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infraestrutura na América Latina

3. As parcerias público-privadas na América Latina: vantagens

3.1. Vantagens das PPP

A economia política faz que o investimento em grandes projetos de infraestrutura, especialmente de transporte, seja um resultado observável dos diferentes governos. Isso implica que uma política efetiva de projetos de infraestrutura oferece vantagens aos governantes. É um dos incentivos para que os governos aloquem recursos a esses projetos, especialmente quando se pode assegurar que estarão finalizados antes do final de seus mandatos.

A dificuldade reside em que, em geral, os países da América Latina enfrentam restrições fiscais para investir em projetos de infraestrutura. Nesse contexto, as PPP aparecem como uma nova figura legal na qual o setor privado fornece a infraestrutura desejada, com a eficiência da empresa privada. Os governos são tentados a usar o argumento da eficiência para desenvolver projetos de PPP, embora sua real motivação seja expandir o espaço fiscal.

Conforme mostram Engel, Fischer e Galetovic (2014), esta é uma estratégia que pode favorecer o governo de turno, mas à custa dos equilíbrios fiscais futuros, já que as PPP não liberam recursos do orçamento fiscal intertemporal, mesmo quando arrecadam direitos de usuários e não envolvem pagamentos diretos do Estado10.

Isso é evidente no caso das PPP que não incluem cobranças a usuários, mas são financiadas mediante pagamentos do Estado, já que claramente essa obrigação não é diferente de um empréstimo do Estado, exceto pela forma na qual opera formalmente a contabilidade fiscal. No caso de projetos que recebem receitas de usuários, a lógica é semelhante: o Estado poderia ter construído o mesmo projeto e arrecadado as mesmas receitas que o setor privado. O que o Estado deixa de gastar ao entregar um projeto como PPP poderia ser recuperado com as receitas do projeto. Portanto, os argumentos para usar as PPP devem se basear em outra lógica que a de expandir o espaço orçamentário fiscal.

Em alguns casos, os países escolhem as PPP por convicções ideológicas, já que as empresas privadas seriam mais eficientes que o Estado na construção, operação e manutenção das obras. O problema desse discurso é que, mesmo ao construir grandes projetos de infraestrutura por sua própria conta, o Estado contrata a empresas privadas, pelo qual não há vantagens nessa dimensão. Mais ainda, como se apresentará a seguir, as PPP requerem de uma institucionalidade mais sofisticada do que a obra pública, de modo que a função do Estado é tanto ou mais importante com essa forma contratual.

10 Muitos dos argumentos desse trabalho são extraídos de Engel et al. (2014) e, para evitar repetições, incluem-se sem atribuição.

Um argumento válido para as PPP apresentado por Hart (2003) é que, como o concessionário é responsável da obra até o final do contrato, tentará minimizar os custos totais: de investimento, manutenção e operação (bundling). No projeto construído pelo Estado, a empreiteira privada apenas tem incentivos para reduzir os custos de construção. Isso implica que, num prazo equivalente ao do contrato de PPP, o projeto do Estado deveria ter maiores custos, já que a empreiteira privada não internaliza os demais custos da obra.

A vantagem das PPP respeito da manutenção das infraestruturas é claramente um aspecto positivo observado principalmente nas PPP aplicadas ao setor do transporte. Porque o concessionário deve arcar com os custos totais durante o contrato de concessão, a manutenção será regular e continua. Para que isso seja cumprido, é necessário fiscalizar o estado da obra, já que o concessionário conta com os incentivos para reduzir custos mediante uma redução na qualidade dos serviços. Quando os usuários pagam pelo projeto com pedágios, o medo às reclamações dos usuários devido à má manutenção e seus efeitos políticos contribui para manter as obras em boas condições.

Outra vantagem que foi observada na prática é que os projetos de PPP, em geral, levam menos tempo em começar a operar do que os projetos construídos pelo Estado. O motivo é que, usualmente, os pagamentos ao concessionário só iniciam quando o projeto começa a operar (especialmente no caso de projetos financiados com cobranças aos usuários). Por exemplo, Raisbeck, Dufeld e Xu (2010) comparam 21 projetos de transporte realizados mediante PPP, com 31 projetos tradicionais na Austrália. As PPP foram completadas 3,4% antes da data comprometida, enquanto os projetos tradicionais levaram 23,4% mais tempo do que o estabelecido11.

Existem outras três vantagens teóricas adicionais das PPP. Duas das mesmas são válidas apenas para projetos financiados mediante pagamento dos usuários. Primeiro, as PPP são um filtro para projetos considerados “elefantes brancos”, já que se um projeto não é lucrativo para o setor privado, este não teria interessados em fazê-lo. Segundo, por receber as receitas diretamente dos usuários gera-se uma economia de recursos. Quando o Estado é quem financia o projeto, existem custos associados à rigidez do Estado no uso dos recursos, e também pode existir corrupção ligada a esses recursos. A terceira vantagem tem a ver com a forma na qual se financiam os projetos de PPP. Aplica-se a técnica de financiamento de projetos (project finance), um mecanismo no qual o projeto e seus avanços construtivos são supervisados diretamente pelas instituições financeiras, as quais contam com melhores incentivos dos oferecidos pela supervisão do Estado.

Estas indiscutidas vantagens das PPP para projetos semelhantes construídos mediante os métodos tradicionais reduzem o problema de que essa modalidade requer contratos complexos, rígidos e de longa duração. Esta maior complexidade se traduz em maiores possibilidades de conflitos. Em alguns países da região, houve várias gerações de PPP devido ao fracasso de programas anteriores. Em cada geração foram alteradas as leis e modificaram-se os procedimentos, e esta evolução mostra cada vez melhores resultados.

11 No entanto, a National Audit Office (2009), que compara projetos PPP e não PPP no Reino Unido, não encontra diferenças significativas nas datas de entrega dos projetos.

É possível dividir as PPP entre aquelas que se financiam total ou quase totalmente mediante recursos do Estado, e aquelas nas quais uma parte importante do financiamento provém dos usuários. No primeiro caso, a incerteza sobre a demanda futura pelo projeto se reflete no seu dimensionamento (porte, quantidade de usuários que pode atender, etc.), mas esta é uma incerteza que não afeta a parte privada depois de realizado o leilão. Os riscos para os atores privados são de custos de investimento, manutenção e operação. Nesses casos, o contrato de PPP apropriado é o chamado contrato de disponibilidade. Ao concessionário é pago um valor correspondente à remuneração do investimento, além de uma quantia que abrange os custos operacionais e de manutenção do projeto, os quais dependem da demanda que enfrenta. Se a qualidade do serviço não atender os padrões contratados, o concessionário é castigado mediante reduções nos pagamentos. Esse tipo de contratos é utilizado no Reino Unido para a construção de hospitais e escolas desde a década dos anos 90. Quando eliminar o risco da demanda, o concessionário pode se concentrar em reduzir os custos do ciclo de vida do contrato, sujeito a satisfazer os níveis de qualidade estabelecidos nesse contrato.

O segundo tipo de contratos inclui aqueles nos quais o projeto recebe uma parte importante dos recursos para pagamento de uma taxa por parte dos usuários. Se a demanda pelo projeto pode se ver afetada pelo concessionário (quer dizer, é endógena), como acontece em geral no caso portuário, é conveniente contar com um contrato de prazo fixo e uma taxa que resulte do processo competitivo do leilão. O motivo para isso é que, com esse tipo de contratos, o concessionário conta com os incentivos para realizar esforços a fim de aumentar a demanda pelo projeto. Se a demanda, por outro lado, não pode se ver afetada pelo concessionário (quer dizer, é exógena), esse tipo de contratos não é adequado, embora seja usual utilizá-los. O motivo é que, nesse caso, o valor do contrato para o investidor privado depende da realização da demanda, o qual introduz um risco que não é controlável porque a demanda flutua exogenamente. Um contrato de prazo fixo introduz o risco de não gerar receitas suficientes durante o prazo da concessão. É um risco que se refletirá plenamente nos custos para o concessionário porque o mesmo nada pode fazer contra esse risco, à diferença do caso no qual a demanda é endógena. Portanto, o retorno exigido pelos atores privados na licitação é maior do que o estritamente requerido. Isso aumenta os custos do projeto e, portanto, o que eventualmente pagam os usuários. Nesses casos, o apropriado é utilizar o mecanismo do valor presente da receita, no qual os candidatos a licitação concorrem com base no menor valor presente de receitas decorrentes da PPP. O contrato de concessão finaliza quando são arrecadadas as receitas solicitadas na proposta vencedora. Isso elimina ou limita os riscos que os concessionários enfrentam nos casos nos quais não podem afetar a demanda pelos serviços da rodovia. Se a demanda é endógena, como nos portos, os incentivos para atrair demanda em um contrato de valor presente da receita são menores do que em um contrato de prazo fixo, pois o prazo do contrato é reduzido automaticamente até que o valor solicitado seja obtido12.

12 Um problema importante é determinar a taxa adequada para abater as receitas do contrato. Uma possibilidade é usar o custo de recursos do Estado mais um fator corretor pelo risco do negócio. Outra alternativa é utilizar a mesma taxa, mas em valor flutuante ou variável semelhante ao custo dos recursos do Estado em cada ano, além do fator de risco. Se a taxa do contrato for muito maior do que a ajustada para o negócio, o concessionário conta com incentivos para prolongar a concessão.

Os contratos de valor presente da receita são particularmente apropriados para rodovias, já que sua qualidade é facilmente observável e fiscalizável pelos usuários, e porque quase todas as rodovias nos países latino-americanos enfrentam uma demanda exógena devido às dificuldades de substituição. Isto aplica-se também aos aeroportos, quando estes não contam com a possibilidade de concorrer para atrair companhias de aviação.

Uma vantagem adicional desse mecanismo de valor presente da receita, no caso de rodovias urbanas, é a possibilidade de alterar a taxa cobrada, o que permite sua adequação aos níveis de congestionamento. Em uma PPP de prazo fixo, elevar a taxa para enfrentar a concessão beneficia ao concessionário, o que é complexo do ponto de vista da economia política. No caso de contratos de valor presente da receita, o efeito de aumentar a taxa perante uma maior congestão é apenas reduzir a duração da concessão sem alterar seu valor econômico.

Embora os contratos de PPP de prazo fixo predominaram no Chile nos primeiros anos da década de 2000, a partir de 2007, o contrato de valor presente da receita passou a ser o habitual para as concessões de rodovias e aeroportos13. Isso pode-se ver no gráfico 12, que aprepode-senta o investimento acumulado em concessões de prazo fixo e de valor presente da receita. Um terceiro tipo de concessão, que começou como prazo fixo e passou para valor presente da receita depois de uma renegociação, aparece em turquesa entre ambos tipos de contratos.

GRÁFICO 13. Valor de contratos de valor presente da receita no Chile (milhões de USD)

Fonte: Engel, Fischer e Galetovic (2020).

Embora em um princípio as empresas pensaram que poderia ser difícil financiar os projetos com contratos de valor presente da receita devido a que não contam com um prazo fixo para o pagamento da dívida, esse não foi o caso.

O motivo é que oferecem mais segurança de pagamento que os contratos de prazo fixo e o pagamento adiantado não tem relação com reduções nas taxas de juros, um problema de risco moral nos contratos comuns que admitem o pré-pagamento (Engel, Fischer, Galetovic e Soto, 2019). Os contratos de tipo de valor presente da receita são de uso comum no Chile, sem que existam dificuldades para financiar projetos. Isso é apresentado no gráfico 12, no qual quase a metade do investimento em concessões foi mediante valor presente da receita.