• Nenhum resultado encontrado

A EFICÁCIA DO ART 5º, PARÁGRAFO 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

2 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.9 A EFICÁCIA DO ART 5º, PARÁGRAFO 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

No ordenamento jurídico brasileiro, qualquer norma constitucional possui um mínimo de eficácia101. Contudo, essa eficácia pode variar de acordo com o grau de

101

A afirmação acima não deve vir desacompanhada de algumas considerações e alertas. A primeira questão que merece comentário diz respeito à distinção, entabulada pela doutrina, entre vigência ou validade formal (algumas vezes, chamada de eficácia jurídica) e eficácia social (também chamada de eficácia fática). Estudar a questão da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais é propor uma análise acerca da chamada eficácia fática (se a norma de direito fundamental depende ou não da existência de outra norma ou ato material para sua concretização), uma vez que toda norma é dotada de eficácia jurídica – salvo se esta eficácia estivesse sobrestada (v.g por decisão do Supremo Tribunal Federal que antecipa a tutela num processo de controle concentrado de constitucionalidade). Segundo Miguel Reale, enquanto a vigência corresponde a uma propriedade normativa atrelada à competência dos órgãos ao processo de produção e reconhecimento do Direito no plano normativo,

normatividade que a própria Constituição tenha outorgado. O art. 5º, §1º da Constituição Federal de 1988 traz disposição normativa sobre a eficácia dos direitos fundamentais ao dizer que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Dessa maneira, o parágrafo primeiro traz como regra a aplicabilidade direta ou imediata das normas de direitos fundamentais. No entanto, alguns problemas surgem no que se refere à interpretação desse parágrafo.

O primeiro deles diz respeito à localização do dispositivo, que se encontra no capítulo reservado aos direitos individuais e coletivos. Nessa senda, poder-se-ia sugerir que o parágrafo 1º do art. 5º somente se aplicaria aos direitos individuais e coletivos previstos no rol do art. 5º da Constituição. Contudo, esse argumento não parece correto, pois o dispositivo, em seu texto, utiliza uma formulação genérica e abrangente para alcançar os direitos e as garantias fundamentais.

Assim, não há como se proceder com uma interpretação restritiva do dispositivo, já que este trata, genericamente, dos direitos e das garantias fundamentais102. Ingo Sarlet, no entanto, relata que houve quem propusesse, em sentido contrário:

Uma nova exegese da norma contida no art. 5º, §1º, sustentando a sua necessária interpretação restritiva quanto ao alcance (embora extensiva quanto à eficácia) já que o constituinte “disse mais do que o pretendido”, assumindo, por via de conseqüência, uma interpretação baseada não apenas na já amplamente questionada e questionável “vontade do constituinte”, mas num originalismo ancorado numa vontade presumidamente contrária ao teor liberal do dispositivo.103

Afirma-se, no entanto, que o constituinte não quis excluir outros direitos fundamentais – como os direitos políticos, de nacionalidade e os direitos sociais – da aplicação da norma do art. 5º, parágrafo 1º, já que o Texto constitucional não faz distinção dessa natureza entre eles. Por isso, a aplicabilidade imediata dos direitos

esta eficácia diz respeito à aplicação ou execução da norma jurídica, ao cumprimento efetivo do Direito por parte de uma sociedade, bem como “ao ‘reconhecimento’ (Anerkennung) do Direito pela comunidade, no plano social, ou, mais particularizadamente, aos efeitos sociais que uma regra suscita através de seu cumprimento" (REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 114).

102

Sobre o assunto, Dirley da Cunha Jr afirma que “O princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais abrange todos os direitos fundamentais, até mesmo os não previstos no Catálogo (Título II) e os não previstos na própria Constituição, desde que, quanto a estes, ostentem a nota distintiva da fundamentabilidade material (como os decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja signatário)”. CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2008, p. 601.

103

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, 9. ed, rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.279.

fundamentais é válida, mesmo que esses direitos fundamentais sejam encontrados fora do catálogo, em razão da cláusula de abertura constante no art. 5º, §2º, já discutida no item 2.6 deste capítulo.

O segundo problema que se pode observar no parágrafo 1º do art. 5º consiste no significado e alcance da norma nele contida, notadamente quanto à sua aplicabilidade e eficácia.

A primeira corrente acerca deste questionamento surgiu pautada no argumento de que a aplicabilidade imediata não poderia prevalecer em face das características normativas e estruturais de determinados direitos fundamentais. Dessa maneira, questiona-se se a norma do art. 5º, §1º, por si só, teria força suficiente para transformar todos os direitos fundamentais em normas plenamente aplicáveis, ainda que essas necessitassem de intervenção do legislador.

Para essa corrente, os direitos fundamentais alcançariam plena eficácia somente nos termos da lei104, já que não se poderia atentar contra a ordem natural das coisas.

Uma segunda corrente adota uma posição intermediária alusiva à aplicabilidade imediata. Para seus defensores105, o art. 5º, §1º da Constituição Federal de 1988 deve ser aplicado para todos os direitos fundamentais, excepcionando-se quando a própria Constituição determina que o direito fundamental em questão só será exercido nos termos da lei ou quando a norma de direito fundamental ainda não possui os requisitos mínimos que assegurem sua aplicação106.

A terceira corrente sobre o tema é liderada por Eros Grau107, na qual ele defende a inexistência de normas programáticas na Constituição Federal de 1988. Para o autor, o constituinte original criou instrumentos processuais para combater possíveis omissões do legislador e órgãos estaduais.

104

Esta posição é defendida por FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 100.

105

Esta corrente tem como principais defensores: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, 9. ed, rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.279 e BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil, v. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 393.

106

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil, v. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 393.

107

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica e a Constituição Federal de 1988. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.329-331.

Nasceram, então, o Mandado de Injunção108 (art. 5º, LXXI) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, § 2º) com esse fito109. Ingo Sarlet110 discorda dessa posição, fundamentando que o Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão não conseguem, por si só, outorgar aplicabilidade direta às normas constitucionais.

Na visão do autor, tais instrumentos processuais, na realidade, fazem prova da impossibilidade de aplicação direta das normas de direitos fundamentais, já que se necessita deles para que estas possam ser aplicáveis, de modo a comprovar que existem normas na Constituição Federal que dependem de interposição do legislador. O Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão funcionariam como instrumentos de efetivação das normas constitucionais, estando a serviço da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais. Ingo Sarlet argumenta ainda que a Constituição brasileira é um sistema aberto de regras e princípios, de maneira a comportar normas que, em virtude de sua natureza, reclamam uma atuação concretizadora aos órgãos estatais, especialmente do legislador. Disso decorrem as chamadas normas programáticas, dotadas de certo grau de eficácia e aplicabilidade. Alguns direitos fundamentais, inclusive, podem ser considerados normas programáticas, por estabelecerem certo fim e programas a serem implantados, como ocorre com determinados direitos sociais, que dependem de implementação legislativa111.

108

De acordo com Carla Pinheiro, a Constituição alemã estabelece remédio jurídico com características semelhantes ao mandado de injunção, o chamado Verfassungsbeschwerde. Apesar deste instituto também visar à proteção dos direitos fundamentais, sua função é muito mais abrangente, sendo considerado um recurso constitucional que garante ao cidadão o poder de fiscalizar a função legislativa no cumprimento de seu dever de proteção dos direitos aos direitos fundamentais. No art. 93, 4º, a, da Constituição tedesca, está estabelecido que cabe ao Tribunal Constitucional Federal decidir sobre recursos constitucionais que podem ser interpostos por todo e qualquer cidadão com a alegação de ter sido prejudicado pelo Poder Público no exercício de seus direitos fundamentais. PINHEIRO, Carla. Direito Internacional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2001, p. 40 e 41.

109

José Afonso da Silva afirma que a declaração pura do art. 5º, §1º, por si só não bastaria se outros mecanismos não fossem criados para torná-la eficiente, destacando a importância do Mandado de Injunção e da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão nesse propósito. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 467. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 165 e 166.

110

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais, 9. ed, rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 282 e seguintes.

111

Aqui surge uma grande discussão acerca da Teoria da Reserva do Possível e a implementação do Direito Fundamental à saúde. Sem maiores delongas, até mesmo porque este não é o objetivo da pesquisa, cumpre salientar que se alega com essa teoria que o Poder Público possui um orçamento destinado ao atendimento dos Direitos Sociais, em especial o direito à saúde e que o atendimento de

Aqui, discorda-se do posicionamento que determina que normas programáticas não seriam dotadas de eficácia imediata, possuindo apenas eficácia limitada ou reduzida, utilizando-se a terminologia de José Afonso da Silva112. Acredita-se, em verdade, que todo direito fundamental, ainda que traga em seu bojo um fim a ser implementado, tem eficácia imediata, devendo ser aplicado imediatamente ante a sua concretização, ainda que não haja uma legislação ou procedimento.

Em resumo, não se concorda com tais teorias por se acreditar que o art. 5º, §1º da Constituição Federal de 1988 estabelece uma aplicabilidade imediata a todo e qualquer direito fundamental. A eficácia daquele direito existirá ainda que não haja um procedimento ou legislação determinando como se dará a fruição de tal direito. Pense-se na seguinte questão: se não existisse o CC-02 tratando da herança, nem o CPC tratando do procedimento para a herança, nem nenhuma outra legislação que tratasse do mesmo tema, essa deixaria de ter eficácia como direito fundamental? Todos os bens seriam do Estado se não houvesse determinação acerca da qualificação dos herdeiros? É claro que não. A herança continuaria a ser direito fundamental com eficácia imediata.

Dessa maneira, a perspectiva da eficácia imediata dos direitos fundamentais deve ser vista sempre pelo alcance da aplicabilidade imediata desses direitos, ainda que não haja um procedimento, legislação determinando como o mesmo deva se dar ou ainda que tais direitos tragam em seu bojo fins ou programas a serem alcançados.

direito social não contemplado por esse orçamento não poderia existir, haja vista que os recursos do Poder Público são escassos. Para maior aprofundamento, ver SARLET, Ingo; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. (Org.). Direitos Fundamentais: orçamento e "reserva do possível". 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, v. , p. 11-53 e BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, p. 236 - 246.

112

José Afonso da Silva traz a tradicional classificação em normas de eficácia plena, contida e limitada ou reduzida. Normas de eficácia plena incidem direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. Já as normas de eficácia contida incidem imediatamente, contudo preveem meios ou conceitos que permitam sua restrição em sua eficácia e aplicabilidade. Por fim, as normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida dependem de intervenção legislativa para incidirem, porque o constituinte, por qualquer motivo, não lhes prestou normatividade suficiente para isso. São divididas em dois grupos: normas constitucionais de princípio institutivo ou organizativo, que se propõem a criar organismos ou entidades, e normas de princípio programático, que veiculam políticas públicas ou programas de governo, como resultado de um compromisso assumido pelas Constituições. Assim, tais normas estabelecem um dever para o legislador infraconstitucional. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.

Outline

Documentos relacionados