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A FUNDAMENTABILIDADE FORMAL E MATERIAL E O CONCEITO MATERIALMENTE ABERTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.6 A FUNDAMENTABILIDADE FORMAL E MATERIAL E O CONCEITO MATERIALMENTE ABERTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A noção de direitos fundamentais deve sempre estar conjugada com a característica da fundamentabilidade desses direitos. Em razão disso, pode-se dividi-la em formal e material.

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MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 25.

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O princípio do Mínimo Existencial, ou princípio do Patrimônio Mínimo, no entendimento de Luiz Edson Fachin, é valor, conceito aberto, apto de ser construído nas vicissitudes do caso concreto. Em verdade, representa um limite mínimo patrimonial capaz de suprir as necessidades de uma vida humana digna. FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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A fundamentabilidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo, sendo resultado daquilo que se encontra positivado no Texto constitucional72. Relaciona-se com as normas de direito fundamental constitucional. Segundo Robert Alexy, “entre el concepto de norma de derecho fundamental y el del derecho fundamental existen estrechas conexiones. Siempre que alguien posee un derecho fundamental, existe uma norma válida de derecho fundamental que le otorga este derecho”73.

Então, na fundamentabilidade formal, a norma válida que outorga o direito fundamental é a própria Constituição, no seu título II. Note-se que essa fundamentabilidade formal recebeu especial atenção do constituinte, como assevera Ingo Sarlet, pois se revela não apenas na hierarquia normativa superior das normas constitucionais em geral, mas, principalmente, na aplicabilidade imediata constante no art. 5º, parágrafo 1º da CF/88.74

Já a fundamentabilidade material decorre da existência de decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade75. Observa-se que tal fundamentabilidade é percebida cada vez que um direito fundamental protege bens e valores consagrados na ordem interna, de sorte a garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito. Vale salientar que ela emana da relevância social (e também político-estatal) do próprio valor consubstanciado no direito.

Através do intermédio da fundamentabilidade material, compreende-se hoje o conceito materialmente aberto, em que se permite a inserção de direitos fundamentais não constantes em seu texto, mas que possuem como característica marcante o fato de serem materialmente fundamentais. Esses direitos exprimem valores sobre a estrutura do Estado e da sociedade, com base na dignidade da pessoa humana.

É o que ocorre com direitos fundamentais que não estão situados no rol dos direitos fundamentais do título II da Constituição, mas podem ser encontrados em outras

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, 9. ed, rev., atual. e ampl.. Porto Alegre, 2008 Livraria do Advogado, p. 86.

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ALEXY, Robert. Teoria de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1993, p. 47/48.

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SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº , 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 03 de abril de 2009.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, 9. ed, rev., atual. e ampl.. Porto Alegre, 2008 Livraria do Advogado, p. 87.

passagens do Texto constitucional em razão de sua materialidade. Como se observou anteriormente, o rol do título II da Constituição Federal de 1988 não é taxativo, de maneira que a fundamentabilidade material dos direitos fundamentais permitiria o reconhecimento de certos direitos que não se encontram nesse rol. O art. 5º, parágrafo 2º da Constituição estabeleceu uma regra de abertura76 a novos direitos fundamentais, como segue abaixo:

Art. 5º. [...]

§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Destarte, visualizam-se direitos fundamentais na Constituição de 1988 para além do título II da própria Carta, na medida em que fundamentais são os direitos tipificados como tal, bem como os decorrentes do regime e princípios adotados pela Constituição e os previstos em tratados internacionais sobre direitos humanos, observando-se o quorum estabelecido pelo art. 5º, parágrafo 3º da CF/88. De acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

O primeiro problema que a norma citada coloca é o do critério de identificação dos direitos implícitos. Ou seja, põe-se a questão da essência da fundamentalidade, portanto, dos caracteres necessários para que um direito não enumerado na Constituição seja reconhecido como fundamental. Sim, porque somente será possível reconhecer um direito como fundamental, se previamente estiverem estabelecidos os critérios da

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Observa-se que o REsp 811608 / RS RECURSO ESPECIAL 2006/0012352-8, Ministro Relator Luiz Fux, 1ª Turma do STJ, julgamento em 15/05/07, traz o direito à saúde como direito fundamental consagrado fora do rol do art. 5º da CF/88 em razão de sua fundamentabilidade material trazida pela cláusula de abertura do art. 5º, parágrafo 2º da CF/88, in verbis: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONCRETAS. DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196 DA CF/88). EFICÁCIA IMEDIATA. MÍNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSÍVEL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. [...] Mesmo que situado, como comando expresso, fora do catálogo do art. 5º da CF/88, importante destacar que o direito à saúde ostenta o rótulo de direito fundamental, seja pela disposição do art. 5º, § 2º da CF/88, seja pelo seu conteúdo material, que o insere no sistema axiológico fundamental - valores básicos - de todo o ordenamento jurídico [...]. Com efeito, já se viu, oportunamente, que, por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, diversas posições jurídicas previstas em outras partes da Constituição, por equiparadas em conteúdo e importância aos direitos fundamentais (inclusive sociais), adquirem também a condição de direitos fundamentais no sentido formal e material, ressaltando, todavia, que nem todas as normas de ordem social compartilham a fundamentalidade material (e, neste caso, também a formal), inerente aos direitos fundamentais. Além disso, percebe-se, desde já, que as normas relativas aos direitos sociais do art. 6º da CF exercem a função precípua de explicitar os conteúdos daqueles.

fundamentalidade. Isto é, as notas materiais que o constituem. Caso contrário, esta fundamentalidade ficará ao arbítrio do intérprete77.

Ora, seria impossível prever direitos fundamentais de forma exaustiva. Então, estabelecer um conceito materialmente aberto, baseado em valores e princípios, faz- se necessário, em razão de uma constante evolução social no tocante aos direitos fundamentais.

No entanto, questionam-se alguns aspectos dessa cláusula de abertura, como relata Ingo Sarlet. Primeiramente, a posição assumida por esses direitos materialmente fundamentais com relação aos direitos fundamentais postos no rol do título II quanto à equiparação e regime jurídico.

Outra dificuldade reside em identificar quais seriam esses direitos fundamentais existentes no Texto constitucional, ou mesmo fora dele, e suas fontes. Por fim, ainda indaga-se a abrangência da regra, haja vista que está posta no capítulo dos direitos individuais e coletivos78. No caso do art. 5º, parágrafo 3º da Constituição Federal79, os dilemas acerca da equiparação dos direitos existentes em tratados aos direitos

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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os Direitos Fundamentais Implícitos e seu reflexo no Sistema Constitucional Brasileiro. Revista Jurídica Virtual. Brasília. v. 8, n. 82, dez./jan., 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_14/direitos_fund.htm. Acesso em: 15 de julho de 2009.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 9. ed, rev., atualiz. e ampl.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 93.

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Compreendia-se da leitura do art. 5° que o simples Tratado Internacional versando sobre direitos e garantias fundamentais já daria uma esfera de direito subjetivo para qualquer um, independentemente de qualquer ato. Eles eram automaticamente incorporados ao rol dos direitos fundamentais sem a necessidade de nenhum ato posterior. O STF, à época, entendeu diferente. Entendeu que esses tratados internacionais, para serem incorporados no direito brasileiro, deveriam passar pelo trâmite da internacionalização dos tratados no direito interno. Somente após a aprovação, ele ganharia status de norma, ligado no direito brasileiro com a estatura de lei ordinária. Isso só foi corrigido com a Emenda Constitucional n. 45, de 2004, que acrescentou o parágrafo 3º ao art. 5º. No entanto, critica-se essa regra em razão do retrocesso que esta traz no tocante à incorporação dos direitos fundamentais por via de Tratado Internacional. Hoje, o STF tem mudado um pouco seu entendimento, como foi expresso no caso do julgamento da prisão civil por dívida, quando diz que o Pacto de San José da Costa Rica, embora não tenha sido submetido ao requisito formal do parágrafo 3° do art. 5°, como foi um tratado celebrado anteriormente à emenda 45, tendo, portanto, força de norma constitucional. Por essa razão, a prisão civil estaria derrogada pelo Pacto. RE 349703 – RS, Ministro Relator Carlos Britto, publicação do Acórdão em 05/06/09: PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO

BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS

INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhe reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão [...].

fundamentais foram diminuídos, uma vez que a Emenda Constitucional nº 45, do ano de 2004, acrescentou esse parágrafo, de modo que os tratados internacionais têm força de emenda constitucional se aprovados pelo quorum de três quintos dos membros do Congresso Nacional80.

No entanto, discute-se ainda sobre a referência e o contorno para a construção de um conceito materialmente aberto dos direitos fundamentais pautados na dignidade da pessoa humana e no regime adotado pela Constituição, bem como os critérios e limites utilizados na confecção destes81.

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