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CARÁCTER NEUROBIOLÓGICO DA DISLEXIA

CAPÍTULO 2 DISLEXIA EM CONTEXTO EDUCACIONAL

2.1. DISLEXIA DE DESENVOLVIMENTO

2.1.1. CARÁCTER NEUROBIOLÓGICO DA DISLEXIA

A aquisição da leitura é um processo complexo de raiz neurobiológica, nomeadamente com origem genética e hereditária (Alexander & Slinger-Constant, 2004; Dejerine, 1981).

Diversos estudos comprovaram que podem ser ativadas áreas diferentes no cérebro de pessoas com dislexia em relação às que não têm dislexia (Shaywitz et al., 2003), nomeadamente na área do cérebro (região posterior esquerda) responsável por processos cognitivos específicos relativos à leitura (Dejerine, 1981).

Segundo Defior e Serrano (2004), existem estudos que centram as causas da dislexia em termos biológicos. Galaburda, Corsiglia e Rosen (1987), por exemplo, concluíram que o cérebro ostenta diferenças significativas ao nível da sua estrutura e da sua função, com análise dos cérebros pós-morte.

Atualmente, com as técnicas não evasivas, como por exemplo, as imagens por Ressonância Magnética Funcional, FMRI (Functional Magnetic Ressonance Imaging), que permitem observar o funcionamento do cérebro durante a leitura (Lyon, et al., 2003), entre outras tecnologias avançadas, por meio de técnicas de imagem contemporânea, por eletrofisiologia, é possível analisar quais são as áreas do cérebro ativadas, ou não, no processo de leitura, em tarefas efetuadas por crianças com ou sem dislexia. (Heim & Keil, 2004)

Deste modo, é ―possível ver a sequência de eventos na região associada do cérebro à medida que a pessoa lê: aumento na atividade dos neurónios locais aumento no metabolismo local aumento no fluxo sanguíneo local‖ (Shaywitz, 2006, p. 64).

Uma das primeiras descobertas realizadas está relacionada com as diferenças entre o género feminino e o masculino, ou seja, as mulheres ativam duas zonas do cérebro, do lado direito e esquerdo, quando rimam palavras sem sentido, e os homens apenas uma zona do lado esquerdo. Ambos apresentam, porém, a mesma capacidade de leitura (Shaywitz, 2006, p. 72).

Existem três caminhos neuronais para a leitura em leitores sem dislexia, designadamente, dois caminhos mais lentos e analíticos, o parieto-temporal e o frontal, que são utilizados sobretudo por leitores principiantes, e um caminho mais rápido, o occipito-temporal, utilizado por leitores experientes (Shaywitz, 2006, p. 72). Este último localiza-se no hemisfério esquerdo (cf. Figura 1).

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Figura 1 - Zonas do cérebro ativadas na leitura (Shaywitz, 2006, p. 71)

Fonte: Shaywitz, (2006). Entendendo a Dislexia - Um novo e completo programa para todos os níveis de problemas de leitura (V. Figueira, Trans.). Porto Alegre: Artmed

Os investigadores têm-se debruçado, particularmente, sobre as áreas do cérebro que estão envolvidas na leitura (sobretudo na fase de iniciação da aprendizagem da mesma), nomeadamente sobre a área de Broca, no giro frontal inferior que é responsável pela articulação, análise das palavras que são pronunciadas, bem como pela linguagem expressiva, e sobre a área de Wernick, localizada na região parieto-temporal, na parte superior do lobo temporal (cf. Figura 1), responsável pela análise das palavras e pela linguagem recetiva (Shaywitz, 2006, p. 72).

Os leitores hábeis ―ativam sistemas neuronais altamente interconectados que incluem regiões das partes posterior e anterior do lado esquerdo do cérebro‖, recorrendo diretamente à zona occipito-temporal (Shaywitz, 2006, p. 70), pois leem de forma automática e fluente, ou seja, identificam as palavras instantaneamente (pronunciam maior quantidade de palavras por minuto). Efetivamente, com a leitura de ―uma palavra várias vezes, ela forma um modelo neuronal exato dessa palavra‖ que ―reflete a ortografia, a pronúncia e o significado da palavra‖, sendo depois armazenado no sistema occipito-temporal, bastando, posteriormente, ―ver a palavra impressa para que o sistema e todas as informações relevantes sobre a palavra sejam imediatamente ativados‖ automaticamente e sem esforço (Shaywitz, 2006, p. 71). Enfim, o circuito utilizado na leitura dos leitores hábeis inclui ―regiões cerebrais dedicadas ao processamento das características visuais‖ e a ―transformação das letras em sons da linguagem‖ e a ―compreensão do significado das palavras‖ (Shaywitz, 2006, p. 70).

101 Por seu lado, os leitores iniciantes ativam o sistema parieto-temporal, sendo a leitura analítica e mais lenta, subdividindo as palavras e associando as letras aos sons. Existe, ainda, um terceiro caminho de leitura, ―localizado na área de Broca, na parte frontal do cérebro, que também ajuda a analisar lentamente as palavras‖ (Shaywitz, 2006, p. 72).

Shaywitz (2006) refere que, no que concerne à dislexia de desenvolvimento, o circuito neuronal não se estabeleceu corretamente, desde a vida no feto, resultando em dezenas de milhares de neurónios responsáveis por carregar a mensagem fonológica necessária à linguagem que não se conectaram adequadamente, para formar as redes neuronais que tornam possível a boa capacidade para a leitura.

Contudo, interessa evidenciar que não existe uma lesão, como no caso da alexia adquirida. Neste caso, existe um dano que veio interromper o circuito correto existente. As pessoas disléxicas, quando leem, ―demonstram uma falha no sistema: subativação de caminhos neuronais na parte posterior do cérebro‖. Deste modo, apresentam ―problemas iniciais ao analisar as palavras e ao transformar as letras em sons e, mesmo quando amadurecem, continuam a ler lentamente e sem fluência‖ (Shaywitz, 2006, p. 72). Esta profissional26

sustenta que as crianças com dislexia desenvolvem caminhos cerebrais alternativos no processo de leitura, apontando ―que as crianças e os adultos disléxicos utilizam sistemas de leitura compensatórios, dependendo de caminhos alternativos secundários, que não são como um conserto, mas uma diferente rota de leitura‖. Os disléxicos recorrem a ―sistemas auxiliares de leitura localizados no lado direito e na parte anterior do cérebro‖, que os capacita para ler (descodificar o código escrito), realizando, todavia, uma leitura lenta, sem fluência porque se trata de um sistema funcional, mas não automático por não recorrerem à zona occipital temporal (cf. Figura 2). Os disléxicos recorrem, assim, por outras palavras, a sistemas de leitura colaboradores, usam uma via diferente para ler, dependendo mais da área de Broca (Shaywitz, 2006, p. 73), mas continuando a ter uma leitura ―lenta e desgastante‖ (Shaywitz, 2006, p. 74).

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Figura 2 - Zonas do cérebro ativadas na leitura com ou sem dislexia (Lyon, et al., 2003, p. 4). Fonte: Lyon, G. R., Shaywitz, S. E., & Shaywitz, B. A. (2003). A definition of dyslexia. Annals of Dyslexia, 53, 1-14.

Neste trilho conceptual, é possível atestar que a dislexia tem as suas raízes nos sistemas cerebrais responsáveis pela linguagem e que a rutura nesses circuitos neurológicos fundamentais pode afetar outras funções essenciais, nomeadamente a capacidade de soletrar, de memorizar e de articular palavras. Desta forma, a teoria do défice fonológico constitui uma das possíveis explicações para as dificuldades específicas de aprendizagem da leitura e da escrita das crianças disléxicas, dificultando-lhes a transformação do código escrito em código linguístico (Shaywitz, 2006, p. 23).

Estes estudos reforçam a ideia de que o cérebro de um individuo disléxico tem uma ativação anormal (Shaywitz et al., 1998), pois foram encontrados desvios de assimetria cerebral associados à organização atípica do hemisfério esquerdo em pessoas disléxicas (Heim & Keil, 2004).

Resumindo o que foi dito, os estudos neurológicos de Shaywitz et al. (1998), pela observação do funcionamento cerebral,27 foram dos primeiros a analisar o funcionamento do cérebro a ler, encontrando indicadores que apoiam a teoria do défice fonológico. Estudaram sujeitos disléxicos com o propósito de verificar se as mesmas áreas do cérebro se ativavam nas tarefas de leitura de forma análoga à dos sujeitos sem dislexia. Para isso, compararam o funcionamento cerebral de pessoas com e sem dislexia, com idades compreendidas entre os 16 e os 54 anos, concluindo que as partes do cérebro que são efetivamente ativadas no processo de leitura

103 de palavras, rimas e de pseudopalavras, relacionadas com o processamento fonológico,28, apresentam diferenças significativas relativamente ao grupo de controlo. Assim, segundo Shaywitz (2006), a:

Dislexia não reflete um defeito generalizado na linguagem, mas sim uma deficiência inerente a um componente específico do sistema de linguagem: o módulo fonológico, [sendo este a] parte funcional do cérebro onde os sons da linguagem são reconhecidos e montados sequencialmente para formar palavras e onde as palavras são segmentadas em sons elementares. (p. 43)

No que concerne à origem da dislexia com base genética e hereditária, os investigadores procuram identificar os cromossomas que poderão estar implicados no processo da leitura e responsáveis pela dislexia de desenvolvimento, havendo, ainda, um longo caminho a percorrer (Scerri & Schulte-Körne, 2010). Contudo, já existem estudos que comprovam que a dislexia tem um carácter hereditário. Estes investigadores concluíram que as alterações da consciência fonológica e da memória de trabalho têm um carácter genético que, provavelmente, em interação com o meio ambiente, determinam o quadro de dislexia. Afirmam, ainda, no seu estudo, que a dislexia tem um forte carácter hereditário, referindo que cerca de 23 a 65% das crianças com dislexia têm familiares com este problema (Capellini, et al., 2007, p. 375). DeFries (1991, citado por Snowling, 2004, p. 13) corrobora esta ideia, atestando que existem ―evidências conclusivas de que a dislexia é hereditária‖. Todavia, os valores variam, estimando-se que a taxa de prevalência da dislexia entre irmãos ronda os 40% e entre pais de 27 a 49% (Capellini et al., 2007, p. 375).

Algumas investigações têm indicado várias regiões cromossómicas, que podem conter genes relacionados com a dislexia, e que incluem os ―cromossomas 1p, 2p, 6p, 15q, e 18p‖. Alguns dos genes que têm sido associados à dislexia são o ―KIAA0319 e DCDC2 no cromossoma 6p e EKN1 no cromossoma 15q‖ (Capellini et al., 2007, p. 375).

Diversos estudos de Grigorenko (2001) têm procurado encontrar a relação dos genes envolvidos na dislexia (cromossomas 6 e 15) e as implicações nas dificuldades de leitura, concluindo que o cromossoma 6 está relacionado com as dificuldades fonológicas e o cromossoma

28 Por processamento fonológico ―entende-se a percepção, a retenção, a recuperação e a manipulação dos

sons na fala no decurso da aquisição, compreensão e produção quer da linguagem oral, quer da linguagem escrita (Catts, et al., 1999, citados por Albuquerque, 2003, p. 159).

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15 associado à dificuldade de realização de leitura global da palavra e pictográfica (Grigorenko, 1996, citado por Artigas, 2000).

Outros trabalhos averiguam a identificação de vários genes envolvidos no processo e as implicações da interação do indivíduo disléxico com o meio (Artigas, 2000).

Segundo Defior e Serrano (2004), existem estudos que pesquisam as causas da dislexia em termos biológicos. Galaburda, Corsiglia e Rosen (1987), por exemplo, concluíram que o cérebro ostenta diferenças significativas ao nível da sua estrutura e da sua função, com análise dos cérebros pós-morte, verificando que subsistem diferenças no ―Planum Temporale y las células magnocelulares del tálamo‖, enquanto Fawcett e Nicholson (2001) encontram provas da existência de diferenças funcionais e estruturais entre os cérebros de pessoas com dislexia e sem dislexia. Stein e Walsh (1997) apuraram que os disléxicos têm menos células magnocelulares do que as pessoas sem dislexia (Defior & Serrano, 2004, p. 17).