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Os frades capuchinhos

No documento Nanetto Pipetta : modos de representação (páginas 70-72)

3.8 Aspectos da vida religiosa

3.8.3 Os frades capuchinhos

Mesmo em condições precárias, os imigrantes italianos procuravam alternativas para preservar sua fé em um ambiente repleto de condições adversas. Contudo, a situação precária do clero não se limitava às colônias italianas. De Boni et al. mencionam em seus estudos que à situação instalada nas colônias de imigrantes italianos somava-se outra também séria, “a situação de decadência em que se encontrava o Catolicismo no resto do estado”. (1980, p.237).

Frente a essa situação, bispos de todo o país se reuniram e solicitaram ajuda das Igrejas européias. Os bispos pretendiam receber auxílio com o envio de padres e religiosos europeus para a tarefa de retomada da Igreja católica no Rio Grande do Sul. E, de fato, o pedido teve resposta positiva. Dentre os religiosos enviados para o trabalho em território gaúcho, De Boni et al. ressaltam:

Os Jesuítas, chegados já em 1848, para trabalhar junto aos imigrantes alemães, somavam aproximadamente 100 religiosos em 1900. As Franciscanas da Caridade, no Estado desde 1872, estavam abrindo casas em diversas localidades. Desde 1856, encontravam-se em Porto Alegre as Irmãs do Imaculado Coração de Maria, que começavam a fundar outras residências pelo Estado só após a proclamação da República. Em 1886, haviam aportado os Palotinos alemães. Em 1896, chegaram os Capuchinhos franceses e os Carlistas italianos, precedidos, no ano anterior, pelas Irmãs de Santa Catarina; [...] Ao dobrar o século, segundo dados apresentados por C. A. Zagonel, mais de 520 padres, religiosos e religiosas europeus estavam trabalhando no Estado. (1980, p. 240)

Dentre os religiosos das diversas congregações européias que vieram para o Brasil, esta análise se voltará com mais ênfase à vinda dos capuchinhos franceses ao Rio Grande do Sul. O motivo refere-se ao fato de o autor de Nanetto Pipetta ter sido um frade capuchinho. E, para que se compreenda como se estruturam algumas linhas de pensamento que sustentam a obra, compreender um pouco mais esse segmento religioso talvez signifique compreender o próprio fazer literário de Aquiles Bernardi, tendo-se sempre em mente as diferenciações necessárias entre a pessoa e o autor da obra.

De maneira parecida ao que ocorreu quando da vinda de imigrantes italianos para o Brasil, também a vinda de religiosos resultava de interesses comuns do local de partida para o local de destino. No que se refere à situação da Igreja católica no Rio Grande do Sul, não só as colônias, mas o estado em si apresentava um cenário de decadência. Desse cenário faziam parte também o clero. (DE BONI et al., 1980) Por outro lado, a vinda dos capuchinhos franceses para o Rio Grande do Sul interessava às autoridades francesas. A França, por alguns fatores do contexto da época, também acabava por oferecer motivos que justificam a vinda dos capuchinhos franceses para o Brasil.

Ao chegarem em Porto Alegre, os frades capuchinhos foram recebidos por Dom Cláudio, tendo sido então encaminhados para a Colônia Italiana. Foi dada aos capuchinhos a possibilidade de escolha entre Conde d’Eu e Alfredo Chaves. E, mesmo frente à peculiar descrição feita por Dom Cláudio, os capuchinhos escolheram Conde d’Eu.42 Após dois dias de viagem por um caminho “cheio de barrancos e atoladouros” (ZAGONEL, 1975, p.138) chegaram ao seu destino. Os frades, por onde passavam, eram acompanhados pelos olhares curiosos dos imigrantes. Hospedados na casa oferecida pelo vigário, os capuchinhos franceses deram início aos seus trabalhos nas colônias de imigrantes italianos, no Nordeste do Rio Grande do Sul.

Afora a surpresa do primeiro encontro, os estudos apontam para o fato de os capuchinhos franceses terem sido recebidos de maneira positiva nas colônias de imigrantes italianos do Rio Grande do Sul. Frente à situação desse novo contexto, os capuchinhos deram início às suas atividades de pregação, entre as quais estava o trabalho das Missões. Para essa tarefa, o trabalho a ser desenvolvido por eles, nas colônias de imigrantes italianos, precisaria ser adequado, em alguma medida, às condições e às necessidades daquela nova ecologia. Também talvez pudesse se constituir em fecunda fonte para futuras discussões, a denominação de “capuchinhos gaúchos” à qual Zagonel faz referência.

Ao se falar das necessidades impostas pela ecologia das colônias em que se instalaram os imigrantes italianos, é provável que se perceba quão literal é essa afirmação. Isso porque, à parte a adaptação a essa cultura diferente, a natureza, como meio, já apresentava, por si, um obstáculo a ser enfrentado na jornada capuchinha no Rio Grande do Sul. A pregação capuchinha, caracterizada pelo trabalho de Missões, foi revista no contexto das colônias de

42 A descrição de que se fala aqui é apresentada por Zagonel da seguinte forma: “Conde d’Eu é uma pequena vila onde nenhum padre conseguiu permanecer até agora. Experimentai, se quiserdes, mas não lograreis demorar-vos lá por muito tempo.” (1975, p. 138)

imigrantes italianos onde as longas distâncias e os caminhos a serem percorridos delimitariam o ritmo com que essa atividade seria realizada.

O trabalho missionário era de estilo heróico. Incansáveis, passavam de missão em missão, quase sem descansar. Dormiam mal e abrigados em casas construídas com planchas apresentando frestas tão largas que a ventilação era desnecessária. O sacrifício dos missionários era correspondido pela fome de Deus que o povo manifestava. Tempo de missão era dia feriado. Todos acorriam para confessar-se e para comungar, depois de longos anos de jejum. (ZAGONEL, 1975, p.141)

De maneira paralela ao trabalho das missões realizado pelos capuchinhos, alguns conventos foram construídos. Da paróquia de Conde d’Eu, em março de 1889, os frades se mudaram para Nova Trento. Depois desse, um segundo convento foi construído em Esperança, seguido de outro, em Alfredo Chaves, que recebeu a Escola Seráfica. Em 1903, os capuchinhos instalaram-se em Vacaria, mesmo ano em que chegaram as Irmãs de São José. O trabalho dos capuchinhos franceses também se fez presente em Porto Alegre, Lagoa Vermelha, Sananduva, Erechim e Jaguari. Entretanto, são dos primeiros empreendimentos que os relatos dos próprios freis a que se teve acesso tratam com mais ênfase. Também o campo de trabalho, na análise que se faz aqui, se circunscreve a esses primeiros conventos, onde, decorridos alguns anos, seria recebido o jovem Aquiles Bernardi, mais tarde Frei Paulino de Caxias.

No documento Nanetto Pipetta : modos de representação (páginas 70-72)