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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

CAPÍTULO 3 FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

3.1. FORMAÇÃO DOCENTE

3.1.1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

No artigo 36.º da LBSE, no que diz respeito à qualificação para outras funções educativas, estão contempladas as orientações para a aquisição das habilitações para a docência da EE, referindo que os educadores da educação de infância e os professores do ensino básico e secundário podem exercer funções em EE, desde que ―obtenham aproveitamento em cursos especialmente vocacionados para o efeito realizados em estabelecimentos de ensino superior‖ (Comissão de Educação Ciência e Cultura, 2006, p. 27).

De acordo com o regime jurídico de formação especializada, previsto com o Decreto-Lei n.º 95/97, de 23 de abril, a EE é considerada uma área de formação especializada, que visa ―qualificar para o exercício de funções de apoio, de acompanhamento e de integração sócio- educativa de indivíduos com necessidades educativas especiais‖ (artigo 3.º, p. 1832).

O Despacho Conjunto n.º 198/99, de 3 de março, II série, pp. 3136-3139, define os perfis de formação especializada de professores, a formação especializada como acrescida, com o desenvolvimento de competências de análise crítica, de intervenção, de formação, de supervisão e de avaliação.

Neste âmbito, podem ficar habilitados para a docência em EE os profissionais que obtenham aproveitamento nos cursos que os qualificam para tal nos termos do artigo 33.º da Lei n.º 46/86, de 14 de outubro (LBSE), com as alterações que lhe foram conferidas pelas Leis n.º115/97, de 19 de setembro, e n.º49/2005, de 30 de agosto.

A reorganização curricular do EB, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro, e a execução da reforma curricular do ensino secundário, implementada pelo Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, com o objetivo de racionalizar a gestão dos recursos humanos disponíveis, trouxe a necessidade de introduzir algumas alterações no serviço docente.

O Decreto-Lei n.º 27/2006, de 10 de fevereiro43, procede à criação dos grupos de recrutamento para a docência, com a reorganização dos atuais grupos de docência, operando a sua transfiguração, fusão, desdobramento e renumeração, com a definição de novas áreas de recrutamento e a respetiva qualificação profissional. A Portaria n.º 212/2009, de 23 de fevereiro, estabelece os cursos que constituem habilitação profissional para os grupos de recrutamento da EE.

169 Neste sentido, existem três grupos de EE, o grupo 910, o grupo 920 e o grupo 930. O grupo 910 é definido como o grupo de EE que presta apoio a crianças e jovens com graves problemas cognitivos, motores, perturbações da personalidade ou da conduta, com multideficiência e para o apoio em intervenção precoce na infância. O grupo 920 é responsável pelo apoio a crianças e jovens com surdez moderada, severa ou profunda, com graves problemas de comunicação, linguagem ou fala. Por fim, o grupo 930 diz respeito ao apoio educativo a crianças e jovens com cegueira ou baixa visão (Aviso n.º5432-A/2009, de 12 de março, do ministério da educação).

A frequência com aproveitamento de ações de formação e de disciplinas singulares dos cursos do ensino superior poderão ser reconhecidas como formação contínua para a progressão na carreira docente, conforme os artigos 5.º e 7.º, com as alterações introduzidas ao Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de janeiro.

Devemos salientar que a formação e o desenvolvimento dos professores constituem ―condições necessárias para que se produzam práticas integrativas positivas nas escolas‖, sendo que é ―muito difícil avançar para uma perspectiva de escola inclusiva, sem que todos os professores, e não só os professores especializados em EE, desenvolvam uma competência suficiente para ensinar todos os alunos‖ (Marchesi, 2001, p. 103).

A escola inclusiva enquadra-se ―no princípio da igualdade de oportunidades educativas e sociais a que todos os alunos têm direito (…) requer professores especialistas que saibam como actuar com os alunos com necessidades educativas especiais, mas também os professores sem especialização a este nível necessitam de saber como intervir face às dificuldades entre os alunos de uma mesma turma‖ (Jesus & Martin, 2001).44

Para o desenvolvimento do paradigma de escola inclusiva, é importante atender: a) ―a abertura às diversidades, pela prática de uma pedagogia diferenciada‖; b) ―a formação dos professores deve vincular-se dentro do contexto educacional, isto é, os programas de formação devem inscrever-se na própria escola‖; c) a gestão e a rentabilização dos recursos humanos, no sentido que se ―saiba aproveitar os docentes de EE/apoios educativos, como recurso da escola em geral, desmistificando-se a distribuição de responsabilidades entre professores e serviço de apoio, e logrando-se um trabalho de comparticipação e colaboração entre todos‖; d) elaboração de um Projeto Educativo que promova as mudanças necessárias; e) a interpretação e utilização da legislação para a EE ―como instrumento de apoio e suporte da sua organização genérica‖ (Fernandes, 2002, p. 374).

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Com efeito, a existência de alunos com DAE, nas turmas do ensino regular, veio exigir aos professores novas estratégias de ensino, para dar respostas às necessidades tão diversas da sala de aula (Sanches, 1995). Este autor refere ainda que as exigências atuais feitas aos professores são inúmeras e cada vez mais complexas (Sanches, 1995), o que requisita da sua parte uma formação autodidata e contínua pois, como Rebelo (2001) afirma, as DA, que também se podem designar de distúrbios de aprendizagem, consistem em problemas, com diversos graus de gravidade, e que abarcam entre vários domínios, o das competências linguísticas, no qual se enquadram as dificuldades de leitura, dificuldades de escrita e dificuldades de matemática (Rebelo, 2001, p. 79).

De acordo com Sanches (1995), considera-se a formação dos professores de EE ―aquela a que os professores são sujeitos durante o curso de especialização em EE‖, sendo este curso desenvolvido, após a formação inicial e algum tempo de prática educativa45 (p. 11).

Sendo a formação especializada bastante importante, os responsáveis da UNESCO, em 1986-87, citados por Sanches (1995), realizaram uma investigação cujo objetivo visava conhecer a situação da EE, em 58 países-membros, tendo sido apurado o seguinte:

 Só uma minoria de países tem formação em necessidades educativas especiais na formação de professores;

 apenas 14 países (24%) têm uma sensibilização sobre o ensino de crianças com necessidades educativas especiais;

 13 países (22%) proporcionam formação em necessidades educativas especiais na formação em serviço para os professores do ensino regular. (p. 21)

Como já mencionámos no ponto anterior, a formação de professores (incluindo os de EE) é um ―processo contínuo ao longo da vida do professor, com diferentes etapas, desde a formação inicial e a formação contínua‖ (Ribeiro, 1994, p. 126), constituindo um veículo de renovação e de modernização do sistema educativo. A eficiência da formação docente pode constituir um fator determinante no sucesso de reformas e de mudanças na educação. Como afirma o mesmo autor (Ribeiro, 1994):

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A prática educativa diz respeito a ―toda a actividade educativa-pedagógica desenvolvida pelos professores de EE tendo em vista o desenvolvimento global da criança ou grupo de crianças no contexto em que estão inseridos, implicando a mobilização de todos os intervenientes para a procura de resposta adequada à situação‖ (Sanches, 1995, p. 11).

171 A actual política de formação de professores desenvolve-se, em termos gerais, à volta de três eixos – a formação inicial, a profissionalização em serviço e a formação contínua ou permanente – e não pode deixar de se articular com dois vectores significativos: a progressão na carreira docente e o processo de desenvolvimento experimental e inovação pedagógica em situações concretas de ensino ou na realidade educativa da escola. (p. 53)

Uma dessas realidades que não podemos menosprezar é a EE. Neste contexto, o relatório Warnock menciona uma preocupação com a formação dos professores que trabalham com crianças com NEE, salientando a necessidade de ―uma formação adicional, adequada e de qualidade para os professores‖ (Sanches, 1995, p. 28).

A investigação no campo da formação dos professores de EE tem sido limitada. No entanto, a mudança de paradigma de escola e o aumento de crianças com NEE no ensino regular teve impacto no perfil do professor de EE (Sanches, 1995). Segundo Sanches (1995):

O professor de educação especial vai surgir como um dos principais recursos dos professores de ensino regular, em termos de consultor, agente de formação, dinamizador e gestor dos meios disponíveis e a disponibilizar para a implementação dos programas de intervenção desenhados para as crianças e jovens com necessidades especiais, integrados nas escolas do ensino regular. (p. 19)

Em Portugal, segundo Costa e Rodrigues (1999), o primeiro curso de formação de professores de EE foi criado por volta dos anos 40 e o Instituto Nacional de Educação Física ofereceu, então, a disciplina de EE no currículo. A partir dos anos 60, surge o curso para os professores no domínio da deficiência visual. Nos anos 70, foram organizados pelo ME diversos cursos de EE, nos domínios da deficiência visual, auditiva e motora. Nos anos 80, a organização dos cursos de EE foi assumida pelos Institutos Politécnicos de ensino superior, nomeadamente as Escolas de Educação, sendo os primeiros cursos criados no Instituto Politécnico do Porto e de Lisboa. Nos anos 90, estes cursos de formação de professores em EE foram alargados a todo o país, surgindo as especializações em EE e os mestrados. Assim, neste momento, existem três tipos diferentes de modalidades formativas para professores de EE: uma componente integrada na

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formação inicial, uma modalidade de formação contínua e a especialização em EE, bem como o mestrado em EE.

Sanches (1995) comparou os planos curriculares de três cursos de especialização de professores de EE com as práticas desenvolvidas pelos formandos desses mesmos cursos. Verificou que ―os ʻenfoquesʼ da formação geral se situam em três áreas: Desenvolvimento, Ciências da Educação e Investigação de real pedagógico-educativo‖, sendo que a ―formação especializada entra com um modelo educativo de intervenção e um discurso de índole pedagógico-educativo‖. Concluiu que as funções do professor de EE se qualificam pela ―observação e caracterização do aluno e da situação educativo-pedagógica em que se insere, planificação individual e para pequenos grupos, intervenção junto do aluno e contexto educativo e avaliação da criança e do trabalho realizado‖ (p. 162).

Ao nível do apoio direto ao aluno, as práticas pedagógicas dos professores de EE referem- se ao processo de ensino-aprendizagem e dos conteúdos escolares, ―antecipando, acompanhando e/ou repondo os conteúdos escolares, essencialmente ao nível da leitura/escrita e/ou técnicas específicas de comunicação‖, dizendo, ainda respeito à relação professor e aluno. O apoio directo ao aluno poderá ser realizado a ―nível individual ou em pequeno grupo, no horário escolar do aluno e no contexto em que decorre a sua escolarização regular (dentro ou fora da sala de aula)‖. Os professores de EE intervêm junto dos professores do ensino regular e, pontualmente, diretamente em contexto de sala de aula do ensino regular (Sanches, 1995, p. 163).

Para além disso, o professor de EE, após o desenvolvimento da observação e caracterização do aluno, colabora na elaboração do plano educativo individual, focalizado no desenvolvimento de competências, implantando um ―programa centrado no ensino-aprendizagem dos conteúdos básicos da escolaridade obrigatória e na resolução de problemas de ordem sociofamiliar; regista e avalia, quando julgue necessário, o trabalho realizado e as aquisições feitas‖ (Sanches, 1995, p.163).

Com o Despacho Conjunto n.º 105/97, de 30 de maio, que define o regime aplicável à prestação de serviços de apoio educativo, após o Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de agosto, que veio regulamentar o enquadramento legal para a EE, o papel do professor ganha contornos mais definidos. Este Despacho Conjunto n.º 105/97 centra a intervenção do professor especializado de EE no processo e não apenas no aluno.

173 O professor de apoio educativo46 ―tem como função prestar apoio educativo à escola, no seu conjunto, ao professor, ao aluno e à família, na organização e gestão dos recursos e medidas diferenciadas a introduzir no processo ensino aprendizagem‖. O professor de apoio educativo deve trabalhar em articulação e cooperação com o professor do ensino regular, com o objetivo de desenvolverem uma pedagogia diferenciada, que promova a qualidade e a inovação educativa (alíneas b) e f), ponto 12, do Despacho Conjunto n.º 105/97).

O Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, vem revogar a legislação existente relativa à EE, com a exceção do Despacho Conjunto n.º 105/97. Este novo enquadramento legal determina quais as áreas curriculares específicas que são da responsabilidade do docente de EE, referentes às adequações curriculares e ao CEI dos alunos com NEE de carácter permanente (Decreto-Lei n.º 3/2008, artigo 18.º e 21.º).

No relatório da OCDE, em 1984, (Secretariado Nacional de Reabilitação, citado por Sanches, 1995), são apresentados os seguintes componentes necessários para a formação de professores de EE:

Informações sobre princípios gerais, objectivos da política e regulamentos legislativos; conceitos de deficiência, incapacidade e handicap, problemas de diferença e normalidade relacionados com segregação e integração; funções dos serviços, escolas regulares e educação especial, segundo o princípio da ―normalização‖; teorias pedagógicas e um sólito conhecimento didáctico; organização e desenvolvimento de planos educativos para grupos e ou indivíduos de acordo com as suas necessidades educativas; comunicação e cooperação; trabalho de grupo; autoavaliação e heteroavaliação ao nível dos conhecimentos e das atitudes; trabalho prático com alunos em situações de ensino. (p. 45)

Em 1990, a Comissão das Comunidades Europeias mantém esta linha de pensamento, defendendo que os professores de EE têm de ser formados ―no domínio da teoria e das metodologias do ensino com uma iniciação prática‖, com a sensibilização da necessidade de participação dos pais na educação e com um trabalho realizado ―no âmbito de equipas educativas‖. Refere, ainda, que ―nos programas de formação, devem ser nomeadamente tomados em consideração factores pedagógicos, a acessibilidade, a regulamentação específica adequada às

46 O Despacho conjunto n.º 105/97 refere-se aos professores especializados como sendo os professores do

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crianças e aos jovens deficientes bem como as atitudes a ter para com eles‖. Neste sentido, os professores especializados de EE, para desempenharem papel de assessoria, têm de ter ―conhecimento profundo da deficiência, conhecer as técnicas especiais a ela ligadas, poder detectar precocemente situações (…) e introduzir soluções, tanto por meio das suas intervenções directas junto das crianças, como pelo aconselhamento do professor‖ (Sanches, 1995, p. 45).

É importante que os docentes estejam preparados e motivados para diversificar as estratégias pedagógicas, recorrendo ao ensino diferenciado e à avaliação constante do progresso do aluno (Ainscow, 1994). De acordo com o conselho científico-pedagógico da formação contínua (2002) o perfil de formação especializada de professores de EE tem por objetivo ―qualificar para o exercício das funções de apoio, de acompanhamento e de integração sócio-educativa de indivíduos com necessidades educativas especiais‖ (p. 148). As competências que se devem desenvolver são as seguintes: ―Competências de análise crítica‖; ―Competências de intervenção‖; ―Competências de formação, de supervisão e de avaliação‖; ―Competências de consultoria‖ (pp. 148-149).

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