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3.8 Aspectos da vida religiosa

3.8.1 As capelas

Os imigrantes italianos trouxeram consigo além dos diferentes dialetos também a religiosidade em suas mais variadas manifestações. Tal era a importância dada pelos imigrantes para a religião que, já nos primeiros tempos, superadas as dificuldades iniciais, a próxima tarefa era construir, com a colaboração da comunidade, o local onde poderiam ser feitos os cultos. Como os demais fatores que caracterizam a imigração italiana no Rio Grande

40 Sobre essas expressões, é o próprio Frei Stawinski quem elenca uma série considerável de exemplos na mesma nota introdutória de que se fala aqui. Entre os exemplos, podem-se citar: “[...] surasco, simaron, cuia [...]” (p. 3), característicos não apenas do novo contexto, mas de costumes típicos da cultura gaúcha – churrasco, chimarrão, cuia.

do Sul e a sua cultura, também o motivo do surgimento das capelas e a maneira como isso ocorreu se caracterizaram como traços que essa cultura foi definindo, quando se percebeu inserida em uma nova ecologia com as condições de que dispunha nesse novo contexto.

Como as condições da América mostravam-se diferentes das do país de origem, ao invés das pequenas paróquias que formavam os paesi que os imigrantes conheciam na Itália, aqui foram surgindo as capelas. Na obra Imigração italiana: estudos (1979), é possível ler o depoimento de Dom Benedito Zorzi, que esclarece uma das possíveis relações entre as pequenas paróquias da Itália e as capelas nas colônias de imigrantes italianos no Nordeste do Rio Grande do Sul.

Parece que o que eu vou dizer pode esclarecer a origem das capelas aqui. A região do Vêneto, que visitei em 1954, é pontilhada de “paesi” quer dizer cidadezinhas, vilas, e todos com “la so chiesa e il so campanile”, a igreja e o campanário. E cada um daqueles lugares é paróquia. Não existem capelas lá, praticamente; uma ou outra igreja isolada existe, mas muito poucas. O que existe são paróquias. A idéia deles era: a vila, uma cidadezinha e o pároco. E muitos moravam ali, formando “il paese” e trabalhando nos campos, pequenas frações de meio hectare, ao redor. E aí então entendi, ou ao menos me pareceu entender, que os nossos avós que vieram para cá tinham muito isso na cabeça: “la chiesa e il campanile”. Aqui, queriam fazer das capelas a sede de futuras paróquias. Depois, alguma predominou, ficando paróquia mesmo. (p. 42)

Havia o anseio de que a capela pudesse, um dia, ter seu padre e então ser elevada à categoria de paróquia. (DE BONI et al. 1980) A capela se diferia da paróquia não apenas quanto ao contexto que desencadeou seu surgimento nas colônias italianas do Rio Grande do Sul, como quanto ao processo necessário para o surgimento de uma e de outra. O surgimento de uma paróquia somente era possível com a permissão de uma autoridade eclesiástica. A essa autoridade caberia também a tarefa de indicar um padre que seria o pároco. O pároco realizaria as funções de direção e coordenação das atividades da paróquia.

A capela do interior da RCI, por sua vez, era construída por decisão dos membros daquela comunidade, sem a necessidade de aprovação de uma autoridade eclesiástica.41 Também era o grupo da própria comunidade que delimitava normas e escolhia seus dirigentes. Nas palavras de De Boni et al. a capela constituiu-se em “um modo diferente de organização social, alicerçado na igualdade dos membros, na pequena propriedade, na

41 Os imigrantes italianos se encarregaram de encontrar meios para manter e expressar suas crenças, mesmo sem dependerem da aprovação de uma autoridade da grande tradição (o clero). O povo, aqui constituído pelos imigrantes italianos, buscava alternativas para realizar as cerimônias nas quais mantinha vivas a fé e as crenças religiosas. Não só as capelas, como também o surgimento dos padres-leigos acabariam por se delinear como traços da cultura da imigração italiana no estado.

policultura e no trabalho familiar, teve, também, uma forma diferente de vida religiosa”. (1980, p. 237) Esse diferente modo de organização vinha atender às necessidades daquele novo contexto. O mesmo ocorrendo quanto à forma como os imigrantes italianos mantiveram a realização de algumas cerimônias com os meios de que dispunham na época.

Cada comunidade, ao longo das linhas, dedicava-se à construção de sua capela. E, tanto isso lhes era importante, que até mesmo a escolha do local a ser construída a capela ou do santo padroeiro se constituíam em tarefa especial e, muitas vezes, motivadora de conflitos e desavenças. Segundo Frosi e Mioranza, “a construção de capelas não atendia apenas às suas necessidades do culto; ligava-se também ao fato sócio-econômico”. (1975, p.73-74) Isso porque as comunidades tinham na capela não apenas a oportunidade de reforçar sua religião, como de encontrar-se com as famílias vizinhas, dividir os anseios, contar as experiências, enfim, alimentar uma vida em sociedade. Sobre a importância do papel da capela em cada comunidade, Zagonel salienta que “fosse em madeira ou alvenaria, a capela era sempre uma obra da comunidade, lugar de culto e centro social, centro comercial e sinal de progresso e prestígio da região. A seu redor a vida se desenvolvia, desde o comércio até a escola”. (1975, p. 53) Ter uma capela em boas condições parecia refletir, em alguma medida, que aquela comunidade havia progredido, embora as condições adversas.

À parte o empenho dos colonos em construir sua capela, a assistência religiosa nos primeiros tempos em muito deixou a desejar. O clero não dispunha de religiosos em número suficiente para assistir a grande região de colonização com a freqüência de que esses povoados necessitavam. Os imigrantes, por sua vez, quase sem assistência religiosa, procuraram meios de manter sua religiosidade naquele novo contexto e com os recursos de que dispunham. Para minimizar o abandono em que se encontravam, passaram a realizar suas cerimônias sob a coordenação de membros da própria comunidade, os quais denominavam “padres-leigos”.

No documento Nanetto Pipetta : modos de representação (páginas 66-68)