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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICAS

CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ENSINO BÁSICO

1.4. ESCLARECIMENTOS CONCEPTUAIS

1.4.2. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICAS

No geral, os estudos indicam que existem cerca de 10 a 20% de crianças com dificuldades de aprendizagem (Shaywitz, 1995), cujas origens são difíceis de diagnosticar (Middle, Johnson, Alderdice, Petty, & Macfarlane, 1996). O relatório Warnock (1978) estimou que 20% das crianças tinham NEE, das quais 18% teriam dificuldades de aprendizagem (Peixoto, 2008). O Departamento da Educação dos EUA apontou para 1 a 3% de alunos com dificuldades de aprendizagem

22 As unidades mínimas de escrita denominam-se grafemas que representam determinados fonemas, unidades

mínimas da fala, abstratos, frequentemente não isoláveis do ponto de vista acústico, permitindo, porém, distinções semânticas. Mais em pormenor, fonemas ― são as unidades mínimas fónicas de uma língua, sem significado, mas que, comutados, provocam mudanças dos signos‖ e o grafema ―é uma unidade, formada por símbolos (letras, algarismos, sinais, etc.) da palavra escrita corrente da língua, não susceptível de divisão, usada para representar um certo fonema‖ (D´Silvas Filho, 2010, p. 147). No entanto, devemos relembrar que os fonemas não são os sons, mas sim as unidades abstratas.

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(Mckinney, 1985, citado por Peixoto, 2008), sendo que deste conjunto de alunos, 40 a 60% dizem respeito a problemas de linguagem, especificamente de leitura (Westman et al., 1987, citado por Peixoto, 2008, p. 3).

As consequências das dificuldades de aprendizagem podem concretizar-se em sucessivas retenções e, consequentemente, no abandono escolar. Todavia, infelizmente, é muito difícil determinar as causas das dificuldades para as poder solucionar (Rebelo, 2001). No estudo desenvolvido por Carvalhais e Silva (2010), verificou-se um maior número de retenções em crianças que apresentavam dificuldades específicas de aprendizagem da leitura comparativamente a crianças sem dificuldades de aprendizagem.

Interessa, pois, desmistificar o constructo de dificuldade. Assim, Rebelo (2001) assevera que o termo é proveniente ―etimologicamente, do vocábulo latino difficultatem que, por sua vez, radica em difficilis, de dis+facilis, adjectivo latino derivado de dis+facere. Significa, pois, originalmente, dispersão ou desvio em relação ao que há a fazer, isto é, não conseguir fazer‖ (p. 70). Neste sentido, dificuldades representam:

Obstáculos, barreiras ou impedimentos, com que alguém se depara ao tentar realizar algo que deseja alcançar‖ ou concretizar um objetivo previamente estabelecido. Estes obstáculos ou barreiras podem variar tanto na ―sua grandeza e força, como nas suas causas e duração. (Rebelo, 2001, p. 70)

Mais especificamente, em contexto educativo, na aprendizagem que se realiza nas escolas, ―proposta pela sociedade através dos respectivos currículos, dificuldades são obstáculos que os alunos encontram no seu processo de escolarização, na captação e assimilação dos conteúdos de ensino‖ (Rebelo, 2001, p. 70).

Em contexto educativo, Jiménez (1997a) adianta que o:

Conceito de dificuldade de aprendizagem é relativo; surge quando um aluno tem uma dificuldade de aprendizagem significativamente maior do que a maioria dos alunos da sua idade ou sofre de uma incapacidade que o impede de utilizar ou lhe dificulta o uso das instalações educativas geralmente utilizadas pelos seus companheiros. (pp. 9-10)

83 Fonseca (1999, citado por Peixoto, 2008) vai mais longe e afirma que existe um conjunto de problemas que são integrados no grupo como Dificuldades de Aprendizagem Específicas (DAE), sendo mais frequentes os seguintes:

Problemas de hiperactividade, problemas psicomotores, problemas de orientação espacial, labilidade emocional e motivacional, impulsividade, problemas de memória, problemas cognitivos de processamento de informação, problemas de audição e de linguagem, sinais neurológicos difusos e dificuldades específicas na aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática. (p. 2)

No parecer de O`Regan (2007), as DAE dizem respeito a:

Uma variedade de condições afins que decorrem num continuum de gravidade. Os alunos podem ter dificuldades de leitura, escrita, ortografia ou manipulação de números, que não sejam típicas de seu nível esperado de desempenho. Podem apresentar problemas com a memória de curta duração, as habilidades organizacionais, a coordenação entre mãos e olhos e a orientação e percepção espacial. A dislexia, a discalculia e a dispraxia encaixam- se nesta categoria. (p. 12)

Como podemos constatar, «dificuldades de aprendizagem» é uma expressão muito genérica, incluindo barreiras, interiores ou exteriores, que impossibilitam o sujeito de realizar uma certa aprendizagem. A noção de distúrbios de aprendizagem já é um pouco mais específica, se bem que ainda demasiado vasta (Rebelo, 2001).

As definições alteram-se de acordo com critérios classificatórios estabelecidos, em que os problemas se agrupam por categorias. Assim, de acordo com os estudos de Adelman e Taylor (1986, citado por Rebelo, 2001), podemos agrupar os problemas em quatro categorias: os problemas de tipo I resultam ―geralmente da inadequação dos ambientes escolares‖; os problemas de tipo II ―resultam de factores exteriores ao aluno, [incluindo] problemas com origem em factores intra-individuais, conjugados com factores ambientais‖; os problemas de tipo III cujas causas podem ser ―atribuídas a disfunções cerebrais mínimas ou a disfunções neurológicas, que interferem

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na percepção e no processamento linguístico‖, são problemas intrínsecos ao individuo, onde se podem incluir ―as noções de dislexia, disortografia e discalculia‖; os problemas de tipo IV em que são agrupados ―os problemas resultantes de deficiências, com quadros de diagnósticos bem estabelecidos: deficiências sensoriais e motoras, como a paralisia cerebral, deficiências intelectuais e emocionais graves e o autismo‖ (pp. 81-82).

Existem outros critérios classificatórios de acordo com a gravidade, extensão e cronicidade dos problemas de aprendizagem, ―segundo um contínuo que vai desde relativamente leves a extremamente graves‖ (Rebelo, 2001, p. 82).

Deste modo, as dificuldades de aprendizagem podem variar entre moderadas, severas e profundas. As dificuldades moderadas correspondem a atrasos no desenvolvimento em determinadas áreas, levando a que as crianças apresentem dificuldades na aquisição de ―habilidades básicas de alfabetização, aritmética, podem ter dificuldades de fala e linguagem associadas ao atraso intelectual‖, tendo eventualmente ―baixa auto-estima, pouca concentração, habilidades sociais subdesenvolvidas, dificuldades comportamentais, emocionais ou sociais e/ou dificuldades físicas que afetam a sua capacidade de aprendizagem‖. Quando há dificuldades de aprendizagem severas, as crianças apresentam ―retardos globais significativos‖, podendo ter cumulativamente ―dificuldades de mobilidade, coordenação, sensoriais e de comunicação, bem como comportamento desafiador‖. Estas ―crianças podem apresentar dificuldades para acompanhar o currículo‖ e dificuldades em ―desenvolver habilidades sociais‖. As dificuldades de aprendizagem profundas e múltiplas dizem respeito a ―crianças com mais de uma deficiência significativa, que pode incluir dificuldades físicas severas e um grau maior de limitação intelectual‖. Este grupo necessita de ―um nível maior de apoio individual para as suas necessidades de aprendizagem e cuidados especiais‖ (O`Regan, 2007, p. 16).

Enfim, num sistema complexo de aprendizagem da linguagem, as ―fontes das perturbações são múltiplas‖. As dificuldades podem ser intrínsecas ou extrínsecas, atribuídas ao meio ou ao sujeito (hereditárias), passageiras ou não. Efetivamente, não sendo o desenvolvimento estático e cada criança tendo o seu ritmo próprio de evolução, as ―desigualdades de desenvolvimento podem aparecer sob a forma de dificuldades passageiras ou de dificuldades que persistem além do que seria razoável‖. As dificuldades na aprendizagem da linguagem que são consideradas ―passageiras‖, podem, todavia, ―ser acentuadas se a criança se encontrar integrada num meio que não favoreça a expressão verbal‖ (Castro & Gomes, 2000, pp. 40-41).

85 De realçar que a ―perturbação pode ser especificamente de linguagem ou pode ser de outro tipo e ter consequências a nível da linguagem‖, não sendo, por isso, fácil identificar a origem ou a causa da perturbação. Como a linguagem é um sistema em evolução, é mais difícil, com a intervenção, obter resultados em adultos do que em crianças. É importante salientar que as dificuldades causadas pelo meio ambiente podem ser ―superadas mediante intervenção educativa apropriada e no tempo certo‖, evitando que uma ―dificuldade passageira se venha a eternizar e a acumular com outras, conduzindo ao insucesso escolar‖ (Castro & Gomes, 2000, p. 41).

O problema coloca-se, então, quando as dificuldades persistem, atendendo a que nem todas são passageiras.

Se as dificuldades de aprendizagem podem englobar várias áreas, também se podem manifestar apenas numa área como, por exemplo, no processo de aprendizagem da leitura (Castro & Gomes, 2000). Assim, do grupo de crianças com dificuldades de aprendizagem, existe um subgrupo de crianças com dificuldades específicas de aprendizagem no domínio da leitura e da escrita (Citoler & Sanz, 1997).

É neste contexto que surgem vários termos equivalentes, dislexia, distúrbios de leitura ou dificuldades específicas de leitura, ―que mais frequentemente se utilizam para designar as dificuldades específicas da leitura e da escrita‖ (Rebelo, 2001, p. 100). De destacar que as dificuldades de aprendizagem graves circunscritas à escrita, excluindo a leitura e a grafia, são designadas de disortografia (Garcia Vidal, 1989, p. 227).

Atendendo aos dois níveis de leitura, a ―elementar e a de compreensão‖, os estudos, geralmente, debruçam-se sobre o nível elementar, já que este se subdivide em determinados períodos de aquisição da linguagem (Rebelo, 2001, p. 44).

De acordo com diversos autores, foram estabelecidos períodos do desenvolvimento da aquisição linguística, com base no ritmo da aquisição de palavras que constituirão o léxico mental da criança e o desenvolvimento léxico-semântico (combinação de palavras, construindo frases), permitindo comparar o desenvolvimento, na aquisição da linguagem considerado normal, com o que apresenta determinados atrasos ou desvios (Castro & Gomes, 2000).

Todavia, como a maturação e a aquisição da linguagem nem sempre se desenvolvem em simultâneo, é difícil a instituição de limites cronológicos inflexíveis para os diversos períodos de

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aquisição da linguagem (Castro & Gomes, 2000), servindo de marcos orientadores. Estes autores defendem, atendendo a essas balizas temporais, que ―um atraso de seis meses justifica atenção redobrada e eventualmente o recurso a especialistas para averiguar a situação‖, aceitando os seguintes sinais de alerta: quando aos 18 meses a criança não compreende ordens simples; quando com dois anos completos a criança não diz nenhuma palavra; quando aos três anos não formula frases de três palavras; quando aos quatro anos produz frases que não se submetem às regras gramaticais; quando aos cinco anos persistem omissões ou alterações, relativamente frequentes, na articulação, em particular das consoantes sibilantes e líquidas (Castro & Gomes, 2000, p. 60).

Em suma, é premente conhecer a problemática das dificuldades de aprendizagem, nomeadamente as relacionadas com a leitura, para intervir atempada e eficazmente, pois esta é o veículo privilegiado para a aprendizagem e para o sucesso educativo. Ora, como já referimos, os alunos com dificuldades de aprendizagem tendem a manifestar falta de motivação para a aprendizagem porque os conhecimentos de base exigidos pela escola não foram adquiridos anteriormente e podem sofrer reprovações e abandonar a escola (Lopes, 2005). Aliás, como Lopes (2005) reforça, 25% dos alunos não conseguem terminar o terceiro ciclo.

Os estudos mostram-nos, pois, que as dificuldades de aprendizagem da leitura se podem traduzir no insucesso escolar que é, indubitavelmente, um problema de saúde pública (Demont & Gombert, 2004) que temos o dever de combater.