• Nenhum resultado encontrado

Impostos e redistribuição

por substituição de importações (1969-1981)

6. Impostos e redistribuição

Uma pergunta importante para as finanças públicas é quantos impostos devem ser cobrados às pessoas. Conforme indicou Okun (1975), deve-se encontrar um equilíbrio entre eficiência e igualdade. Para conseguir uma sociedade mais igualitária, o governo deve recolher impostos para obter os recursos necessários para a redistribuição. Isso causa um problema porque alguns recursos desaparecem durante a transferência.

A versão padrão dos livros de texto (Atkinson y Stiglitz, 1980) contém uma explicação mais elaborada, porém, chega ao mesmo resultado. As políticas de redistribuição mediante impostos e regulamentos tornam a rentabilidade privada inferior à rentabilidade social para vários tipos de atividades econômicas, o que altera os incentivos e gera resultados baixos e, portanto, perdas de eficiência. Assim, as políticas que melhoram a equidade têm um custo na forma de menor eficiência, e as preferências políticas determinam a disposição de sacrificar eficiência por uma maior equidade. Os economistas determinam qual a forma que tem o nível máximo desse equilíbrio, e as pessoas responsáveis por desenvolver políticas são quem devem decidir onde se posicionar.

No entanto, em muitos países do mundo, bem como em algumas economias da América Latina, o nível máximo desse equilíbrio não é verdadeiramente relevante. Em alguns países, o sistema tributário gera mais distorções do que é preciso e abundantes recursos são alocados a programas ineficientes de redistribuição de receitas. Como consequência disso, a política econômica coloca a economia dentro da fronteira entre eficiência e equidade. Isto significa que é possível gerar uma situação de maior eficiência e maior equidade se mudar o sistema tributário e a alocação dos programas sociais.

Nesta seção, queremos quantificar o efeito que poderia ter uma mudança de política deste tipo em termos de PIB per capita na economia brasileira, sobre a qual temos a informação necessária. Começamos apresentando, a evolução dos impostos no gráfico 2. Observa-se que houve um aumento da carga tributária entre 1996 e 2004, enquanto essa carga se manteve quase constante desde aquela época. Em termos de composição, quase 50% das receitas tributárias atuais são recolhidas sobre o consumo, tendendo a gerar menos distorções, mas isto também resulta em uma menor redução da desigualdade. Quanto ao restante das receitas tributárias, quase 35% são sobre o trabalho e aproximadamente 15% sobre o capital7.

7 Os principais tributos incidentes sobre o consumo são impostos indiretos (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços [ICMS], o Imposto do Programa de Integração Social [IPI], o Programa de Integração Social/ Contribuição para Financiamento da Seguridade Social [PIS/Cofins] e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza [ISS]). Os principais impostos sobre o trabalho são o imposto sobre a renda e as contribuições previdenciárias (Instituto Nacional do Seguro Social [INSS]). Os principais impostos sobre o capital incluem os impostos corporativos, imobiliários, sobre os veículos e as transações.

GRÁFICO 2. Brasil: Receitas tributárias por tipo, como porcentagem do PIB

Fonte: Cálculos dos autores com dados da carga tributária do Brasil (Ministério da Fazenda).

No gráfico 3, apresentamos a evolução da despesa pública federal como fração do PIB. Deve-se considerar que, durante o período em questão, a despesa total aumentou aproximadamente de 13% para 20% do PIB. Quando comparar os gráficos 2 e 3, fica evidente uma grande diferença entre a despesa pública federal e as receitas tributárias totais. Isso se deve porque quase um terço dessas receitas são transferidas para estados e municípios, e não se disponibiliza informação sobre as despesas dos mesmos. Porém, sabemos que o superavit primário dos estados e municípios está muito próximo a zerar (a Lei de Responsabilidade Fiscal do Brasil limita seu endividamento). Também temos boa informação sobre o superavit primário federal, que está em torno de -0,8% do PIB para 2018. Esses dados nos permitem ajustar a despesa pública para refletir um valor compatível com a receita tributária. Presumimos que os estados e municípios destinam seus recursos de forma semelhante à União. Garantindo que as receitas e despesas totais sejam compatíveis, podemos realizar os ensaios desejados para apresentar os efeitos das mudanças em impostos e alocações de despesas.

GRÁFICO 3. Despesa pública federal (% do PIB)

Fonte: Cálculos dos autores com dados da despesa do Brasil (Ministério da Fazenda).

Antes de fazer isso, devemos calcular o impacto de diferentes impostos e subsídios sobre a eficiência e a igualdade. A tabela 8 apresenta o impacto na eficiência de um aumento de um ponto percentual do PIB em cada tipo de imposto. Os dados são obtidos com um modelo macroeconômico tradicional, como o incluído em Prescott (2004), que é calibrado para o caso do Brasil (ver, por exemplo, Da Silva, Paes e Raydonal, 2014). Os resultados obtidos são os esperados e semelhantes aos cálculos correspondentes a outros países. Os impostos sobre ganho de capital são os mais distorcidos enquanto os tributos incidentes sobre o consumo os menos distorcidos.

TABELA 8. Brasil: Impacto na eficiência de um aumento dos impostos de um ponto

percentual do PIB (% do PIB)

Imposto Impacto

Consumo -0,64

Trabalho -1,19

Capital -1,93

Fonte: Cálculos dos autores com dados do Ministério da Fazenda do Brasil.

No gráfico 4, apresentamos o impacto dos principais impostos brasileiros na igualdade. O nível de igualdade é definido como log(1 - Gini). Esses cálculos são feitos em duas fases. Na primeira, estabelecemos os bens e serviços que são atingidos por cada imposto. Na segunda, usando microdados sobre as despesas pessoais (Pesquisa de Orçamento Familiar), alocamos impostos aos consumidores de cada nível de renda8. É importante notar que os impactos sobre a igualdade tendem a ser quase lineares em relação aos valores dos impostos. Assim, obtemos os impactos de um aumento dos impostos de um ponto percentual do PIB.

GRÁFICO 4. Impacto na igualdade de um aumento dos impostos brasileiros de um ponto

percentual do PIB (% log(1 – Gini))

Fonte: Cálculo dos autores com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar, Brasil.

8 A análise utiliza um modelo de agente representativo com tributos que incidem sobre o consumo, trabalho e capital. Ver também Chari e Kehoe (1999).

A hipótese implícita e usual que se faz é que as pessoas consomem a mesma cesta de bens e serviços durante toda sua vida. Isso é contrário à teoria do ciclo de vida, segundo a qual as pessoas consomem toda a sua riqueza no decorrer de sua vida. Aqui, as pessoas pobres consomem uma proporção maior de sua renda do que as pessoas ricas. Como consequência disso, os tributos incidentes sobre o consumo costumam ser mais regressivos do que os impostos sobre ganho de capital ou sobre o trabalho.

Para fins apenas comparativos, incluímos no gráfico 4 o impacto na igualdade de um “imposto único” (ou flat tax) que seria cobrado a todos os indivíduos por igual, equivalente a 1% do PIB, e que como vemos, tem impacto zero, embora o Brasil não tenha nenhum imposto desse tipo. A maioria dos resultados são os esperados. Pela hipótese mencionada acima, os impostos indiretos são muito mais regressivos do que os impostos diretos. Além disso, os impostos diretos tendem a ser melhores do que os impostos fixos em termos de garantir maior igualdade.

Todavia, há alguns resultados surpreendentes. Observa-se, por exemplo, que os impostos sobre o trabalho são ainda mais progressivos do que os impostos sobre o lucro das empresas9. Presumimos que isso acontece pela enorme desigualdade de salários e formação que caracteriza o mercado de trabalho brasileiro. Observa-se também que os impostos sobre imóveis são regressivos. Isto pode ser porque esses impostos são baseados no valor das propriedades declaradas por seus proprietários. A conclusão geral é que existem muitas maneiras de criar situações nas quais se obtêm, ao mesmo tempo, maior igualdade e eficiência.

No gráfico 5, apresentamos o impacto dos principais componentes da despesa pública na igualdade. A metodologia utilizada é a mesma usada com os impostos. Em alguns casos, coletamos dados sobre quais produtos são impactados pela despesa e, logo, alocamos o gasto conforme os dados individuais. Em outros casos, temos informação direta sobre quem recebe as transferências. Como no caso dos impostos, observamos que o impacto das transferências sobre a igualdade é quase linear em relação ao valor das transferências, pelo que normalizamos o efeito para uma transferência de 1% do PIB.

9 No modelo de agentes representativos, o imposto sobre as empresas é equivalente ao imposto sobre o ganho de capital, ver Chari e Kehoe (1999) e Da Silva et al., (2014).

GRÁFICO 5. Brasil: Impacto na desigualdade de um aumento do gasto de um ponto

percentual do PIB (% log(1-Gini))

Fonte: Cálculo dos autores com dados do gasto do Brasil (Ministério da Fazenda).

Também apresentamos o impacto sobre a igualdade da hipótese do “dinheiro de helicóptero”. Esta política desacreditada mede as consequências de uma transferência hipotética da mesma quantidade de recursos para todas as pessoas. Como o Brasil tem uma distribuição de receitas muito desigual, o dinheiro de helicóptero tem um impacto positivo na igualdade.

Pode resultar uma surpresa que mesmo uma política com tão poucas tonalidades como o dinheiro de helicóptero, seja melhor para redistribuir receitas do que a maioria das políticas atualmente utilizadas no Brasil. É interessante que o sistema de seguridade social, que equivale a quase 10% do PIB, seja substancialmente pior do que a distribuição de dinheiro de helicóptero. Por outro lado, o exemplo do efetivo programa Bolsa Família, que além de transferir recursos aumenta a participação na educação, apresenta os resultados positivos que os governos podem conseguir.

O ensaio que sugerimos envolve alterar a seleção de impostos e despesas para melhorar a eficiência, sem mudar o impacto que a seleção atual tem sobre a desigualdade. Para isso, fizemos alguns ajustes em nossa série. Primeiro, ajustamos a despesa à magnitude dos impostos, de modo a zerar o superavit primário. Depois, eliminamos elementos da despesa que não estivessem estritamente relacionados à nossa questão de redistribuição e eficiência, como o investimento e a despesa com educação e saúde. Logo, ajustamos os impostos para voltar a zerar o superavit primário. Feito isso, obtivemos medições dos impostos e do gasto em redistribuição equivalentes a 25% do PIB.

Em seguida, calculamos o impacto total do gasto e dos impostos sobre a eficiência e a igualdade. Nossos resultados indicam que o efeito total na eficiência surgiria de reduzir o PIB em 26,7% e, o impacto total na igualdade seria obtido ao aumentar em 27,2% a magnitude de log(1 – Gini).

Logo, analisamos um caso em que todos os impostos fossem substituídos por impostos indiretos sobre o consumo. Presumimos que o impacto na igualdade desse novo imposto (IVA) corresponde à média ponderada dos efeitos dos impostos indiretos que são atualmente utilizados. Isso faz com que o caso hipotético possa eventualmente ser implementado. Em termos da despesa, estabelecemos uma condição segundo a qual a despesa pública como um todo (excluindo os elementos eliminados) seriam substituídos pelo programa Bolsa Família. Mais uma vez, tal política seria relativamente fácil de implementar, sem dificuldades práticas.

Para estabelecer a quantidade de impostos e despesas (presumidos como equivalentes), consideramos que o novo sistema deveria gerar o mesmo impacto sobre a igualdade do que o sistema atual, conforme observado acima. O resultado é que poderíamos obter o mesmo impacto de 26,7% na igualdade com uma despesa pública de 5,9% do PIB, em vez de 25% atual. O novo sistema de impostos e despesas teria o impacto de reduzir a eficiência em 3,8%, em vez de 26,7% atual. Isso significa que a redução da perda de eficiência causada pelo sistema tributário e despesas geraria uma melhoria de 22,9% no PIB per capita. Em outras palavras, isso se refletiria em nosso esquema como um aumento de produtividade de 22,9%.

Infelizmente, não temos dados disponíveis para aplicar o mesmo ensaio para outros países da América Latina. Portanto, como estimativa inicial, consideramos que alterar o sistema tributário por unidade tributária em outros países da América Latina teria o mesmo impacto que no Brasil. Ou seja, consideramos que o impacto em outros países seria proporcional à carga tributária atual no Brasil. Em um país com uma carga tributária menor do que no Brasil, poder-se-ia esperar que uma otimização tributária produza uma menor melhoria na eficiência.

Na tabela 9, apresentamos a carga tributária dos mesmos países da América Latina já supracitados, usando dados macroeconômicos de 2015 da Heritage Foundation (2015). Depois, utilizamos esses dados para calcular o impacto da eliminação do obstáculo referente a impostos e despesas. A coluna “distorção” apresenta todos esses impactos e reflete as melhorias de produtividade que as políticas descritas gerariam. É claro que essa política deve ser adaptada a cada país específico da América Latina.

TABELA 9. Tamanho do Estado e melhoria da produtividade Carga tributária (% do PIB) Distorção (%) Argentina 25,0 19,0 Brasil 30,1 22,9 Chile 21,0 16,0 Colômbia 16,1 12,2 Costa Rica 21,0 16,0 Equador 13,2 10,0 El Salvador 13,3 10,1 Guatemala 11,9 9,1 Haiti 9,4 7,2 Honduras 15,6 11,9 México 23,7 18,0 Nicarágua 17,8 13,5 Paraguai 12,0 9,1 Peru 18,0 13,7 Rep. Dominicana 12,0 9,1 Uruguai 23,1 17,6 Coreia do Sul 33,6 -Estados Unidos 27,1