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MEIOS DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO LAZER NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

4 O CONCEITO DE LAZER

5 A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO LAZER NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

5.4 MEIOS DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO LAZER NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

O direito fundamental social ao lazer, sendo direito fundamental como é, tem eficácia imediata nas relações trabalhistas, dotadas, em sua maioria, de um desequilíbrio latente por possuir o empregador um poder social capaz de reduzir a vontade daquele trabalhador, que necessita daquele emprego para seu sustento e de sua família.

Partindo-se desta premissa, vê-se a necessidade de positivação desse direito fundamental social. É por meio dele que o trabalhador irá conseguir entrar em contato consigo mesmo, de sorte a fruir de um momento de recuperação, recreação e desenvolvimento pessoal.

Contudo, sabe-se que, para sua concretização real, é necessário que a relação de emprego perpasse por uma modificação no que se refere à interpretação e ao tratamento do direito ao lazer.

Nessa seara, faz-se necessária a utilização de meios de efetivação do direito ao lazer, capazes de funcionar como elementos modificadores de uma mentalidade desse direito na relação laboral. Assim, é de suma importância que o empregador assuma posturas ativas e corretas não somente para promover, de fato, o direito ao lazer, como na fruição do tempo livre por parte do empregado.

É essencial também a utilização de meios de concretização do direito ao lazer, como posturas empresariais diferenciadas e utilização da autonomia privada, individual e coletiva na relação de emprego. E é sobre esses temas que os itens seguintes versam.

5.4.1 A tutela do tempo livre por meio de uma postura correta do empregador na relação laboral. O respeito aos intervalos e descansos na relação de emprego

Falou-se, linhas atrás, que o lazer exerceria papel tão importante na vida do trabalhador que não poderia ser esquecido. Dessa forma, defendeu-se que o lazer deveria ter eficácia imediata nas relações de emprego como meio de sua tutela. Desse modo, viu-se que a Constituição Federal de 1988 atua como aliada na concretização desse lazer quando determina que o mesmo é direito fundamental social e traz diversas passagens, ainda que indiretas, que garantem o lazer na vida do trabalhador e cidadão.

As passagens constitucionais referentes à jornada de trabalho, descanso semanal remunerado, férias, intervalos etc. não foram elencadas, a priori, como passagens garantidas do lazer na CF/88. Isso se deu em razão do posicionamento aqui adotado referente à constatação de que lazer e tempo livre não se confundem.

Enquanto lazer seria uma postura ativa referente ao indivíduo por meio de atividades relacionadas ao desenvolvimento físico, mental, cultural, prático etc., tempo livre seria uma expressão ampla referente a todo o tempo em que o trabalhador não estivesse laborando, ainda que esteja desenvolvendo atividades familiares, religiosas, sociopolíticas, de descanso ou de lazer342.

Assim, o lazer estaria contido dentro do tempo livre, mas não se confundiria com o mesmo. E, por conta disso, com a tutela do tempo livre estar-se-ia protegendo o lazer de maneira indireta, afinal, quanto mais tempo disponível tem o trabalhador, mais esse tempo pode ser revertido às atividades de lazer.

Assim, defende-se que a tutela do tempo livre acabaria por consagrar o direito ao lazer nas relações de emprego. Mas como o empregador tutelaria o tempo livre nessa relação laboral?

Ora, a própria existência de uma jornada de trabalho, de intervalos e repousos, já demonstra a preocupação constitucional com o tempo livre. Nesse sentido:

Dentro das relações de trabalho subordinado, sendo a principal a relação de emprego, não há qualquer dúvida na doutrina acerca da consagração de uma limitação do trabalho, patente pelo simples exame do art.7º, XIII da

342

Para Ricardo Carlos Gaspar, o grande problema histórico da realização humana, da reintegração do homem e de seu retorno a si mesmo passa pela solução da divisão do ser humano em tempo de trabalho e tempo de diversão. O homem deve se identificar com seu tempo de vida. O tempo livre não deve se reduzir, em uma formulação marxiana, a uma simples função do trabalho, mas, acima de tudo, possui um valor autônomo, como libertação, possibilidade concreta da expansão plena das energias espirituais da humanidade. GASPAR, Ricardo Carlos. As fronteiras do possível: trabalho, lazer e civilização. São Paulo: Germinal, 2003, p. 113.

Constituição Federal, sendo, inclusive, uma das primeiras conquistas sociais dos trabalhadores343.

Ressalte-se que a doutrina trabalhista traz três características fundamentais ao instituto da duração do labor na relação de emprego, quer sejam seu caráter econômico, ligado à produção, quantidade de horas laboradas e postos de trabalho; seu caráter relacionado à saúde do trabalhador e seu caráter relacionado ao tempo livre do trabalhador, por meio do qual ele pode exercer direitos, como lazer e convivência familiar344.

O instituto da duração do trabalho na relação de emprego revela-se, portanto, como aliado na consagração do direito ao lazer do obreiro, permitindo que tenha tempo livre, donde poderá fruir do lazer e de outros direitos fundamentais.

Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro acabou por estipular períodos de intervalos e descansos, além de fixar jornada de trabalho345, buscando defender o tempo livre do trabalhador.

Tais institutos atuam como formas de proteção do lazer, uma vez que é no período que os mesmos ocorrem que o trabalhador pode fruir desse direito, necessário à recuperação de suas forças, à eliminação do estresse, desenvolvimento da personalidade, dentre outras funções.

No entanto, não basta que apenas a Constituição e a CLT determinem que esses direitos existam. É necessário que o empregador tenha consciência da importância deles, de modo a respeitá-los.

343

CALVET, Otávio Amaral. A eficácia horizontal imediata do direito social ao lazer nas relações privadas de trabalho. 2005. 175 p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 118.

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CALVET, Otávio Amaral. A eficácia horizontal imediata do direito social ao lazer nas relações privadas de trabalho. 2005. 175 p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 120.

345

Segundo Maurício Godinho Delgado, os termos “duração do trabalho”, “jornada de trabalho”, “horário de trabalho” e “descanso” são termos correlatos para a doutrina trabalhista, mas que indicam situações diferenciadas. Duração do trabalho seria a noção mais ampla, abrangendo o lapso temporal de labor ou disponibilidade do empregado perante seu empregador em virtude do contrato de trabalho, considerados distintos parâmetros de mensuração: dia, semana, mês e ano. Jornada de trabalho é a expressão com sentido mais restrito, compreendendo o tempo diário em que o empregado tem de se colocar em disponibilidade perante seu empregador, em decorrência de contrato. Horário de trabalho traduz, rigorosamente, o lapso temporal entre início e fim de certa jornada laborativa. Já os períodos de descanso conceituam-se como lapsos temporais regulares, remunerados ou não, situados intra ou intermódulos diários, semanais ou anuais do período de labor, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária e política. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTR, 2009, p. 778, 779 e 851.

Neste momento, um exemplo faz-se necessário. Imagine-se uma situação em que o trabalhador labora em horas extras de maneira reiterada. Imagine-se, ainda, que o empregador cumpre com todos os deveres inerentes à existência de horas extras: encontram-se pautadas em uma das situações previstas pelo ordenamento, são pagas com o respectivo adicional – mínimo de 50% da hora normal laborada etc. Essa situação seria, a priori, legitimada pelo ordenamento, pois ocorreu nos ditames legais. Contudo, tal afirmação seria uma falácia, ao se levar em conta que o direito ao lazer que o trabalhador possui – em razão da eficácia imediata na relação de emprego – estaria sendo desrespeitado. Tal empregado, por conta de um labor reiterado em horas extras, perderia parte do seu tempo livre, o que levaria, consequentemente, à supressão de atividades de lazer.

Nesse sentido, ainda que a CF/88 e a CLT determinem a existência de jornada, descansos e intervalos, é imprescindível a análise da fruição desse tempo livre com o lazer do trabalhador para, então, no caso concreto, determinar se essa ação se coaduna ou não com o direito fundamental social ao lazer.

Assim:

Com isso, quer-se dizer que a Constituição de 1988 apenas viabiliza a prorrogação de jornada em duas hipóteses: dentro do sistema de compensação e quando a prática do labor, além da duração normal, seja algo esporádico. Ocorre que, de uma forma geral, permanecem a doutrina e a jurisprudência trabalhistas não dando aplicabilidade ao Texto constitucional, pois se aceita, sem maiores dificuldades, a prática do labor extraordinário de forma habitual, ocasião em que o empregado simplesmente pretende receber o pagamento das horas extras e seu empregador se vê compelido apenas a tal prestação econômica, sendo raro que se efetue qualquer discussão acerca do caráter humano do instituto da duração do trabalho na prática forense.

[...]

Ora, se o lazer constitui direito fundamental, a melhor interpretação a ser dada aos institutos que podem afetar o gozo desse direito deve sempre levar em conta sua preservação. No caso, não há dúvida de que a plenitude do lazer, do ponto de vista tradicional, depende da proteção do tempo livre de que goza o empregado após o cumprimento de suas atividades profissionais, donde se conclui que nada justifica uma interpretação que permita prática excessiva de trabalho sob pena de se suprimir o gozo do lazer346.

Para o autor, tal violação ao direito ao lazer por meio da prestação de horas extraordinárias levaria o trabalhador a ter direito não só ao recebimento do valor

346

CALVET, Otávio Amaral. A eficácia horizontal imediata do direito social ao lazer nas relações privadas de trabalho. 2005. 175 p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 130-132.

pelas horas prestadas em regime suplementar mais adicional de 50%, como também ter o direito referente a uma obrigação de não fazer, no tocante à prestação de labor extraordinário.

Nessa via, a prestação de horas extraordinárias, de maneira habitual, acarretaria violação do direito ao lazer por meio da supressão do tempo livre. Tal exemplo pode ser transportado para os institutos do descanso, como, por exemplo, quando ocorre supressão do intervalo intrajornada ou desrespeito ao intervalo interjornada, supressão do descanso semanal remunerado com respectivo pagamento etc.

O problema, aqui, é referente à mudança de interpretação dos institutos por parte dos empregadores. Almeja-se evitar a violação no tocante à tutela do tempo livre, uma vez que, dessa maneira, o direito fundamental ao lazer poderia ser protegido. No entanto, por diversas vezes, a violação ocorre e só resta ao empregado a via judicial para amenização do problema.

Exemplo disso é o chamado dano moral existencial, tese ainda recente inaugurada nos Tribunais trabalhistas no sentido de conferir um valor in pecunia referente à violação de direitos fundamentais relacionados à própria existência do trabalhador, tal como é o direito ao lazer.

Tal concepção ainda é recente nos Tribunais brasileiros. Cita-se a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – Rio Grande do Sul, referente a um dano moral existencial em razão da não fruição do lazer e convivência familiar pela ocorrência de horas extraordinárias:

DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA EXCEDENTE DO LIMITE

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