• Nenhum resultado encontrado

por substituição de importações (1969-1981)

4. Capital humano

É natural que a produtividade dos trabalhadores aumente quando eles têm mais aptidões, melhor saúde, mais treinamento e maior resiliência, ou seja, quando têm mais capital humano. Boa parte da bibliografia sobre desenvolvimento põe o foco no capital humano como um fator central no crescimento (ver Caselli, 2005). Esse fator é cada vez mais importante, pois a natureza do trabalho evoluiu em resposta às rápidas mudanças tecnológicas (Murphy e Topel, 2016). Presumimos que, além de sua função como fator de produção, o capital humano (anos de formação ajustados por sua qualidade, taxa de mortalidade, etc.), também está relacionado com as diferenças na produtividade medida (que inclui tanto a produtividade total dos fatores quanto a produtividade do trabalho). Analisamos também, quais seriam os efeitos de contar com um nível de capital humano semelhante ao da fronteira (definida como o país com o nível mais alto de capital humano).

Para medir a relevância do capital humano nos países da América Latina, utilizamos o índice de capital humano divulgado recentemente pelo Banco Mundial (2018). Esse índice mede o capital humano da próxima geração, definido como a quantidade de capital humano que uma criança nascida hoje pode esperar atingir, dada a qualidade da saúde e educação disponíveis no país onde mora. Possui três componentes:

i. Sobrevivência: Este componente reflete o fato de que as crianças

nascidas hoje devem sobreviver até que possa começar o processo de acumulação de capital humano, mediante a educação formal. A sobrevivência é medida pela taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade.

ii. Anos esperados de escolaridade ajustados pela aprendizagem: Esta

medida é obtida combinando informações sobre a quantidade de educação que uma criança pode esperar obter antes dos 18 anos, com a qualidade dessa educação (quanto as crianças aprendem na escola, com base no desempenho relativo de seu país nos testes internacionais de conquistas dos alunos). Quando ajustado pela qualidade, este componente reflete a realidade de que em alguns países as crianças aprendem muito menos do que em outros, apesar de permanecerem uma quantidade de tempo semelhante na escola.

iii. Saúde: Este componente utiliza dois indicadores das condições gerais da saúde de um país: 1) a taxa de atraso do crescimento em crianças menores de 5 anos de idade; e 2) a taxa de sobrevivência de adultos, definida como a proporção de jovens de 15 anos que chegarão até os 60 anos. O primeiro indicador reflete as condições de saúde vivenciadas durante o desenvolvimento pré-natal, em bebês e na primeira infância. O segundo reflete o espectro de resultados que uma criança nascida hoje pode experimentar como adulta, em matéria de saúde.

Os componentes de saúde e educação do índice são combinados para, posteriormente, refletir sua contribuição para a produtividade dos trabalhadores, segundo análises rigorosas empíricas microeconométricas5. O índice resultante varia de 0 a 1. O índice atribuirá um valor de 1 a um país no qual uma criança nascida hoje pode esperar atingir tanto uma saúde plena (sem atrasos do crescimento e com 100 por cento de sobrevivência adulta), quanto um potencial educacional integral (14 anos de escola de boa qualidade antes dos 18 anos). Por conseguinte, um resultado de 0,70 indica que a produtividade de uma criança nascida hoje como futura trabalhadora é 30 por cento menor do que aquela criança poderia ter atingido se tivesse recebido educação integral e saúde plena.

Como os fundamentos teóricos do índice de capital humano são desenvolvidos no contexto da literatura sobre contabilidade do desenvolvimento, o índice está vinculado a diferenças na renda real que um país pode gerar no longo prazo. Se um país obtém um resultado de 0,50, o PIB por trabalhador poderia duplicar, a menos que o país conseguisse oferecer educação integral e saúde plena.

A tabela 6 apresenta o índice de capital humano e alguns de seus componentes para todos os países latino-americanos para os quais está disponível. Também apresentamos os dados dos Estados Unidos, da Coreia do Sul e de Singapura. Incluímos este último país porque detém o valor mais alto deste índice (maior do que os Estados Unidos). Portanto, no caso do capital humano, podemos dizer que a fronteira é Singapura e os Estados Unidos são relativamente ineficientes. É interessante que a Coreia do Sul (o exemplo de sucesso do desenvolvimento que mencionamos), também tem um número mais alto do que os Estados Unidos.

Em primeiro lugar, deve-se observar que existe uma relação clara entre o índice de capital humano e o PIB per capita (não apresentado na tabela). Os países da América Latina com os valores mais altos e mais baixos são, respectivamente, o Chile e o Haiti, conforme o esperado. Deve-se considerar também, que existe uma correlação entre os diferentes componentes do índice de capital humano. Normalmente, um país com uma taxa de sobrevivência relativamente baixa também apresenta valores baixos no atraso do crescimento e escolaridade. Porém, há algumas exceções interessantes. Por exemplo, a Guatemala tem um número de anos esperados de escolaridade desproporcionalmente baixo. Isso indica que pode haver margem para a adoção de políticas específicas que reduzam a evasão escolar nesse país.

Para entender o impacto quantitativo do capital humano no desenvolvimento, podemos usar a média simples dos países latino-americanos representados na tabela 6. Esse país representativo da América Latina teria 7,8 anos de escolaridade ajustados pela aprendizagem e um índice de capital humano de 0,56. Caso esse país pudesse melhorar seu capital humano de forma que convergisse com o de Singapura, o impacto em seu PIB per capita seria de

57%, o que obviamente é um impacto muito substancial. A última coluna da tabela 6 apresenta o impacto em cada um dos países.

Que consequências têm estas conclusões em termos das políticas a serem adotadas? Certamente, o capital humano é um motor central de produtividade e crescimento sustentável. No entanto, muitas vezes é difícil defender os investimentos em capital humano. Afinal, os benefícios de investir nas pessoas podem demorar muito tempo para se materializar. Como consequência disso, os países da América Latina costumam não investir o suficiente em capital humano, desaproveitando assim uma oportunidade de aumentar sua produtividade. As questões relativas à economia política também têm a ver com o atraso nesse investimento (grupos de interesse, facilidade de encontrar soluções alternativas, adoção das reformas necessárias, etc.).

TABELA 6. Índice de capital humano, 2018 Probabilidade de sobrevivência até os 5 anos de idade Anos de escolaridade esperados Anos de escolaridade ajustados pela aprendizagem Adultos: Taxa de sobrevivência Faixa de crianças menores de 5 anos sem atraso do crescimento Índice de capital humano Distorção (%) Argentina 0,99 13,1 8,9 0,89 0,61 44,3 Brasil 0,99 11,7 7,6 0,86 0,94 0,56 57,1 Chile 0,99 12,8 9,6 0,91 0,98 0,67 31,3 Colômbia 0,99 12,5 8,5 0,86 0,89 0,59 49,2 Costa Rica 0,99 12,5 8,6 0,92 0,94 0,62 41,9 Equador 0,99 13,2 8,9 0,88 0,76 0,60 46,7 El Salvador 0,99 11,3 6,5 0,83 0,86 0,50 76,0 Guatemala 0,97 9,7 6,3 0,84 0,53 0,46 91,3 Haiti 0,93 11,4 6,3 0,76 0,78 0,45 95,6 Honduras 0,98 10,0 6,4 0,86 0,77 0,49 79,64 México 0,99 12,6 8,6 0,89 0,88 0,61 44,3 Nicarágua 0,98 11,6 7,3 0,86 0,83 0,53 66,0 Paraguai 0,98 11,5 7,1 0,86 0,94 0,53 66,0 Peru 0,99 12,7 8,3 0,88 0,87 0,59 49,2 Rep. Dominicana 0,97 11,3 6,3 0,84 0,93 0,49 79,6 Uruguai 0,99 11,8 8,4 0,90 0,89 0,60 46,7 Coreia do Sul 1,00 13,6 12,2 0,94 0,98 0,84 4,8 Estados Unidos 0,99 13,3 11,1 0,90 0,98 0,76 15,8 Singapura 1,00 13,9 12,9 0,95 0,88 0,0

Fonte: Índice de capital humano divulgado recentemente pelo Banco Mundial (2018).

Deve-se fazer uma observação final sobre a relação entre o capital humano e a composição setorial que analisamos na seção 3. Conforme observado, não está claro por que uma pessoa escolheria trabalhar em setores menos produtivos. Seu baixo nível de capital humano e a consequente inaptidão de trabalhar em setores mais produtivos parecem ser boas explicações. Ao comparar as distorções geradas pelo capital humano com aquelas relacionadas com a má distribuição setorial (nos dois países onde esses dados estão disponíveis), vemos que a distorção relacionada ao capital humano é mais importante do que a distorção relativa à má distribuição

setorial. Por esta razão, é pelo menos admissível que a distorção pelo capital humano também inclua a distorção referente a uma má distribuição setorial. Considerando isso, escolhemos remover a má distribuição setorial de nossa tabela de distorções e nos focalizamos apenas na questão do capital humano, além da má distribuição entre empresas e outras distorções que analisamos nas próximas seções.