• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – SIMBOLOGIAS RELIGIOSAS

IV.5 Capela da Prisão ou Traição

Nesta capela está representada a encenação da prisão de Cristo após a traição de Judas. No senso comum trair é a incapacidade de ser fiel ou leal a alguém ou a valores. O que Judas fez foi entregar Jesus aos soldados romanos em troca de dinheiro, trinta moedas de prata, por ser avarento; acabou por se arrepender e enforcou-se. Outro fato marcante da história da traição é o beijo que Judas dá em Jesus. O beijo ultrapassa o significado profano, ele tem também um papel comunicativo, de veneração, de união. Lurker explica: “Nos cultos antigos, o beijo sagrado era dado na soleira do templo, no altar e na imagem dos deuses. (...)” e acrescenta “o beijo é sinal de veneração” (Lurker 1993:24) São Paulo apontava: “Saudai-vos uns aos outros com o ósculo santo.” (Rm 16,16; Cor 16,20)” e, sobre o beijo de Judas escreveu Mateus: “o beijo de Judas Iscariotes não passou de um abuso, tornando-se sinal da traição”. (Mt 26, 48s) Lurker resume a simbologia do beijo na Cristandade:

Desde o século IV o beijo no altar durante a missa foi motivado pelo fato de se considerar o altar símbolo de Cristo ou local de conservação das relíquias dos mártires. A posição da boca e da cabeça de muitas esculturas românicas do crucificado tem como base a ideia do beijo pelo Senhor na Cruz e do ser beijado pelo homem. (Lurker 2003:78)

Capítulo  IV  –  Simbologias  Religiosas  

No conjunto escultórico de Braga, na capela da Traição, como é denominada, existem onze esculturas feitas em madeira. Ao centro do grupo de esculturas como imagens principais estão Jesus e Judas dando-lhe o beijo da traição. No lado esquerdo da capela na visão do observador há uma escultura de uma imagem sentada no chão com olhos fixos no centro onde estão Jesus e Judas; este se encontra com uma corda no pescoço (figura 15), dando a impressão que está sendo arrastado daquele local, mesmo porque, no conjunto, há a representação de soldados romanos. Seu semblante, apesar da situação, é sereno; ao seu lado há outra figura que está em pé segurando uma espada pronta para ser empunhada (figura 15); Em João (18:10) é relatado que Simão Pedro puxou a espada e feriu uma pessoa que se chamava Malco; seu olhar está fixo na cena principal (Jesus e Judas); ao lado desta representação com a espada encontra-se uma outra que demonstra, pelo posicionamento das mãos, estar a conversar com a pessoa ao seu lado em uma forma interrogativa. Os panejamentos destas esculturas são esculpidos detalhadamente com as dobras perfeitas, assim como as musculaturas das mãos, pés e faces. Ao lado direito do observador das imagens de Jesus e Judas, está localizada outra figura em pé; esta imagem não possui barbas como as demais, assim dando a impressão de ser uma pessoa mais jovial do que as outras; observando a posição corporal e musculaturas constata-se que são diferentes dos demais da cena (figura 15). Do lado esquerdo do observador há quatro imagens, dois soldados romanos, e outras duas pessoas diferentes na cena visualizada; seus posicionamentos são dramáticos, feitos no mais puro barroco em que a dramatização deve ser vista de forma persuasiva. O cenário é representado como se fosse um local ao ar livre, o que dialoga com o exterior da capela que está envolta por cenário liberto pela mata circunvizinhas; nas imagens pintadas no seu interior há a representação de árvores.

  Na

 

Figura  15  -­‐  Capela  da  Traição  -­‐  Braga    -­‐  foto  da  autora

Nas figuras 15 e 16 pode-se também observar as cores utilizadas pelos autores das esculturas que ficam em tons baixos como vermelho escuro, verdes e cinzas. As roupas usadas por alguns dos personagens, como as túnicas, podem indicar que eram os apóstolos que estavam seguindo Jesus na sua jornada, enquanto que três das imagens vestem um camisolão amarrado na cintura demonstrando serem pessoas comuns apontando para Cristo pedindo a sua condenação. A cena principal é Jesus e Judas dando o beijo da traição (figura 17); a posição do Cristo é estática: uma de suas mãos está espalmada para cima como se Ele estivesse interrogando algo a Judas e a outra está acorrentada; Judas, ao contrário, segura Jesus: uma de suas mãos passa pelo seu ombro e outra segura o seu braço num ato de proximidade e intimidade.  

 

Capítulo  IV  –  Simbologias  Religiosas  

 

Figura  17  e    18    -­‐  Detalhe  Capela  da  Traição  -­‐  Braga  –  O  beijo  de  Judas  em  Jesus  -­‐  fotos  acervo  da  autora

Em Congonhas esta capela é nominada de Passo da Prisão (figura 19). O conjunto escultórico é composto por oito integrantes diferentes de Braga que possui um conjunto de doze; o cenário tem pinturas ao fundo com arcos e colunas no estilo greco- romano. Ao centro da cena encontra-se a figura de Jesus, com túnica azul; para Chevalier e Gheerbrant o azul tem um valor “Impávido, indiferente, não estando em nenhum outro lugar a não ser em si mesmo, o azul não é deste mundo; sugere uma ideia de eternidade tranquila e alterneira, que é sobre-humana – ou inumana.” (Chevalier e Gheerbrant 2009:107). Este azul da roupa do personagem principal provoca um contraste na cena e o olhar vai diretamente a esse ponto de observação que acalma e tranquiliza. Cristo está representado de pés descalços, o que passa a sensação de simplicidade e humildade; outra imagem na cena também está descalça: é a figura que empunha a espada em movimento de raiva; é neste episódio que, supostamente, Simão Pedro cortou a orelha de Malco o qual está ajoelhado na frente de Jesus; por sua vez Jesus está com a orelha de Malco na mão (figura 20) e a sua expressão corporal e a bondade expressa no rosto dão a sensação de que Ele iria curar o seu ferimento.

No conjunto escultórico da Capela da Prisão (figura 19) Judas está atrás da imagem de Cristo com os braços abertos como se tivesse levado um susto com a cena do corte da orelha (figura 20). A figura 22 mostra o detalhe dos pés de Judas; se observar, verifica-se que o pé direito de Judas está retorcido como se ele estive usando o calçado errado, talvez isso seja uma alusão à traição, para diferenciá-lo entre os demais acentuando a imagem de traidor, assim não havendo dúvidas.

Figura  19  -­‐  Capela  da  Prisão  -­‐  Congonhas  -­‐  Foto  acervo  da  autora Figura  20  -­‐  Detalhe  Capela  da  Prisão  -­‐   Congonhas  -­‐  Orelha  de  Malco  -­‐  foto  

Capítulo  IV  –  Simbologias  Religiosas  

Os demais integrantes da encenação criam um diálogo na cena devido às expressões faciais realizadas por Aleijadinho29 onde somente a expressão facial do Cristo e de Pedro são suaves; as demais têm um aspecto grotesco e de maldade. As roupas representadas nos soldados possuem um aspecto diferente das roupas dos romanos. Na história bíblica eram soldados romanos, aqui verifica-se que estas personagens usam roupas normais, cotidianas.

No fundo da capela, quatro caricaturais figuras de soldados romanos avançam com varapaus e archotes, atributos expressamente indicados nos textos evangélicos relacionados ao episódio da prisão. O tradicional uniforme da guarda romana sofreu algumas adaptações, como a substituição das sandálias de cano alto por botas fechadas e a introdução de calções por baixo das túnicas curtas, com colarinhos abotoados. (...) a vestimenta de Malco, que não era soldado romano, mas acabou vestido como um deles, sem espada e capacete, este substituído por uma espécie de quipa judaica, decorada com uma pata de leão. (Oliveira 2006:87)

Em Braga há, na sequência, uma capela intitulada de Capela das Trevas30 aqui não contemplada, pois em Congonhas do Campo esta capela não foi realizada.

                                                                                                                         

29No livro Os Passos de Congonhas e Suas Restaurações a autora Myriam A. R. Oliveira atribui a Aleijadinho somente a escultura de Jesus, Pedro e Malco.

30 Em Braga esta é a 4ª Cena dos Passos, em que Jesus é o único figurante e está sentado solitariamente

com uma venda nos olhos e as mãos presas.

Figura  21  -­‐  Detalhe  Capela  da  Prisão  -­‐  Judas  -­‐  foto   acervo  da  autora

Figura  22  -­‐  Capela  da  Prisão  -­‐   detalhe  pés  de  Judas  -­‐  foto  acervo