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CAMPUS NATAL-CENTRAL/IFRN

No documento IFRN 10 anos de criação.pdf (14.27Mb) (páginas 45-48)

Antes de passar à análise, vale lembrar que o Campus Natal-Central é a uni- dade mais antiga do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, existindo, sob a de- nominação de Escola de Aprendizes Artífices, desde o mencionado decreto de Nilo Peçanha, em 1909, e recebendo diversas denominações ao longo da história do país.

Em função de sua longa história, de mais de 100 anos, o Campus Natal-Cen- tral também tem sido pioneiro na inclusão, instituindo o sistema de cotas desde a dé- cada de 1990, antes mesmo da legislação federal. (SKEETE, 2013). Isso indica o esforço da instituição no sentido de atender a uma demanda de inclusão maior no estado do que a determinada por dispositivos legais.

Conforme já explicitado na introdução deste artigo, foram entrevistados dois estudantes surdos já egressos de cursos técnicos do Campus Natal-Central do IFRN. Neste tópico, trazemos o perfil dos entrevistados e uma breve análise dos rela- tos oriundos das entrevistas realizadas.

As entrevistas permitiram uma maior compreensão da realidade dos surdos no âmbito do IFRN, assim como, qual tem sido a atuação dessa instituição, no tocante ao ingresso, permanência e êxito do aluno que apresenta essas especificidades. Segue, no Quadro 2, abaixo, o perfil dos alunos entrevistados:

Quadro 2 - Perfil dos entrevistados

ALUNO7 SEXO CURSO TÉCNICO SUBSEQUENTE ANO DE CONCLUSÃO

R Feminino Edificações 2017.2

B Masculino Petróleo e gás 2018.1

Fonte: Elaborado pelos autores

Podemos perceber, a partir do quadro 2, que os egressos entrevistados con- cluíram seus cursos em semestres consecutivos, tendo, por isso, vivenciado contextos semelhantes. Acerca do processo seletivo, R e B declararam que, na primeira seleção que participaram, não contaram com o apoio de um intérprete. Com R o problema foi ainda maior, posto que em outros dois exames consecutivos realizados, o intérprete lhe foi disponibilizado apenas para explicar questões pontuais sobre a prova. Além disso, na quarta seleção, sua prova não foi corrigida considerando sua especificidade linguístico-gramatical, o que foi resolvido somente após recorrer ao Ministério Públi- co, tendo conseguido, dessa vez, ingressar na instituição, o que, no caso de B, ocorreu na segunda tentativa, posto não ter passado por esses entraves. É importante aten- tarmos ao que o Decreto n.º 5.626/2005 exige, em seus artigos 14 e 21, nesse contexto:

Art. 14.  As instituições federais de ensino devem garantir, obriga- toriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos [...].

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§  1º    Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem: VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas [...].

Art. 21.  [...] as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, [...] o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos.

§ 1º O profissional a que se refere o caput atuará:

I - nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino; [...].

Quando indagados sobre os possíveis desafios enfrentados no IFRN, R infor- mou ter contado com o apoio do intérprete na aula inaugural, mas não nos 12 primei- ros dias de aula. Com B a situação foi parecida, sendo que não lhe foi disponibilizado esse profissional na aula inaugural nem antes do término dos dois primeiros meses de estudos na instituição. Para solucionar o problema, ambos recorreram primeiro à coordenação do curso, não tendo obtido êxito, restando-lhes procurar o Ministério Público. Durante o tempo em que ficaram sem comunicação, ambos perderam avalia- ções. R acrescentou que após cinco meses de acompanhamento com o profissional de Libras, frente ao fato de este trabalhar sozinho, o que não é indicado, o profissional acabou adoecendo, levando R a ficar mais 13 dias sem intérprete.

Ao relatarem o papel do professor em sala de aula com o aluno surdo, ambos apontaram que aqueles que atuaram junto a eles desconheciam sua língua, tendo B acrescentado o fato de que não contou com materiais adaptados para seu aprendizado. Contudo, os estudantes mencionam que alguns professores foram mais comprometi- dos nessa tarefa, como podemos perceber nas falas de R e B, respectivamente: “[...] os professores do IFRN são comprometidos e éticos, apenas desconhecem a língua [...]” (Depoimento de R) e “[...] tive dois professores, porém, que me exigiram atividades práticas, e não teóricas, o que para mim foi um diferencial, ajudando-me muito [...]” (Depoimento de B).

Prosseguindo com a análise de suas declarações, quando perguntados pela atuação dos intérpretes que os acompanharam, os estudantes elogiaram de forma veemente a atuação desses profissionais, fazendo uso de adjetivos como “éticos” e “qualificados” para designá-los. Mas B defende que cada setor deveria contar, entre seus servidores, com o seu próprio intérprete, para que os surdos pudessem ter mais autonomia para estudar.

Sobre o oferecimento de estágio pela instituição, apenas R contou com isso, e somente após muitas reivindicações. B informa que sua área só tem estágio em outros estados e, como não sabia se teria um intérprete para onde fosse, caso conseguisse um estágio, preferiu não buscá-lo. Já R declara que só o conseguiu no quarto semestre, mas que não lhe foi permitido que contasse com o intérprete, sob a alegação que ele deveria começar a se adaptar à realidade do mercado de trabalho. Mais uma vez, R teve que lutar para ter esse direito respeitado, obtendo-o apenas de forma intervala- da. O estudante afirma que discorda dessa política adotada de se adaptar aos ditames do mercado de trabalho. Nesse ínterim, é importante lembrarmos que o PPP do IFRN

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(2012) defende uma formação humana integral que não caminhe de acordo com as regras do mercado, mas que busque a plena formação do indivíduo em todas as suas potencialidades. Dessa forma, podemos observar certa incoerência interna sobre as práticas pedagógicas a serem trabalhadas, demandando, assim, um posicionamento mais adequado aos princípios da própria instituição.

No que tange ao ensino inclusivo, o IFRN tem desenvolvido ações de promo- ção ao acesso e permanência desse público, e esse compromisso pode ser percebido na fala dos egressos entrevistados, quando enfatizam que o IFRN tem se dedicado, atualmente, a atender os parâmetros legais concernentes à inclusão das pessoas com deficiência, em resposta às lutas travadas tanto dentro de seu espaço físico, quanto em seu entorno. Martins (2004, p. 32) pondera, no entanto, que:

Esse caminho extrapola a mera inserção física daqueles que apre- sentam necessidades especiais em ambientes comuns de ensino, envolvendo a revisão de concepções e paradigmas, o respeito às potencialidades e diferenças de cada aluno, assim como o atendi- mento de suas necessidades.

Com isso, queremos enfatizar que não se trata apenas de receber o aluno, mas sim, de dar-lhe as condições necessárias para que seu processo de aprendizagem ocorra de forma exitosa, e isso demanda a promoção de políticas e ações voltadas à conscientização e esclarecimento sobre a temática, deixando claro que não se trata apenas de limitações, mas também de possibilidades.

Ao passarmos para as questões relativas ao ingresso no trabalho, após a con- clusão de seus respectivos cursos, os entrevistados disseram não estar trabalhando no momento, e que preferiam atuar em áreas que não envolvessem a comunicação, por ciência de que essa ainda encontra entraves para os surdos, no contexto da sociedade em geral. Ainda sobre isso, ambos afirmaram o interesse em atuar no setor público, por acreditarem existir mais segurança e estabilidade do que no setor privado.

Como sugestão para o melhor atendimento ao público com deficiência, os egressos sugeriram que as avaliações, tanto para o ingresso, quanto as realizadas ao longo dos cursos, sejam desenvolvidas em vídeo, a exemplo do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2017. Isso, segundo eles, levaria mais pessoas a ingressar na instituição.

Os estudantes egressos ainda lembraram que a falta de divulgação dos di- reitos que esses indivíduos possuem impede o ingresso de um público mais amplo de estudantes e contribui para que a Libras continue habitando em um plano desconhe- cido e distante da vida real tanto das pessoas surdas quanto das instituições educacio- nais em geral, cuja comunidade não está totalmente preparada (professores, técnicos, estudantes, entre outros) para receber e se comunicar adequadamente utilizando o idioma de sinais.

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