes experiências demandadas pelo adoecimento psíquico.

A amostra final contou com a participação de treze entrevistados, representantes dos dois segmentos inseridos (usuário/a e/ou familiar) em sete pontos de atenção componentes da

organização da rede assistencial do sistema local de saúde, tendo sido escolhido para a entrevista um representante de cada segmento para cada ponto de atenção. Os pontos de atenção escolhidos para a pesquisa foram: a Estratégia de Saúde da Família (ESF); o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF); o Serviço Residencial Terapêutico (SRT); o Ambulatório de Especialidades; o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) II; o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD); e o Consultório de Rua. Essas escolhas apoiam-se na importância que essas estratégias de cuidado possuem como instâncias de reabilitação psicossocial, focadas nas famílias e no entorno comunitário. A seguir, explicamos cada um desses pontos de atenção.

A ESF, na configuração da RAPS, é considerada uma área de grande importância na saúde mental, porque tem como foco o cuidado longitudinal31 às famílias no lugar onde vivem e se organizam, objetivando reverter o paradigma biomédico, centrado apenas na doença e no tratamento.

O NASF32 atua como equipe matricial33, que objetiva ofertar retaguarda às Equipes de Saúde da Família, contribuindo para que as intervenções em saúde mental possam sobrepujar as intervenções complexas e medicalizantes por respostas junto à família, às pessoas em crise e a todos os atores sociais que compõem o cenário comunitário. A equipe dessa estratégia de cuidado é composta por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, que devem atuar de maneira integrada, apoiando o trabalho dos profissionais das ESF’s junto às populações adscritas aos territórios de suas responsabilidades. O objetivo é ampliar a abrangência das ações da Atenção Básica, fomentando uma maior resolubilidade e integralidade do cuidado aos/às usuários/as da RAPS, aumentando a capacidade de intervenção e respostas aos problemas e necessidades de saúde da população.

O SRT representa uma das grandes contribuições da reforma psiquiátrica para a superação do modelo asilar ainda hegemônico, na medida em que constitui importante estratégia de desinstitucionalização para os que viveram o claustro hospitalar e perderam os

31 Longitudinalidade: aporte regular de cuidados pela equipe de saúde. Consistem, ao longo do tempo, em um ambiente de

relação mútua e humanizada entre a equipe de saúde, indivíduos e família. Poderia ser traduzida como o vínculo, a “relação mútua”, entre o/a usuário/a e o profissional de saúde e a continuidade enquanto oferta regular dos serviços.

32 O NASF foi instituído pela portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, que prevê a responsabilização compartilhada

entre equipes ESF’s e equipe NASF no acompanhamento longitudinal às famílias de responsabilidade da Atenção Básica. Seu papel deve se instituir na qualificação e complementaridade do trabalho das ESF’s.

33 O matriciamento é uma forma de gestão em saúde que pode ser realizado por diferentes estratégias, porém, a porta de

entrada da discussão e seguimento deverá ser sempre por meio da Estratégia de Saúde da Família. Baseia-se na interdisciplinaridade que transforma a prática tradicional, elevando o conhecimento dos profissionais entre si. O conceito foi proposto por Gastão Wagner de S. Campos para reorganização do trabalho em saúde através das interseções de saberes entre especialistas, objetivando transformar as relações hierárquicas e ofertar uma retaguarda assistencial fundada na concepção de cuidado integral de saúde.

vínculos familiares, ou, se os possuem, são indesejados na possibilidade de retornarem para suas casas. Nesse serviço, a proposta de reabilitação psicossocial deve se organizar em torno da construção de uma cotidianidade que conjugue autonomia e independência dos/as usuários/as nos afazeres mais simples do dia a dia: conhecer os vizinhos, circular na cidade, preparar alimentos, cuidar da casa, dividir despesas domésticas com outros moradores, ir à igreja, à escola, praticar alguma atividade física, entre outros.

O Ambulatório de Especialidades se constitui como um dispositivo a ser aperfeiçoado na rede de saúde mental e atenção básica. O modelo de atendimento permanece o de tipo tradicional, com atendimentos individuais similares ao modelo de saúde mental aplicado no setor privado. Há um largo espaçamento para o acolhimento e marcação de consultas para os novos usuários e pouca oferta para o atendimento via processo grupal e com familiares. A proposta deve ser uma alternativa para o cuidado de pessoas com quadros mais estáveis referenciadas pelos diferentes pontos de atenção, confluindo, assim, para uma melhor integração da RAPS.

O CAPS AD (Álcool e Drogas) ordena o cuidado junto com a atenção básica aos adultos, crianças ou adolescentes com necessidades decorrentes do uso abusivo de crack, álcool e outras substâncias psicoativas. São segmentos da sociedade que apresentam características desafiantes para a RAPS: um elevado grau de desfiliação dos laços sociais e familiares; vivência de segregação urbana e social e violência relacionada com criminalidade, exploração sexual e/ou tráfico de drogas; situação de desemprego de longa permanência e acesso deficitário a bens e serviços sociais e comunitários (VASCONCELOS, 2010).

O Consultório de Rua, como componente da RAPS, objetiva ofertar o cuidado aos usuários de crack, álcool e outras drogas que se encontram em situação de rua, desvinculados dos serviços de saúde e com laços familiares rompidos ou precarizados. As ações privilegiam a redução de danos na perspectiva de promoção, prevenção e cuidados primários.

O CAPS na modalidade II em transição para a modalidade III atende pessoas com sofrimento e/ou transtornos mentais graves/persistentes, podendo também atender pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas de todas as faixas etárias, conforme a última portaria da RAPS. Na modalidade III, o atendimento deve ofertar hospitalidade diurna e noturna contínua, inclusive nos finais de semana e feriados.

Em relação aos entrevistados familiares, contamos com a participação de mães (04), filho (01) e esposo (01). Dos sete pontos de atenção possíveis para nossa amostra, elegemos quatro em que os entrevistados são parentes: Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF),

Serviço Residencial Terapêutico (SRT), Estratégia de Saúde da Família (ESF) e Ambulatório de Especialidades.

Como afirmado anteriormente em nossa metodologia, o SRT de nossa amostra é a única unidade residencial da microrregião e, dos oito moradores, apenas um possuía vínculo familiar de forma muito precária com um irmão. Neste caso, não nos foi possível realizar a entrevista porque este se recusou.

Os três pontos de atenção com cujos/as usuários/usuárias e familiares – que não possuem entre si vínculos de parentesco – optamos por fazer entrevistas apresentam algumas peculiaridades que ensejam um processo de reabilitação psicossocial de maior complexidade. Esses pontos de atenção foram: o CAPS AD, que acolhe usuários/as em uso contínuo e abusivo de substâncias psicoativas, geralmente, com redes sociais ausentes ou muito precárias; o CAPS II, que acolhe os/as usuários/as em franca crise psíquica e com suporte familiar quase sempre bastante fragilizado; e o Consultório de Rua, que atua junto às pessoas em situação de rua que apresentam dependência química com laços sociais e familiares esgarçados ou rompidos. Apresentamos, abaixo, algumas tabelas com a caracterização dos perfis dos entrevistados.

Tabela 1 – Cor/Raça dos (as) entrevistados(as)

Usuários Familiares COR N % N % Pardo/a 3 42,8 4 66,7 Negro/a 2 28,6 2 33,3 Branco/a 2 28,6 0 0 Indígena 0 0 0 0 Amarelo/a 0 0 0 43 TOTAL 7 100% 6 100%

Tabela 2 – Escolaridade dos (as) entrevistados(as) Usuários Familiares ESCOLARIDADE N % N % Fundamental Incompleto 4 57,1 3 50 Fundamental Completo 2 28,6 1 16,7 Ensino Médio Completo 1 14,3 2 33,3 TOTAL 7 100% 6 100%

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora.

Tabela 3 – Idade dos (as) entrevistados(as)

Usuários Familiares IDADE N % N % 0-19 anos 0 0 0 0 20-49 anos 6 85,8 1 16,7 50 anos ou mais 1 14,2 5 83,3 TOTAL 7 100% 6 100%

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora.

Tabela 4 – Gênero dos (as) entrevistados(as)

Usuários Familiares

GÊNERO N % N %

Masculino 5 71,4 2 33,3

TOTAL 7 100% 6 100% Fonte: Dados coletados pela pesquisadora.

Tabela 5 – Ocupação dos (as) entrevistados(as)

Usuários Familiares OCUPAÇÃO N % N % Benefícios 3 42,8 1 16,7 Não trabalha 2 28,6 3 50 Serviços avulsos 2 28,6 0 0 Carteira assinada 0 0 2 33,3 TOTAL 7 100% 6 100%

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora.

Podemos destacar, de acordo com as tabelas acima, as principais características de cada segmento participante. Em relação à cor, a maioria dos/as usuários/as (42,8%) e familiares (80%) se autodeclarou como pardo/a. Entre os/as usuários/as, dois/duas (28,6%) se declararam brancos/as e outros/as dois/duas (28,6%) se declaram negros/as. Entre os familiares, não houve quem se declarasse branco/a e dois/duas entrevistados/as (33,3%) se declararam negros/as. Quanto à escolaridade, em sua maioria, os/as usuários/as (57,1%) possuem o ensino fundamental incompleto, 28,6% concluíram o ensino fundamental e 14,3% afirmaram possuir o ensino médio completo. Quanto aos familiares, três (50%) possuem o ensino fundamental incompleto, apenas um/uma (16,7%) concluiu o fundamental e dois/duas (33,3%) cursaram o ensino médio. Referente à idade, 85,8% (N=6) dos/as usuários/as estão na faixa etária dos 20 aos 49 anos e apenas um/uma (14,2%) possui idade superior a 50 anos. No grupo dos familiares, um/uma (16,7%) tem entre 20-49 anos e cinco (83,3%) estão acima dos 50 anos. O gênero masculino foi predominante entre os/as usuários/as, perfazendo 71,4% dos/as entrevistados/as (N=5), e, no segmento dos familiares, 66,7% (N= 4) são do gênero feminino. Relativo ao quesito ocupação, três usuários/as (42,8%) afirmaram receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), dois/duas (28,6%) sobrevivem de trabalhos

avulsos e mais dois/duas declaram não exercerem nenhuma atividade remunerada. Para os familiares, três (50%) não trabalham, um/uma possui benefício (16,7%) e dois/duas (33,3%) possuem trabalho com registro em carteira.