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Emigração: um interesse para a Itália

No documento Nanetto Pipetta : modos de representação (páginas 50-52)

Realizar o estudo da imigração italiana no Rio Grande do Sul, ainda que em grandes traços, é necessário para compreender o contexto histórico do qual a obra de Aquiles Bernardi foi resultado. Mais do que isso, analisando a história da imigração italiana, estar-se-á procurando compreender um contexto real que, de certa forma, se viu transfigurado na construção de muitas das representações da obra que aqui se analisa.

É sempre bom lembrar que tanto o contexto da Itália quanto a situação do Brasil, no fim do século XIX, colaboraram para que o processo imigratório ocorresse nas proporções em que se deu. Assim, atribuir a causa da imigração italiana a fatores isolados – como à miséria em que vivia grande parte dos italianos – pode resultar em uma visão parcial e simplista desse processo complexo. A Itália não estava menos interessada do que o Brasil na imigração. E esses interesses, embora distintos entre si, mostraram-se em concordância ao verem na imigração uma possível solução para boa parte dos problemas pelos quais passavam.

Essa relação de interesses afins é trazida à discussão por Franzina. Sobre ela o autor afirma:

L’ emigrazione, infatti, rappresenta um fenomeno demografico ed economico destinato a caratterizzarsi per la duplicità dei suoi fatori formativi. Esistono un’area di partenza e un’area di destinazione; e ancora vi sono stimoli “espulsivi” e stimoli “atrativi”: la loro importanza o addirittura decisività variano, s’intende, col variare delle situazione storiche di fondo, ma sempre ci riportano a un quadro complesso ch’è quello dell’evoluzione del capitalismo dagli anni cinquanta del secolo scorso in poi. (1976, p. 16)27

Quanto à Itália, é possível que uma das principais causas que viria a desencadear o processo de imigração esteja ligada ao contexto definido por Franzina como i tempi della

transizione del nostro paese da uno stadio agricolo e preindustriale a uno stadio di relativa e del tutto specifica maturità capitalistica.28 (1976, p.16). Mas, mesmo esse processo de

transição da agricultura para a indústria, em direção ao capitalismo, não ocorreu de forma

27 “A emigração, enfim, representa um fenômeno demográfico e econômico destinado a caracterizar-se pela duplicidade de seus fatores formativos. Existe uma área de partida e uma área de destinação; e existem ainda estímulos “expulsivos” e estímulos “atrativos”: a sua importância decisiva varia, se entende, com a variação das situações históricas de fundo, mas sempre se referem a um quadro complexo que é aquele da evolução do capitalismo dos anos cinqüenta do século passado em diante.” (T. da A.)

28 “ Os tempos da transição do nosso país de um estado agrícola e pré-industrial a um estado de relativa e de todo específica maturidade capitalista.” (T. da A.)

isolada. Houve toda uma cadeia de fatores econômicos e sociais que acabariam resultando na questão apontada por Franzina.

A Itália, por volta de 1870, reunificada após um conturbado período, havia conseguido estabelecer seus limites políticos e territoriais. Entretanto, ainda que o movimento de unificação tenha solucionado as questões políticas pelas quais o país passava, os problemas socioeconômicos continuavam tomando proporções preocupantes.

A economia era dependente de poucos industriais e de muitos latifundiários ainda afeitos a esquemas econômicos medievais de feudalismo e de exploração da força operária e agrícola. [...] Se uma reconstrução geopolítica tivesse acarretado uma reforma econômica de base, com uma reformulação de estatutos de terras e posses, com uma agricultura baseada na pequena propriedade, os movimentos migratórios que se verificaram no norte da Itália, em fins do século XIX, talvez não se tivessem registrado nas proporções em que ocorreram. (FROSI; MIORANZA, 1975, p.11-12)

O que se viu então foi uma Itália que, mesmo unificada em seus limites políticos, estabelecia em seu interior divisões e barreiras sociais cada vez mais nítidas. O Norte da Itália foi atingido por essa crise de maneira particular. De um lado, com a principal concentração de indústrias na região – dependente por isso do capital externo –, não havia como ocupar a “grande quantidade de mão-de-obra disponível”. (GIRON, 1980, p. 51); por outro lado, pela situação em que muitos camponeses se encontravam, por não disporem de grandes recursos

que pudessem garantir sua sobrevivência. Para obterem rendas um pouco maiores muitos

camponeses trabalhavam em terras de grandes latifundiários, sendo “remunerados senão com os meios essenciais à subsistência” (FROSI; MIORANZA, 1975, p. 13-14) e, mais do que isso, sem perspectivas de mudanças nesse quadro. Mesmo os pequenos proprietários mostravam-se sujeitos “à violência das crises conjunturais”. (FRANZINA, 1976, p. 19-20) À crescente expansão do capitalismo e à situação pela qual passavam os camponeses do Norte da Itália acrescentavam-se ainda outros fatores que contribuíam para aumentar sua situação de pobreza.

[...] o extremo fracionamento da terra, os salários baixos e os elevados tributos eram também um fator de pobreza no Vêneto. O cultivo dos minúsculos lotes em todo o Norte não bastava para sustentar as famílias, em sua maioria numerosas. Era necessário procurar outros meios de vida, emigrando para diversas partes do país, ou do estrangeiro, procurando trabalho nas indústrias que começavam a florescer na região, dedicando-se a algumas manufaturas caseiras como a fiação e a tecelagem de lã e algodão, o fabrico de móveis – rústicos de madeira, o preparo de conservas alimentares. (AZEVEDO, 1975, p.17)

Não bastassem as condições adversas já mencionadas e, em muitos casos, em decorrência delas, o Norte da Itália enfrentava, no fim do século XIX, doenças epidêmicas como a malária e as febres intermitentes. Dentre as muitas doenças, o maior dos flagelos era a pelagra (AZEVEDO, 1975), uma doença com sintomas cutâneos, gastrointestinais e nervosos, que surgia em decorrência da precária alimentação, constituída em grande parte de produtos feitos a partir das farinhas de milho e de trigo, desprovida de proteínas animais e vitaminas.

É num contexto de dificuldades, fome, miséria e falta de perspectivas, que muitos italianos decidem emigrar. A Itália parece ter visto na imigração não só uma maneira de resolver parte de seus problemas, mas um empreendimento lucrativo com as atividades de embarcação e transporte daqueles que partiam. Essa concepção da Itália sobre o processo de imigração é apontada por Giron, quando afirma que,

[...] além da solução individual dos problemas econômicos, a saída dos italianos tornou-se um empreendimento altamente rentável para o Reino. A cobrança das passagens, e, mais tarde, a remessa de lucros dos emigrantes, para seus parentes italianos, forneceram um movimento de capital, que não pode ser deixado de lado, nem ser desvinculado do progresso econômico apresentado pelo país na última década do século XIX. (1980, p. 52)

Todavia, se por um lado os estímulos expulsivos eram vários, do outro os estímulos atrativos não eram menores. Do outro lado do oceano, a imigração também era vista como algo positivo. Dessa forma, coube ao Brasil apresentar os estímulos de atração que viriam a colaborar para que o processo de imigração se efetivasse da maneira como ocorreu.

No documento Nanetto Pipetta : modos de representação (páginas 50-52)