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O problema das renegociações

infraestrutura na América Latina

3. As parcerias público-privadas na América Latina: vantagens

3.3. O problema das renegociações

As PPP deveriam ser adjudicadas em processos competitivos porque os mesmos reduzem o risco de corrupção e resultam em menores custos para a sociedade. A teoria econômica supõe que o resultado de uma licitação competitiva será similar ao resultado que existiria sob concorrência. No caso das PPP de infraestrutura, isso significa que a remuneração que solicita a empresa adjudicatária se aproxima ao custo de construção, operação e manutenção, mais o pagamento do capital envolvido, ajustado pelo risco do negócio.

Contudo, em uma relação de longo prazo, acontecem eventos que tornam necessário renegociar as concessões. Na ausência de uma institucionalidade eficiente para resolver as diferenças que ocorrem, a negociação bilateral entre as partes dá um resultado que oferece ao concessionário uma rentabilidade positiva e superior à competitiva. É o que Williamson denomina transformação fundamental (1976). A tabela 1 apresenta o número e o valor das renegociações em alguns países da América Latina. Nessa tabela, é possível ver que as renegociações contratuais foram importantes nos três países, mas especialmente na Colômbia, onde são quase dez vezes maiores durante a fase de construção. Isso oferece uma vantagem competitiva às empresas especialmente experimentadas em negociações com o Estado, deixando em desvantagem a outras cuja fortaleza é técnica14.

14 Também, a expectativa de renegociações contratuais “simples” eliminam a vantagem das PPP autofinanciadas como filtro de projetos que são “elefantes brancos”.

TABELA 1. Renegociações de estradas sob a modalidade PPP na América Latina

Chile Colômbia Peru

Número 20 25 14

Média de investimento inicial (MM USD) 255,8 263,2 166,3

Duração contrato inicial (anos) 25,4 16,7 23,2

Média de antiguidade das PPP 12,7 9,0 3,8

N.o de renegociações 58 430 47

Reneg. durante a construção 31 218 33

Média renegociação construção/ Média

investimento inicial 7,5 41,3 9,0

Média renegociação/Média investimento inicial

(%) 16,5 85,1 13,7

Média ponderada de investimento inicial

renegociação por ano (%) 1,1 14,9 5,8

Aumento de prazo (anos) 0,9 5,3 0,1

Fonte: Engel, Fischer e Galetovic (2019) com dados de Bitrán et al. (2013).

Respeito do tipo de renegociações, estas podem se dividir em legítimas e ilegítimas. As primeiras acontecem devido a eventos que não foram fáceis de predizer no momento de elaborar o contrato. Um exemplo é quando a demanda aumenta mais do que o projetado, pelo qual é necessário ampliar a estrada antes do final do contrato. Devido a que os possíveis eventos futuros são muitos, não todos podem ser incorporados no contrato de PPP, pelo qual alterar o contrato nessas circunstâncias é legítimo. É importante, porém, dispor de um sistema de resolução de conflitos eficiente e equitativo, que não aumente a rentabilidade do projeto quando acontecem esses eventos.

As renegociações podem ser denominadas ilegítimas quando correspondem a fatos previsíveis – por exemplo, aspectos construtivos – ou quando uma das partes do contrato deseja alterar o mesmo em seu favor. Isso pode-se ver no caso do Chile (tabela 2), mas também no do Brasil. De Castro e Silva Neto, Oliveira Cruz e Miranda Sarmento (2018) mostram que, nos 42 casos estudados no Brasil, a primeira renegociação contratual aconteceu antes do terceiro ano da PPP, quer dizer, durante a fase construtiva. Outro exemplo de renegociação ilegítima é quando altera-se o contrato para incorporar obras que não faziam parte do projeto original, como por exemplo, acrescentando outras estradas na Colômbia ou tubulações de água de chuva em Santiago do Chile. Outro caso onde as renegociações podem ser classificadas como ilegítimas é quando visam resgatar o concessionário, como aconteceu com a primeira geração de concessões no México, durante a década dos anos 90.

Devido à importância que as renegociações podem ter na rentabilidade das empresas, o processo licitatório é alterado e as empresas se dispõem a fazer ofertas abaixo do custo para garantir a concessão se souberem que poderão renegociá-la. Devido a que os resultados das renegociações beneficiam às empresas com maior capacidade para renegociar contratos, estas são habilidades favorecidas nas entidades que participam dos processos licitatórios de PPP. Isto tem dois efeitos: reduz a concorrência pela licitação, já que as empresas que não são renegociadoras preferem não participar, e se debilita a santidade do contrato (Guasch, Laffont e Straub, 2002).

Além dos mecanismos de resolução de conflitos, a transparência é uma forma de limitar as renegociações. Quando todos os detalhes dos contratos e as suas alterações aparecem publicados em uma página web correspondente ao projeto, é possível determinar os responsáveis da renegociação, qual é o valor que tem para os investidores privados e outros aspectos que tornam mais difícil que os renegociadores do Estado sejam moles com os atores privados, ou pelo contrário, que o expropriem. Outra forma de limitar as renegociações ilegítimas é fazer as mesmas automaticamente menos lucrativas estipulando que, quando houver ampliações ou novas obras, as mesmas sejam leiloadas sob condições supervisionadas pela Autoridade. A reforma da Lei de Concessões de 2010 no Chile incluiu medidas como esta para reduzir a importância das renegociações. Como exibe a tabela 2, obtida de Engel et al. (2020), a redução nas renegociações com a nova lei foi notável.

TABELA 2. Renegociações no Chile antes e depois da reforma de 2010

Estradas Transporte

Renegociações Renegociações

N.o (% do investimento) N.o (% do investimento)

Pré-reforma de 2010 29 26,1% 44 27,6%

Pós-reforma de 2010 15 0,7% 25 0,9%

Fonte: Engel et al. (2020).

Os projetos licitados em leilões devem ser oferecidos em um estado de projeto suficientemente detalhado para não gerar conflitos devido à omissão de aspectos importantes ao passar para o projeto detalhado. Os projetos deveriam ser oferecidos também reduzindo aqueles riscos que são difíceis de resolver por parte dos investidores privados. Os problemas ambientais e de expropriações são os que agregam maior risco construtivo aos projetos. Por isso, os projetos deveriam ser licitados com pelo menos pré-estudos ambientais e o Estado deveria ser responsável das expropriações dos terrenos necessários para o projeto. Estas medidas podem mitigar riscos que levam a negociar os contratos.

Nas renegociações, aparece novamente uma vantagem de dois dos três mecanismos de contratação sugeridos na seção anterior: o contrato de disponibilidade e o de valor presente da receita. A vantagem é que uma alternativa à renegociação é a recompra do contrato, o qual é fácil em ambos os casos. Sob um contrato de disponibilidade só se deve pagar o valor descontado do que faltava para compensar os custos de investimento. No caso de um contrato de valor presente, a recompra consiste em pagar o que faltava para arrecadar, menos o custo de operação e manutenção durante o resto do contrato, um valor por veículo que deveria estar definido no contrato15. Pelo contrário, num contrato de prazo fixo, a demanda futura é desconhecida, havendo disputas sobre o valor de recompra e sobre o valor de economia nos custos de operação e manutenção quando finalizar antecipadamente a concessão.

Existe evidência sobre a redução no montante das renegociações nos contratos de valor presente da receita, como o apresenta a tabela 3, obtido de Engel et al. (2020). As tabelas 2 e 3 sugerem que reformas que limitam os lucros em renegociações (alteração na lei de PPP de 2010), junto ao uso do valor presente da receita, levam a um redução importante no número e os valores renegociados dos contratos. A evidência não permite chegar a conclusões causais sobre o efeito de cada um desses fatores porque os contratos de prazo fixo e de valor presente da receita não foram usados em forma concorrente.

Contudo, a significativa redução nas renegociações produto de ambas as reformas e seu sustento teórico sugerem que esta combinação de políticas deveria ser considerada em outros países.

TABELA 3. Renegociações de contratos de prazo fixo e de valor presente da receita no Chile

Prazo fixo Valor presente da receita Período considerado No % Média

reneg. No % Média reneg.

Construção 20 32,0% 15 3,6%

Primeiros 8 anos de operação 20 25,2% 15 2,5%

Total (construção + oito anos de

operação) 20 57,2% 15 6,1%

Nota: Na tabela são usados apenas os 8 primeiros anos de operação porque os contratos de valor presente da receita são mais recentes.

Fonte: Engel et al. (2020).

15 Devido a que o custo da manutenção está determinado quase em sua totalidade pelo número e a composição dos veículos, é um valor que pode ser calculado no montante da recompra porque existe uma relação lineal entre o que falta por arrecadar e esses custos.