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ESTIMATIVA DA TAXA DE PREVALÊNCIA DA DISLEXIA

CAPÍTULO 2 DISLEXIA EM CONTEXTO EDUCACIONAL

2.2. ESTIMATIVA DA TAXA DE PREVALÊNCIA DA DISLEXIA

No caso particular das NEE, a prevalência ―refere-se ao número de crianças com um tipo particular de NEE numa população específica durante um determinado período‖ e está relacionada com a incidência, ―pois a prevalência é determinada pela incidência de uma condição e sua duração‖. Assim, por exemplo, na Inglaterra, em 2004, em relação às crianças com dificuldades de aprendizagem moderadas (DAM), que frequentavam escolas regulares e especiais e que tinham registo de NEE, eram 27,8%. No ensino básico do 1º ao 9º. anos de escolaridade, o valor era de 20% com registo de NEE. Nas escolas do ensino básico do 5º. ao 9º anos de escolaridade, estavam identificados 29,9% com registo de NEE31. Nas escolas especiais, os alunos com registo de NEE eram de 31,9%. Estes valores indicam que os alunos com DAM ―constituem o maior grupo entre os alunos com NEE‖. No ensino regular, ―há um número levemente maior de alunos com ‗necessidades de fala e da linguagem‘ como principal NEE do que com DAM‖ (Farrell, 2008, p. 25).

Nos países economicamente mais favorecidos das sociedades ocidentais, estima-se que existam cerca de 20% de crianças, em idade escolar, com problemas de leitura, entre as quais aproximadamente 5% podem ser considerados casos de dislexia de desenvolvimento (Shaywitz, 1998; Delahaie et al., 2001; Metz-Lutz, Demont, Agostini, & Bruneau, 2004).

A dislexia pode manifestar-se em qualquer criança do mundo, independentemente da sua língua, do seu país de origem e dos diferentes sistemas de linguagem, por exemplo, na China têm o mandarim que é um sistema de escrita diferente do alfabético (Chung & Connie, 2010).

A estimativa da taxa de prevalência da dislexia poderá diferir de país para país, oscilando entre 1% e 20%. (Carreteiro, 2003; Harrois-Monin & Rouzé, 1981;Ianhez & Nico, 2002; Shaywitz, Escobar, Shaywitz, Fletcher, & Makuch, 1992). Estes valores podem variar de acordo com o método de estudo utilizado (Moll & Landerl, 2009) e em função da idade (Carreteiro, 2003), entre outros aspetos.

31 De acordo com os resultados dos Censo Escolar Anual do Nível dos Alunos de 2003, os alunos com registo

de NEE são os que usufruíam de acompanhamento escolar específico e que recebem ―uma provisão educacional adicional para ajudá-los a ter acesso ao currículo‖ (Farrell, 2008, p. 22).

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Neste contexto, no Japão e na China, aponta-se para 1%, (Tarnopol & Tarnopol, 1981, citados em Grigorenko, 2001)). Contudo, de acordo com Chung e Connie (2010), com dados recentes, estima-se que a dislexia afete 9,7% da população estudantil em Hong Kong. Nos Estados Unidos, a percentagem situa-se entre os 5 e os 10% (Debray-Ritzen & Debray, 1981; Shaywitz, 1998). Nos países de língua inglesa, o valor ronda entre os 4 e os 8% (Snowling, 2008).Nos países escandinavos, existem cerca de 10% e, na Alemanha, o número variaentre os 5% (Glezermen, 1983, citado por Grigorenko, 2001). No caso da Suécia, indica-se entre 5 e 8% (Svensson, Lundberg, & Jacobson, 2001). A estimativa da dislexia, na população francesa, gira entre 5 e 10% (Harrois-Monin & Rouzé, 1981). Nas Astúrias (Espanha), aponta-se o valor de 4 a 5% de crianças em idade escolar com dislexia (Jiménez et al., 2009). Neste sentido, com esta taxa de prevalência, em Espanha, sendo as turmas constituídas, em média, por 25 alunos, existem casos de dislexia na maioria das turmas (Palacios, Sánchez, & Couso, 2010).

Em Portugal, a estimativa da taxa de prevalência indica 5,4% dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico (Vale, Sucena & Viana, 2011).

Relativamente à prevalência entre sexos, alguns estudos referem que os rapazes podem ser mais vulneráveis do que as raparigas (Harrois-Monin & Rouzé, 1981). Contudo, apesar de diversos estudos verificarem que existem mais rapazes com o diagnóstico de dislexia, Shaywitz (2006) refere que a sua investigação não corrobora esses dados, concluindo que não existem diferenças entre sexos. Apresenta uma possível explicação para o facto de os rapazes serem mais identificados como disléxicos do que as raparigas, referindo que estes são mais facilmente sinalizados pelos professores por terem um comportamento mais irrequieto e, portanto, diferente do das raparigas.

De modo geral, a dislexia é um problema que afeta à volta de 5% das crianças em idade escolar (Scerri & Schulte-Körne, 2010).

Existem diversas variáveis que poderão explicar a variância de valores nas taxas de prevalência de dislexia nos diversos países, já descrita, como por exemplo, o tipo de instrumentos utilizados no diagnóstico da dislexia, a própria definição adotada (Beitchman & Young, 1997) ou as características específicas de cada língua. É o caso do inglês que é uma das poucas línguas com uma ortografia muito irregular, onde a relação entre o grafema e fonema é muito inconsistente (Grigorenko, 2001).

113 O grau de dificuldade na aquisição de competências no processo da leitura e da escrita, pode estar relacionado com o sistema ortográfico específico de cada língua. A relação que se estabelece entre a escrita e a oralidade pode dificultar o processo de leitura como, por exemplo, nas línguas consideradas mais opacas (inglês e francês), em que a correspondência entre fonema e grafema é menos exata, ao contrário das línguas mais transparentes (espanhol e italiano). Contudo, de acordo com (Castro & Gomes, 2000), ―não há dados que permitam comprovar que as simplificações ortográficas conduzam à diminuição do insucesso na aprendizagem da leitura e da escrita‖ (p. 134).

Outro aspeto a ter em consideração diz respeito ao sistema de escrita que pode ser alfabético (grafemas), logográfico (logogramas), silábico (sílabas) ou misto (alfabético e silábico). As escritas alfabética e silábica são realizadas com base no grafema, indicando graficamente o som (fonema). O caracter logograma corresponde a uma palavra. A escrita com logogramas é conhecida por logografia. Na escrita silábica, o caracter gráfico corresponde a uma sílaba (Castro & Gomes, 2000).

Neste sentido, as competências necessárias para a aquisição de competências de leitura e de escrita são diferentes. No primeiro caso, no sistema alfabético, é necessário um conhecimento prévio do alfabeto, enquanto, no sistema logográfico, é necessário memorizar um conjunto específico de sinais gráficos que simbolizam cada palavra (Carvalhais, 2010; Castro & Gomes, 2000).

A escrita alfabética, por sua vez, tem outra dinâmica, sendo que as línguas podem ser mais transparentes ou mais opacas, de acordo com o grau em que deixam transparecer a cadeia da fala. Mais detalhadamente, na escrita alfabética há correspondência entre a letra e o som, isto é, a escrita é composta por um código constituído por letras (grafemas) que correspondem a determinados sons (fonemas), requerendo um determinado conjunto de regras gramaticais, com alguma complexidade, que é necessário dominar (Castro & Gomes, 2000).

Os estudos têm demonstrado que um dos maiores problemas dos leitores disléxicos de línguas alfabéticas prende-se com as dificuldades fonológicas, enquanto, no caso dos leitores disléxicos chineses, as maiores dificuldades estão relacionadas com problemas relativos à morfologia e à área visual-ortográfica. Este facto, como já referimos, tem a ver com o tipo de sistema de escrita específico de cada cultura (Chung & Connie, 2010). No caso particular da língua chinesa (escrita logográfica), os leitores têm de memorizar cerca de 200 caracteres (Carvalhais,

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2010; Castro & Gomes, 2000), em que os grafemas são logogramas (ideogramas ou pictogramas) que indicam uma palavra ou um conceito.

Seymour (2003) apresentou uma proposta para a classificação das línguas europeias relativamente à sua complexidade em duas dimensões: a estrutura silábica (simples a complexa) e a correspondência do grafema - fonema e vice-versa (transparente a opaca) (cf. Figura 3).

Figura 3 - Esquema de Seymour (2003, p. 146).

Fonte: Seymour, Philip H. K. (2003). Foundation literacy acquisition in European orthographies. British Journal of Psychology, 94 (2), 143-173.

Seymour (2003) assinala a língua inglesa como uma das mais complexas ao nível da estrutura silábica e mais opacas. A língua portuguesa pode ser considerada como uma das línguas mais transparente das línguas designadas de opacas, ocupando uma posição intermédia, que está mais perto do transparente, se for comparada com os outros sistemas ortográficos. Por sua vez, o inglês é classificado como uma língua mais opaca, pelo facto de ter muitas irregularidades, já que uma letra pode ter vários sons (Castro & Gomes, 2000), ou seja, ―o número de grafemas [é] consideravelmente maior do que o número de fonemas, [o que leva a uma] ortografia profunda, tornando a associação fonema-grafema mais complexa

‖ (

Santos & Navas, 2002, citados por Navas, Pinto & Dellisa, 2009, p. 554).

Diversos estudos demonstraram que, no caso específico das ortografias alfabéticas, as crianças que aprendem a ler em inglês, apresentam um ritmo de aprendizagem mais lento do que nas restantes línguas. Os estudos translinguísticos sugerem que a hipótese da transparência ortográfica é aplicável não apenas à leitura fluente, mas também à aquisição da leitura, revelando

115 que as crianças têm diferentes percursos de desenvolvimento, conforme o grau de consistência da ortografia em que aprendem a ler (Santos, 2005, pp. 324-325).

A aprendizagem da leitura:

Em ortografias mais transparentes do que o inglês revelaram uma rápida aquisição da competência de descodificação [o que] tem sido interpretado como um indício de que, enquanto a ortografia transparente impulsiona os aprendizes da leitura a desenvolver processos sublexicais, a ortografia opaca impulsiona o desenvolvimento, em paralelo, de processo lexicais e sublexicais, assim interferindo na rapidez da mestria de qualquer dos processos. (Seymour et al., 2003, citado por Santos, 2005, p. 325)

Como Adams (1990) transmite, a invenção do sistema alfabético é vista como a invenção mais significativa da história social do mundo. Nas suas palavras ―the invention of the alphabet is often said to be the most important invention in the social history of the world‖(p.18). Este autor acrescenta ainda que ―the advantages of and alphabetic system are clear. Like the syllabaries and advanced logographies it is capable of representing any speakable expression‖ (p. 19).

A aprendizagem da leitura ―passa pela descoberta e pela utilização do princípio alfabético de correspondência entre letra e fonema‖ (Morais, 1997, p. 155). É reconhecida a importância da compreensão do princípio alfabético para a aquisição da proficiência da leitura fonológica, sendo, assim, possível delimitar a carga exercida sobre a memória visual, própria da escrita alfabética (Vellutino et al., 2004). As crianças deverão dominar o princípio alfabético para aprenderem a ler, contudo, nem todas as crianças o conseguem fazer (Shaywitz, 2006; Silva, 2004).

Adams et al. (2006) opinam que a compreensão do princípio alfabético ―depende de se entender que todas as palavras são compostas por sequências de fonemas‖, existindo, por vezes, dificuldade em concretizar este entendimento, já que:

Em primeiro lugar, os fonemas não têm significado, portanto, não é natural que se preste atenção a eles durante a fala ou escutas normais. Em segundo, diferentemente das sílabas,

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os fones, representantes dos fonemas, não podem ser facilmente diferenciados na fala corrente. (p. 103)

Tal como refere Silva (2004), as crianças, em contexto familiar ou de jardim de infância, podem entender a importância da leitura e compreender, no que concerne à escrita alfabética, que as palavras podem ser representadas por letras e que cada letra ou conjunto de letras representa determinados sons, ou seja, podem perceber o princípio alfabético desde tenra idade. Como refere o mesmo autor:

A complexidade do princípio alfabético (nomeadamente, a compreensão de que na escrita alfabética todas as palavras são representadas por combinações de um número limitado de símbolos visuais, as letras, e que estas codificam os fonemas) requer da criança um nível de raciocínio conceptual bastante sofisticado. A descoberta deste princípio parece ser uma das tarefas mais complicadas que as crianças têm de enfrentar no seu percurso até à aquisição de comportamentos fluentes de leitura e escrita. (p. 188)

A importância da aprendizagem do princípio alfabético é, pois, reconhecida, em todo o mundo, nomeadamente, em França. Em conformidade com a Circular n.º 2006-003, 2 C.F.R. (3 de janeiro de 2006) ―Apprendre à lire résulte de la découverte du principe alphabétique de notre langue. Les chercheurs, en France et l‘étranger, en sont d‘accord: l‘apprentissage de la lecture passe par le décodage et l‘identification des mots conduisant à leur compréhension‖.

Neste sentido, ler implica um conhecimento do mundo e envolve processos cognitivos linguísticos e não linguísticos, já que ler significa compreender um código escrito complexo (Vellutino et al., 2004). Na opinião de Vellutino et al (2004) a aprendizagem da leitura e da escrita implica que a criança descubra os conceitos relacionados com as funções da linguagem escrita, e com a essência das correspondências entre a linguagem escrita e a linguagem oral. Deste modo, ―é a elaboração destes conceitos que vai permitir que a criança evolua de um estádio de relativa confusão cognitiva para uma progressiva compreensão (clareza cognitiva) das utilizações funcionais e das características formais da linguagem escrita‖ (p. 188).

117 A propósito da complexidade da leitura, Byrne (1997, 1998, citado por Silva, 2004) comenta que:

A construção, por parte da criança, de uma representação alfabética da escrita é uma tarefa conceptual de enorme complexidade, a qual deriva do facto de a criança ter que ser capaz de articular competências relativas à análise explícita das palavras nos seus segmentos fonémicos com conhecimentos relativos ao nomes das letras. (p. 188)