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por substituição de importações (1969-1981)

3. Composição: setores e empresas

3.1. Composição setorial

O direcionamento da atividade econômica de alguns setores para outros no decorrer do tempo é uma característica do processo de desenvolvimento. Quando se desenvolvem, as economias costumam reduzir a atividade no setor agrícola. A participação da indústria aumenta quando começa o desenvolvimento econômico, mas tende a diminuir depois, quando é substituída pelos serviços.

Visto que a produtividade da mão de obra agrícola tende a ser menor, esta evolução da composição setorial aumenta inicialmente a produtividade do país. Contudo, enquanto a indústria perde relevância, é possível que a produtividade agregada do país diminua, pois a indústria tende ser mais produtiva do que os serviços.

Estas observações têm levado alguns especialistas a asseverar que a baixa produtividade de alguns países pode se dever a certos padrões em sua composição setorial. Em particular, esses pesquisadores argumentam que o fator determinante que explica a baixa produtividade agregada é a alocação de muitos trabalhadores em atividades menos “dinâmicas” (como algumas áreas no setor de serviços). Outros especialistas, ao contrário, afirmam que os países emergentes apresentam baixa produtividade independente de sua composição setorial. Isto é, a diferença de produtividade surge inclusive ao comparar as produtividades de um mesmo setor (Herrendorf, Rogerson e Valentinyi, 2014).

Para avaliar essas teorias, aferimos a produtividade dos diferentes setores em uma amostra de países. Utilizando informação da base de dados

Socio Economic Accounts, medimos a produtividade de cada setor conforme

o quociente entre o valor agregado e a quantidade de trabalhadores de cada setor. Esta base de dados faz parte da plataforma World Input-Output

Database e contém informação sobre 40 países e 35 setores, mas inclui

apenas duas economias da América Latina: o Brasil e o México. A informação é apresentada a preços constantes em moeda local para o período 1995-2009. Para realizar comparações internacionais, transformamos os dados utilizando o índice de paridade do poder de compra (PPC) disponível na plataforma Penn World Tables.

A tabela 2 apresenta a alocação de trabalhadores por setor em uma seleção de países. Além do México e do Brasil, incluímos os Estados Unidos (a fronteira), a Coreia do Sul (bom exemplo de desenvolvimento) e a Índia (um país menos desenvolvido do que o Brasil e o México).

TABELA 2. Alocação setorial por país, 1995-2009 (em %)

Total Agricultura Indústria Serviços

Estados Unidos 100,0 0,9 19,0 80,1

Coreia do Sul 100,0 7,4 25,9 66,7

México 100,0 14,4 26,1 59,5

Brasil 100,0 17,4 20,5 62,1

Índia 100,0 53,7 19,9 26,3

Fonte: Cálculo dos autores com dados de Penn World Tables 9.1 e World Input-Output Database.

A agricultura apresenta os números esperados e os países mais ricos destinam menos pessoas a esse setor. A alocação que corresponder aos serviços também é (quase) monotônica. Os países mais ricos tendem a alocar mais pessoas ao setor de serviços. Na indústria, o padrão é menos claro, conforme o esperado. Os países intermediários, a Coreia do Sul e o México, têm relativamente mais indústria do que os países nos extremos (os Estados Unidos e a Índia).

A tabela 3 apresenta a produtividade (medida em dólares de 2009, ajustados pela paridade do poder de compra para cada setor de cada país. Em quase todos os países, o setor agrícola é menos produtivo do que o setor de serviços, que por sua vez, é menos produtivo do que a indústria (a única exceção é a Índia, onde o setor de serviços é mais produtivo do que a indústria). Isto significa que, nas fases iniciais do desenvolvimento, a produtividade agregada aumenta quando ocorre um redirecionamento da agricultura para a indústria. Porém, também implica que, nas fases posteriores do desenvolvimento, o redirecionamento que se produz da indústria para os serviços pode gerar uma queda na produtividade.

TABELA 3. Produtividade por setor (valor agregado por trabalhador, USD de 2009, ajustados

pela PPC)

Total Agricultura Indústria Serviços

Estados Unidos 90.088 66.271 109.937 85.647

Coreia do Sul 50.794 24.290 74.759 44.429

México 25.644 6.109 31.423 27.836

Brasil 14.627 4.779 19.389 15.814

Índia 8.131 2.224 11.984 17.307

Fonte: Cálculo dos autores com dados de Penn World Tables 9.1 e World Input-Output Database.

Em contraposição a esta postura de transformação estrutural, a produtividade tende a ser menor nos países mais pobres, em todos os

setores. Isso significaria que os países mais ricos continuariam tendo uma produtividade muito mais alta, mesmo que dependessem exclusivamente da agricultura. O mesmo acontece com a indústria e os serviços, com uma pequena exceção (o setor de serviços é menos produtivo no Brasil do que na Índia).

Para avaliar a importância da alocação setorial, calculamos a produtividade agregada em um caso contrafactual, no qual cada país tem a mesma alocação setorial do que a economia dos Estados Unidos. Esse caso se traduz na tabela 4, que também apresenta a produtividade de cada país como uma fração da produtividade da economia estadunidense, permitindo-nos analisar a convergência condicional.

TABELA 4. Realocação contrafactual (em USD de 2009 e variação em %)

  Observada Contrafactual Variação (%)

Estados Unidos 90.088 90.088 0,0 Coreia do Sul 50.794 50.010 -1,5 México 25.644 28.322 10,4 Brasil 14.627 16.394 12,1 Índia 8.131 16.160 98,7 Coreia/Estados Unidos 0,56 0,56 -1,5 México/Estados Unidos 0,28 0,31 10,4 Brasil/Estados Unidos 0,16 0,18 12,1 Índia/Estados Unidos 0,09 0,18 98,7

Fonte: Cálculo dos autores com dados de Penn World Tables 9.1 e World Input-Output Database.

A realocação setorial melhoraria a produtividade agregada do México em 10,4% e a do Brasil em 12,1%. No caso da Índia, a melhoria seria muito mais significativa, pois a produtividade quase dobraria. Na Coreia do Sul, vemos um caso interessante no qual a realocação setorial teria um impacto negativo na produtividade agregada devido à redução da participação da indústria, que neutralizaria amplamente os benefícios obtidos através da redução da porcentagem da agricultura.

Quando se analisa a convergência com os Estados Unidos, os efeitos da realocação setorial parecem ser muito menos encorajadores. Uma realocação setorial faria com que a produtividade do México aumentasse de 28% para 31% dos níveis de produtividade dos Estados Unidos. No caso do Brasil, geraria um aumento de 16% para 18%.

Que consequências têm estas conclusões em termos das políticas a serem adotadas? Surge naturalmente a seguinte pergunta: o que impede os trabalhadores de cada um desses países de mudar para um setor mais produtivo? Talvez, essa mudança poderia implicar salários mais altos. É claro que isso não poderia acontecer no curto prazo, mas deveria ser possível em menos de uma

década. Desde nosso ponto de vista, as distorções que explicam esse fenômeno são muitas. Ou melhor dito, não há uma única restrição relevante em termos de políticas (ou regulamentos), em geral, que impeça mudar de trabalho nos países da América Latina (obviamente, isso difere de país para país). CAF (2018) chega a uma conclusão semelhante e assevera o seguinte: “Desta análise conclui-se que o atraso produtivo na América Latina não se deve ao fato de que a região tenha uma maior proporção de trabalhadores em setores de atividade especialmente pouco produtivos, mas também aos atrasos de produtividade em todos os setores”.

Presumimos que as restrições na alocação setorial refletem algum elemento mais profundo, tal como as aptidões limitadas dos trabalhadores. Este tópico é tratado na seção 4, com foco no capital humano.

3.2. Má distribuição

A maior parte da bibliografia sobre as diferenças na renda per capita entre países coloca o foco no papel exercido pela acumulação de fatores agregados, abstraindo-a da heterogeneidade das unidades de produção. Essa é a abordagem adotada pelo índice de capital humano, conforme detalhado na seção 4. Todavia, existem muitas pesquisas com uma abordagem diferente, focada na má distribuição de recursos entre os estabelecimentos produtivos dentro dos setores e subsetores (Hsieh e Klenow, 2009; Alfaro, Charlton e Kanczuk, 2009). A hipótese de trabalho desses estudos é que para tentar compreender as diferenças de renda, não interessa apenas o nível de acumulação de fatores, senão também como esses fatores são alocados entre unidades de produção heterogêneas.

Em termos de nosso esquema de fontes de ineficiência, isto significa que os efeitos diferenciais das políticas e instituições no ambiente de negócios podem influenciar significativamente na alocação de recursos entre as diferentes empresas. Como consequência disso, estas unidades produtivas acabam adquirindo um porte inadequado (ou ineficiente). Analisar a distribuição do porte das empresas e compará-la com uma distribuição de referência ideal, permite encontrar implicitamente as distorções existentes.

Neste contexto, as distorções devem ser interpretadas como os diferentes tipos de políticas que influenciam na distribuição do porte das empresas. Podem ser sistemas bancários não competitivos, um regulamento inadequado dos mercados de trabalho e de bens, corrupção ou restrições comerciais. Por exemplo, os governos podem oferecer a produtores específicos acordos fiscais especiais e contratos financiados com impostos sobre outras atividades produtivas; ou, um sistema bancário não competitivo poderia oferecer empréstimos com taxas de juros favoráveis com base em fatores não econômicos, criando assim uma má distribuição do crédito entre diferentes empresas. A corrupção e as restrições ao comércio também poderiam ocasionar que empresas menos produtivas consigam maior financiamento no mercado.

À medida que as distorções aumentam, mais recursos são desviados para estabelecimentos subsidiados, o que implica maiores quedas na produção e nas medições de produtividade. Em outras palavras, a origem das diferenças de

produtividade medidas surge quando as empresas menos produtivas crescem e as mais produtivas se encolhem. Então, enquanto na economia não distorcida todas as empresas com a mesma produtividade (antes das distorções) são do mesmo porte, na economia distorcida existe uma distribuição não degenerada (bem definida) do porte das plantas industriais para um determinado nível de produtividade respeito do estabelecimento. Isso causa uma perda de eficiência que se reflete na medida agregada da produtividade.

Para quantificar o impacto desse obstáculo, seguimos o estabelecido por Alfaro et al. (2009). Estes autores desenvolvem um modelo simples de unidades de produção heterogêneas no qual as unidades de produção possuem tecnologias com rendimentos constantes de escala, e certo grau de poder de mercado. A dinâmica das empresas e as distorções geradas pelas políticas são semelhantes àquelas sugeridas em Restuccia e Rogerson (2008). Depois, o modelo é calibrado para refletir um conjunto de dados com informação sobre a distribuição do porte das empresas nos diferentes países.

Na prática, esse exercício de calibração equivale a garantir que a distribuição do porte dos estabelecimentos produtivos de cada economia artificial concordará com a distribuição observada em cada país. Tomamos os Estados Unidos como uma economia de referência hipoteticamente não distorcida, e encontramos a distribuição da produtividade específica de cada indústria que é necessária para gerar o histograma do porte das empresas correspondente a esse país. Logo, encontramos para os países da América Latina, as distorções específicas que concordam com o histograma do porte das empresas desse país, considerando que enfrenta a mesma distribuição de produtividade no nível de empresas (antes das distorções) do que a economia dos Estados Unidos. Isso nos permite calcular quanto é o desperdiço da produção agregada por má distribuição dos recursos entre as empresas às quais podemos atribuir estas ineficiências.

Para fazer a calibração, adotamos a base de dados WorldBase de Dun and Bradstreet (D&B), que reúne empresas públicas e privadas de 205 países e territórios. Os dados são coletados de diferentes fontes, incluindo empresas parceiras da D&B em dezenas de países, registros de listas telefônicas, sites e relatórios pessoais. A informação obtida das autoridades locais que registram os casos de insolvência e os registros de fusões e adquisições é utilizada para realizar um acompanhamento das mudanças de proprietários e operações. Toda a informação é analisada de maneira centralizada, com diferentes verificações manuais e automatizadas.

A principal vantagem desta base de dados é o seu tamanho. Nossa fonte inicial incluiu quase 24 milhões de empresas privadas em todos os setores da economia, incluindo algumas no setor informal. Contudo, é claro que tinha algumas restrições. O número de observações por país variou de mais de 7 milhões de empresas nos Estados Unidos a menos de 20 no Malawi. Essa variação reflete diferenças não só em termos de dimensão dos países, mas também da intensidade com que a D&B coleta amostras dos diferentes países. Nos países com uma menor abrangência, é possível que as empresas mais estabelecidas (geralmente mais antigas e de maior porte) tenham uma representação excessiva na amostra, o que poderia gerar um viés nos resultados.

Em particular, sabemos que os países da América Latina costumam ter um grande setor informal composto de pequenas unidades de produção. Como a D&B provavelmente não reflete de modo integral o setor informal, sua amostra tende a não informar de modo exato o número de pequenas empresas nesses países.

Para resolver este problema, dividimos os dados de várias maneiras e refizemos os cálculos para muitos casos possíveis. Para mitigar os vieses potenciais gerados pela falta de dados sobre pequenas empresas nos países pobres, truncamos os dados de todos os países. Em nosso exercício de referência, usamos apenas informação sobre empresas com pelo menos 20 funcionários, mas também adotamos outros limites para verificar a credibilidade dos resultados.

Informamos os resultados de nossos cálculos na tabela 5. Inicialmente, mostramos alguns detalhes sobre a distribuição do porte das empresas: o número médio de funcionários e a variância e desvio do logaritmo do número de funcionários. Deve-se considerar que existe uma correlação negativa da média e da variância com o PIB per capita do país (que aqui não é apresentada). E não existe uma relação clara entre o desvio da distribuição e a produtividade do país. Isto é, utilizando esta base de dados e a amostra selecionada, constatamos que os países ricos tendem a ter uma distribuição com menor variância e menor porte médio de suas empresas4.

Deve-se reparar também que a remoção de políticas que distorcem o porte das empresas costuma ter um impacto substancial. A distorção média nos países latino-americanos dos quais temos dados é de 28,7%. Tal como previsto, o Haiti e o Paraguai são os dois extremos. Talvez seja surpreendente que a Costa Rica apresente uma distorção muito maior do que o esperado, dada a produtividade desse país.

4 Os dados da WorldBase da D&B são altamente informativos em relação à pergunta que realizamos; entretanto, estamos cientes de suas limitações. Em nossa amostra final, o número de observações por país varia, refletindo não só diferenças na dimensão de cada economia, mas também discrepâncias na abrangência (os registros de diferentes países incorporam empresas com critérios diferentes).

TABELA 5. Distribuições e distorções do porte das empresas

MÉDIA VARIAÇÃO (LOG) DESVIO (LOG) DISTORÇÃO (%)

Argentina 107,1 3,0 0,4 23,1 Brasil 45,6 2,1 1,0 23,1 Chile 161,3 2,8 0,2 25,8 Colômbia 146,5 2,6 0,3 24,3 Costa Rica 354,1 2,6 0,6 65,5 Equador 146,6 2,4 0,3 23,2 El Salvador 172,9 2,4 0,1 24,4 Guatemala 139,3 2,2 0,4 22,2 Haiti 1.561,0 3,4 1,0 84,8 Honduras 163,5 2,3 0,4 24,3 México 123,0 2,4 0,5 22,5 Nicarágua 103,8 1,9 0,1 16,1 Paraguai 117,6 2,7 -0,2 18,7 Peru 76,7 2,6 0,6 19,4 Rep. Dominicana 177,1 2,6 0,5 28,0 Uruguai 107,3 2,7 0,3 22,0 Coreia do Sul 32,4 0,6 3,3 10,2 Estados Unidos 20,4 1,3 1,1 0,0