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CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E LEGAL ACERCA DA INCLUSÃO

No documento IFRN 10 anos de criação.pdf (14.27Mb) (páginas 40-45)

O termo “deficiência”, segundo o Dicionário Houaiss (2009), remete à ideia de insuficiência, levando à compreensão de que algo deficiente configura-se como sen- do inferior. Porém, é imprescindível a cautela com a interpretação de sua conotação quando empregada em relação às pessoas. Em primeiro lugar, é importante enfatizar que vivemos em um mundo heterogêneo, seja no tocante à etnia, à cultura, à classe econômica, ou mesmo às particularidades individuais. Assim sendo, a “heterogenei- dade é parte obrigatória da normalidade. Nenhuma situação pode ser considerada normal sem a diferença.” (ALMEIDA; SILVA, 2004, p.14). Com vistas ao andamento do estudo, faremos uso do termo “deficiente”, ao longo desse trabalho, por se tratar da terminologia legalmente em vigência, enfatizando, porém, a discordância dos pesqui- sadores em aplicar a conotação pejorativa a que o termo pode remeter.

A História conta distintas formas de tratamento que foram direcionadas às pessoas com deficiência e que não ocorreram de forma linear e homogênea, a partir de fatos estanques, mas decorreram das distintas conjunturas que foram se configu- rando. Tratemos, pois, de esclarecer o exposto, ressaltando que nosso intuito não é o de nos aprofundarmos na análise histórica, mas sim, frente à relevância do tema, prosseguirmos com a contextualização do objeto de estudo.

Na História Antiga, era comum a prática do extermínio de pessoas com de- ficiência, como ocorria em Esparta, onde se justificava tal conduta pelo bem comum , uma vez que era uma sociedade voltada para a guerra, demandando, assim, a formação de guerreiros fortes e saudáveis, o que, segundo seus governantes, não coadunava com a situação das pessoas que apresentassem alguma deficiência. Apesar de tal atitude nos parecer cruel e repulsiva hoje, é preciso compreender que ela revela o pensamento do contexto histórico no qual está inserida e que, mesmo na conjuntura atual, é possível observar situações semelhantes, haja vista que as pessoas tidas como deficientes, como colocado por Souza (2004, p. 75), “padecem de pequenas mortes simbólicas, ou reais. Isso quando lhes são negadas pequenas coisas que seriam tão fáceis de implementar e que não são implementadas por falta de vontade política, por falta de sensibilidade [...]”. Compreender os diferentes contextos históricos se faz importante, portanto, também para evitar que se reproduza hoje o mesmo comportamento de outrora.

A Idade Média foi marcada por concepções místicas sobre esse público, por um lado, se defendia que sua situação representaria a ira divina, por outro lado, se relegava a eles o desprezo social. Assim, aqueles que não atendiam aos padrões de normalidade eram rejeitados, levando uma vida de pobreza e marginalidade.

Já na Idade Moderna, ocorreu uma gradual alteração no tratamento direcio- nado à população em análise. Eles deixaram de ser vistos como ineducáveis, pois pas- saram a ser desenvolvidas técnicas voltadas para a comunicação dos surdos mediante a oralização e a escrita. Segundo Sá (1999, p. 69), a oralização “[...] é aquela [técnica] que visa a capacitar a pessoa surda a utilizar a língua da comunidade ouvinte na modali- dade oral como única possibilidade linguística [...]”. Essa perspectiva demonstra a im- posição colocada à comunidade surda de se adaptar à realidade da maioria ouvinte, o

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que, na prática, dificultou seu processo de socialização e de ensino-aprendizagem no contexto escolar, demandando ações que respeitassem sua condição e promovessem sua real inserção no meio social.

Na Idade Contemporânea, percebemos um significativo investimento na as- sistência e tratamento das pessoas com deficiência. No tocante aos surdos, no Brasil, houve uma evolução na forma de conceber sua comunicação a partir da Língua Bra- sileira de Sinais (Libras), que tem sua origem no alfabeto manual francês do conde Édouard Huet (1856). Acerca dessa língua, Quadros (2003, p. 9) declara que “[...] é uma língua visual-espacial articulada através das mãos, das expressões faciais e do cor- po. É uma língua natural usada pela comunidade surda brasileira”. Brito (1993, p. 31) também afirma que o surdo, por meio dessa língua, tem a prática da socialização, as- sim, “[…] o mundo oral deixa, então, de ter para ele o aspecto estranho e inacessível, e certos sentimentos de isolamento e de exclusão serão assim afastados naturalmente.”. Com isso, o uso da Libras conduz não só à superação dos obstáculos comuni- cacionais, mas também ao desenvolvimento das relações interpessoais com o mundo no qual os surdos estão inseridos. É importante enfatizar, porém, que essa língua só veio a ser sancionada em 2002, por meio da Lei n.º 10.436, que a reconheceu como o meio oficial de comunicação da comunidade surda.

Dispositivos legais anteriores, porém, já reivindicavam o respeito aos defi- cientes. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, traz, em seu artigo 3º, que cabe ao Estado promover o bem estar de todos, independente de qualquer diferença. Diversos outros dispositivos legais podem ser citados, como a Lei n.º 8069 (1990), a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais (1994), a Convenção Interameri- cana (1999) e a Lei n.º 13.005/2004, que aprova o Plano Nacional de Educação, o qual tem como uma de suas metas a garantia da oferta de educação bilíngue. Importante se faz, também, mencionar a Lei n.º 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, destinada a “assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exer- cício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.” (BRASIL, 2015). Compreendendo a importância da educação para a efetivação desses direitos, julgamos necessário abordar em que con- siste a Educação Profissional ofertada pelo IFRN e como ela corrobora seu êxito.

UM PANORAMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E NO IFRN

A EP desenvolveu-se pautada nos ditames do mercado, por isso, pode-se afirmar que ela é um reflexo da intencionalidade do projeto societário que a embasa, e isto pode ser compreendido desde o período do Brasil Colônia. Nesse período, a EP voltava-se para a lida com o artesanato e manufatura, depois, voltou-se também para a indústria, ocorrendo quando os artífices transmitiam seus conhecimentos e habili- dades profissionais a seus aprendizes.

Já no Brasil Império, a EP desenvolveu-se com intuito assistencialista, com vistas a dar instrução teórico-prática às crianças órfãs. Foi nesse contexto que se deu

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a criação do primeiro Liceu de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro, expandindo-se, pos- teriormente, a outros estados.

Trazendo a análise para o começo da República, o decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909 “Créa nas capitaes dos Estados Escolas de Aprendizes Artífices, para o ensino profissional primario e gratuito” dando início ao sistema que temos hoje sob o nome de Rede Federal de Educação. Depois, em 1927, o Decreto n.º 5.241 estabeleceu a obrigatoriedade desse tipo de ensino nas escolas primárias e em instituições análo- gas. Em 1937, ocorreu a criação dos Liceus Profissionais, instituídos pela Lei n.º 378, a qual declarava, em seu artigo 37: “A Escola Normal de Artes e Officios Wencesláo Braz e as escolas de aprendizes artífices, mantidas pela União, serão transformadas em lyceus, destinados ao ensino profissional, de todos os ramos e gráos.” (BRASIL, 1937). Foram instituídas, na sequência, uma série de medidas governamentais, culminando em sua atual configuração, como sintetizado no quadro abaixo:

Quadro 1 – Evolução cronológica da EP no Brasil a partir de 1941

ANO EVENTO

1941 Reforma Capanema – Série de leis com o intuito principal de atrelar a Educação Profissional ao Ensino Médio. 1942 Decreto n.º 4.127 – Transforma as Escolas de Aprendizes Artífices em Escolas Industriais e Técnicas,

oficializando a vinculação dessa modalidade ao ensino do país.

1959 As Escolas Industriais e Técnicas adquirem autonomia didática e gerencial, passando a ser designadas como Escolas Técnicas Federais.

1971 A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), instituída pela Lei n.º 5.692, transforma o currículo do segundo grau em técnico-profissional.

1978 A Lei n.º 6.545 torna as Escolas Técnicas Federais do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs).

1997 O Decreto n.º 2.208 cria o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) e determina os objetivos da modalidade.

1999 Finaliza-se o processo de alteração das Escolas Técnicas em CEFETs.

2005 A Lei n.º 11.195 inicia o Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. 2008 A Lei n.º 11.741 incorpora a Educação Profissional à LDB, passando a ser considerada direito de todos. 2014 O Plano Nacional de Educação, para o decênio 2014-2024 é sancionado através da Lei n.º 13.055, tendo nas

metas 10 e 11 orientações para o provimento da modalidade.

Fonte: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/centenario/historico_educacao_profissional.pdf>. Acesso em: 12 set. 2018.

O quadro acima nos revela que a EP, nos atuais moldes, provém de uma se- quência de eventos articulados e oriundos das distintas concepções acerca da moda- lidade. Assim sendo, ela se encontra frente a um embate sobre a forma de conduzi-la, tendo, de um lado, os defensores de um caráter instrumental, tecnicista, focado no mercado de trabalho e, por outro, aqueles que almejam uma formação profissional humanista e intelectual, o que, segundo Ciavatta (2005), remete à superação da divi- são histórica do trabalhador entre, de um lado, quem executa, e de outro, quem pensa. Lima (2015, p. 20) coloca a primeira como sendo “uma educação mínima para sujeitos mínimos reagirem minimamente diante da realidade social e do Estado com suas ex-

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clusões em todas as dimensões da vida e da sociedade”. É nesse contexto que devemos observar as orientações pedagógicas do IFRN, uma vez que defende a promoção da EP voltada à formação de um trabalhador crítico e reflexivo.

O IFRN volta-se para a educação básica e superior, com ênfase na EP, sen- do tida como um modelo de sistema educacional. Seu Projeto Político Pedagógico (IFRN, 2012) declara o compromisso da instituição com o tipo de formação defendida até o presente momento, não preparando seus estudantes apenas para o ingresso no mundo do trabalho, mas para a vida. Então, sob esse viés, faz-se necessário também considerar como tem sido sua atuação em prol do fomento da inclusão das pessoas com deficiência. A partir da análise de sua Carta de Serviços ao Cidadão, presente no endereço eletrônico da instituição6, constatamos que o IFRN possui um Plano de As- sistência Estudantil, aprovado através da Resolução n.º 23/2010-CONSUP, voltado aos alunos que apresentam carência econômica ou com deficiência, almejando seu pleno desenvolvimento e aprendizado, “minimizando com isso o percentual de abandono, trancamento de matrículas, repetência e evasão escolar.” (IFRN, 2010). Seu Núcleo de atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (NAPNE) tem por objetivo a promoção do respeito às diferenças e singularidades desse público, articu- lando, por esse motivo, ações de capacitação para o quadro de servidores, como, por exemplo, o curso de Libras. Inclusive, em 2017, um dos autores do presente artigo, Jean Ferreira, ficou à frente de uma dessas ações institucionais, ao promover o Projeto de Extensão “Perspectivas de acessibilidade ao PROITEC em Libras", voltado ao ingresso dos alunos com surdez, contando, para isso, com o apoio do NAPNE.

O INTÉRPRETE NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS

A inclusão escolar defende que o atendimento ao discente seja ofertado pau- tando-se na concepção de “Educação para Todos” explanada em conferências inter- nacionais como: Jomtien, na Tailândia (1990); Salamanca, na Espanha (1994); e Gua- temala, na Guatemala (1999). Nesse sentido, a perspectiva da inclusão esboça que a escola é o ambiente responsável pelo ensino e aprendizagem de todos os discentes matriculados. Como norte, apontamos o documento de Salamanca (1994, p.1):

[...] sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessida- des; [...] construindo uma sociedade inclusiva e alcançando edu- cação para todos [...].

O documento, em linhas gerais, aponta o sistema regular de ensino como o local preferencial para o desenvolvimento do processo educacional. Com a diversi- 6 Conforme essa carta: “O IFRN tem como função social ofertar educação profissional e de qualidade referenciada socialmente e de arquitetura político-pedagógica capaz de articular ciência, cultura, trabalho e tecnologia – comprometida com a formação humana integral, com o exercício da cidadania e com a produção e a socialização do conhecimento, visando, sobretu- do, a transformação da realidade na perspectiva da igualdade e da justiça sociais.” (IFRN, 2015, p. 5).

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dade de alunos que apresentam deficiência, as instituições federais são instigadas a rever suas práticas pedagógicas, para ensinar um coletivo de sujeitos cujas caracterís- ticas se apresentam mais heterogêneas do que antes.

Além da legislação pertinente à Libras, mencionada em seção anterior, outro dispositivo que respalda a inclusão dos surdos é a Lei n.º 12.319/10, que trata do Tra- dutor/Intérprete de Libras. Lacerda (2015) analisa que sua tarefa é complexa, acarre- tando no envolvimento cultural e social, tendo em vista que o tradutor e intérprete de Libras atua em diferentes contextos de enunciação. No entanto, há vários problemas de ordem ética que acabam surgindo em função do tipo de intermediação que aconte- ce em sala de aula. Nesse sentido, o Decreto nº 5.626/2005 traz um capítulo dedicado à formação do profissional tradutor intérprete de Libras, explicitando o seu perfil:

Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Por- tuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa. Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste De- creto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Por- tuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:

I - cursos de educação profissional; II - cursos de extensão universitária; e

III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação. Parágrafo único.

Em respeito às relações dos atores vivenciados em sala de aula, segundo Vygotsky (2005), o professor se apropria de seu papel e se consolida como profes- sor na relação com o outro. Nesse sentido, é nas e pelas relações que ele conhece e constrói o contexto, a prática docente e os aspectos de suas relações. Facci (2007, p. 151) coloca que o professor deve "estruturar a atividade pedagógica de tal forma que oriente o conteúdo e os ritmos de desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores, ajudando a criança a guiar o seu comportamento". Nessa direção é in- dispensável ao professor, portanto, mediar o ensino de forma que desafie o aluno ao pleno desenvolvimento de suas capacidades. A relação professor-aluno perpassa uma intrínseca rede de subjetividades e situações experienciadas pelos atores em seus processos de socialização.

Na mesma linha de pensamento, para Quadros (2004), é importante salientar que o papel do intérprete de Libras observa alguns preceitos éticos como a confiabili- dade, o sigilo e a imparcialidade, não devendo se confundir com o papel de professor. Ainda cabe ao profissional intérprete de Libras traduzir e interpretar da Libras, em sua modalidade sinalizada, para a Língua Portuguesa, na modalidade oral e escrita, e vice- -versa, em sala de aula ou em outras atividades escolares, intermediando a comunica- ção entre os alunos surdos e ouvintes (professores, alunos e funcionários). Salientamos, ainda, que o profissional intérprete ingressou na instituição a partir do programa fede- ral TEC NEP, que deu origem aos Núcleos NAPNEs e onde estão alocados desde então.

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