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CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.4 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais encontram-se pautados no conceito de Estado Democrático de Direito, sendo a dignidade da pessoa humana alicerce maior do ordenamento jurídico.

Em razão disso, observam-se algumas características comuns a todos os direitos fundamentais, de modo a promover distinções entre estes e outros direitos. Afora isso, as características comuns dos direitos fundamentais servem como critérios unificadores destes, de modo a identificá-los entre si.

Seguindo a classificação de Dirley da Cunha Jr53, analisar-se-ão as características adiante elencadas.

2.4.1 Historicidade

A historicidade dos direitos fundamentais reflete o fato de eles serem frutos de uma evolução histórica, como já foi analisado no item 2.2 deste capítulo. Assim, observa- se que os direitos fundamentais não foram produtos de um momento histórico isolado, mas sim de uma mutação progressiva.

Note-se que os direitos fundamentais passaram por um processo evolutivo, em que se vislumbraram notícias suas desde a Idade Antiga. Trilharam, portanto, um caminho de desenvolvimento, reconhecimento, constitucionalização e universalização através dos direitos humanos postos em tratados, de sorte que ainda estão sujeitos a transformações.

2.4.2 Universalidade

Os direitos fundamentais englobam todos os indivíduos, haja vista que são necessários ao implemento da dignidade da pessoa humana. Em razão disso, não há qualquer distinção entre os seres humanos, de maneira que eles serão atingidos

53

pelos direitos fundamentais, independentemente de raça, cor, sexo, credo ou opção política.

Isso não significa que os direitos fundamentais serão uniformes em todo o mundo, uma vez que são fixados de acordo com o momento histórico que cada Estado vive54. Não se pode crer que todos os indivíduos desfrutem de todos os direitos fundamentais existentes, pois existem direitos fundamentais que só interessam a certo grupo de pessoas, como os trabalhadores, por exemplo, ou só pertencem a poucos, como os direitos políticos55.

2.4.3 Inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade

Não há a possibilidade de transferência dos direitos fundamentais, seja a título gratuito ou oneroso. Por isso, observa-se nesses direitos a característica de serem inalienáveis, não estando à disposição do seu titular.

Verifica-se também a notória imprescritibilidade dos direitos fundamentais, uma vez que estes não se perdem pelo decurso do prazo, sendo sempre exigíveis56.

54

Paulo César Santos Bezerra, em sua obra “Temas Atuais de Direitos Fundamentais” (p. 42 e seguintes) afirma ser a universalidade princípio que deve ser analisado enquanto conteúdo, forçando, assim, que houvesse um temperamento nessa universalidade. Para ele, “cerrar fileiras na universalidade absoluta de todos esses direitos reclama por uma mudança de posição crítica. Atribuir universalidade aos chamados direitos fundamentais que constam nos textos normativos é uma falácia histórica que deve ser desmistificada. E isso se dá porque ninguém, em bom juízo, pode negar a álea de discricionariedade dada ao legislador, para fazer mudar a tábua de direitos escritos nos textos, mesmo os Constitucionais”. Afirma ainda que a relativização da universalidade engloba qualquer dimensão de direitos fundamentais, já que os direitos não são universais, mas sim sua proteção é absoluta. Por fim, entende que esses direitos só podem ser postos em prática de modo gradual, já que a universalidade só pode ser conhecida no plano do reconhecimento, e não no plano fático. BEZERRA, Paulo César Santos. Temas Atuais de Direitos Fundamentais. Ilhéus: Editus, 2006, p. 42.

55

CUNHA JR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 582.

56

Confirmando esse entendimento, AgRg no REsp 893725 / PR AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2006/0219140-9, Ministro Relator Humberto Martins, Segunda Turma, STJ, julgamento em 23/04/09: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – INDENIZAÇÃO – REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS – TORTURA – REGIME MILITAR – NÃO- INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932 – IMPRESCRITIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a prescrição quinquenal não se aplica aos casos de reparação de danos causados por violações dos direitos fundamentais que são imprescritíveis (grifo nosso), principalmente quando se fala da época do Regime Militar, quando os jurisdicionados não podiam buscar a contento suas pretensões. Precedentes. 2. Ademais, o argumento referente à afronta ao Princípio da Reserva de Plenário foi trazido, tão somente, nas razões do agravo regimental ora analisado, o que configura patente inovação da tese. "É vedado à parte inovar em sede de agravo regimental." (AgRg no Ag 875.054/SP, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 7.8.2007, DJ 6.9.2007). Agravo regimental improvido.

Afora isso, os direitos fundamentais não podem ser objeto de renúncias. Dessa característica, como entende Alexandre de Moraes, surgem diversas discussões, como renúncia ao direito à vida e à eutanásia, aborto e suicídio57.

2.4.4 Limitabilidade

Não existem direitos fundamentais absolutos, logo, é possível ocorrer colisão com outros direitos fundamentais58. Neste caso, deverá haver a proteção do núcleo mínimo dos direitos fundamentais, visando a fazer com que estes consigam se coadunar com a realidade fática apresentada. Para que os direitos fundamentais convivam em harmonia, é necessário que haja a resolução dos conflitos através da aplicação dos postulados, devendo o magistrado contar com a ponderação de interesses, proibição do excesso e concordância.

Ponderando-se os interesses diante dessa situação concreta, o magistrado conseguirá “impor compressões recíprocas sobre os interesses protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto ótimo, onde a restrição a cada interesse seja a mínima indispensável à convivência com o outro” 59.

2.4.5 Concorrência, complementaridade e interdependência

57

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 23. Contudo, é preciso chamar a atenção para o fato de que certos direitos fundamentais, chamados direitos da personalidade, podem ser objeto de parcial disposição do seu titular – por exemplo, quando o indivíduo dispõe de sua imagem para realização de uma campanha publicitária. Nada disso, porém, pode ser capaz de ensejar a renúncia ao direito fundamental ou a ofensa à dignidade da pessoa humana.

58

A característica da limitabilidade dos direitos fundamentais é bem observada no HC 93250/MS, 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, tendo como relatora a ministra Ellen Gracie e data de julgamento em 10/06/08: PROCESSO PENAL. PRISÃO CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO. CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

INOCORRÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTA. VALORAÇÃO DE PROVA.

IMPOSSIBILIDADE EM HABEAS CORPUS [...] 6. Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos fundamentais previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa. (grifo nosso) 7. Ordem denegada.

59

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1. ed. 3ª Tiragem. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.102.

Pela característica da concorrência, entende-se que os direitos fundamentais podem ser exercidos de maneira cumulativa, de modo que um mesmo titular pode exercer vários direitos cumulativamente60. Partindo da concorrência, observa-se outra característica, quer seja a interdependência.

Embora as normas de direitos fundamentais sejam autônomas, elas possuem diversas ligações para atingir a sua finalidade. Tem-se como exemplo a ligação entre o direito de liberdade de locomoção e a garantia fundamental do habeas corpus, o direito de liberdade de manifestação do pensamento e o direito de associação, dentre outros.

Por fim, observa-se ainda que os direitos fundamentais não podem ser interpretados isoladamente, mas sim de maneira conjunta na busca da finalidade da norma61. Por isso, os direitos fundamentais possuem ainda como característica a complementaridade, que pretende alcançar os objetivos previstos pelo legislador constituinte.

2.4.6 Proibição do retrocesso

De maneira alguma, uma norma pode ser um retrocesso às conquistas obtidas ao longo do tempo. Por ser marcante a característica da historicidade dos direitos fundamentais, não há como comportar retrocessos, quer sejam por supressão desses direitos ou enfraquecimento.

Conceitua-se proibição de retrocesso, em um sentido amplo, como sendo “toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face de medidas do Poder Público, com destaque para o legislador e o administrador que tenham por escopo a supressão ou mesmo a restrição de direitos fundamentais [...]62.

60

CUNHA JR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 585.

61

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 23.

62

SARLET, Ingo Wolfgang. Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição de retrocesso: revisitando o problema da proteção dos direitos fundamentais sociais. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves e CORREIA, Érica Paula Barcha. Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 74.

Para Canotilho, seria inconstitucional qualquer medida que seja tendente a revogar direitos fundamentais já regulamentados, sem a criação de meios alternativos de compensação63.

Em razão disso, as normas de direitos fundamentais são consideradas cláusulas pétreas por força do art. 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal de 1988. O constituinte criou, portanto, uma barreira às retrocessões no tocante aos direitos fundamentais, fomentando a atitude estatal no sentido progressista.

2.4.7 Constitucionalização

Os direitos fundamentais consistem em uma positivação dos direitos humanos ou direitos do homem no Texto constitucional64. Em razão disso, pode-se estabelecer como característica dos direitos fundamentais a constitucionalização.

Vale ressaltar que os direitos do homem são aqueles inerentes à sua condição humana, sendo direitos naturais. Pelo seu reconhecimento formal através dos Textos constitucionais, observa-se uma força jurídica desses direitos, elevando-os a normas constitucionais de hierarquia superior no ordenamento jurídico.

Contudo, é aceito no ordenamento jurídico direito fundamental que não esteja no Texto constitucional, em razão da cláusula de abertura contida no art. 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal, pautada na fundamentabilidade material dos direitos fundamentais. Tratar-se-á desse aspecto mais a frente.

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