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2 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.10 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Como já foi visto adrede, os direitos fundamentais são fruto de um processo histórico, de uma evolução histórica, como já analisado no item 2.2 desta pesquisa. A partir de tal constatação, é fácil perceber que os direitos fundamentais não são apenas resultado de um momento histórico isolado, mas sim representam conquistas e progressos paulatinos, advindos de diversos momentos e sempre em progressão.

Ora, os direitos fundamentais passaram por um grande processo evolutivo, com notícias desde a Idade Antiga e consagração diante das revoluções ocorridas entre os séculos XVIII e XIX. Passaram, assim, por uma trilha de desenvolvimento, reconhecimento, constitucionalização e universalização, ainda estando sujeitos a evoluções.

Nessa toada, os direitos fundamentais sociais também foram provenientes de um processo histórico relacionado com a segunda dimensão de direitos fundamentais, como já visto alhures113.

No período mencionado, os direitos fundamentais eram vistos como direitos que dependiam de uma inércia do Estado, de forma que os mesmos eram consagrados em razão do exercício do direito de liberdade e igualdade.

Paulatinamente, por conta do processo histórico vivido à época, tais direitos fundamentais passaram a necessitar de uma postura ativa do Estado na consagração dos mesmos, em decorrência das violações então vividas. Por conta de tais mutações, os direitos fundamentais de segunda dimensão acabaram por ganhar força no período, de modo a dependerem de prestações estatais para a sua garantia.

113

Nas palavras de Marcus Orione Gonçalves Correia, “somente compreendendo na sua gênese os direitos sociais é possível entender as razões verdadeiras para a sua essência única e diferente dos direitos privados. [...] Da mesma forma, é indispensável a leitura dos direitos humanos a partir de uma perspectiva histórica, e não de imperativos categóricos. A visão histórica dos direitos humanos é capaz de nos devolver a nossa esperança, uma vez que somente sob essa ótica percebemos que o homem já viveu momentos melhores e piores”. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Interpretação dos direitos fundamentais sociais, solidariedade e consciência de classe. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves e CORREIA, Érica Paula Barcha. Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 131.

Isso não significa que os direitos fundamentais de primeira dimensão deixaram de existir. Pelo contrário, até mesmo por serem dimensões de direitos, e não gerações de direitos, não foram sobrepostos pelos direitos de segunda dimensão.

É nesse contexto que os direitos fundamentais sociais são consagrados. Eles caracterizam-se, como regra geral, por serem direitos que dependem de uma prestação estatal como meio de garantir a igualdade no sentido material:

Por último, quanto aos direitos sociais a prestações de certas categorias de indivíduos (trabalhadores subordinados, cidadãos diminuídos, idosos, etc.) ainda aqui os direitos fundamentais pretendem ser direitos de igualdade. Não, certamente, da igualdade formal, abstracta, niveladora e uniformizadora, mas da igualdade material, que exige a consideração da realidade em que as pessoas se movem e, consequentemente, a diversidade de tratamento e de estatuto daqueles que, pelas suas qualidades específicas ou pela situação no processo social, precisam de uma protecção (diferente) necessária e adequada à sua (igual) dignidade de pessoas. Não se trata de privilegiar castas, classes ou grupos fechados, mas de realizar efectivamente a igualdade em situações sociais específicas e, por isso mesmo, representadas em categorias abertas, que são ou podem ser preenchidas por qualquer pessoa. De todo o modo, estar-se a pensar em todos, na universalidade, e não em alguns, na particularidade114.

Assim, quando se garante um direito fundamental social por meio da tutela estatal, estar-se-á, em verdade, a garantir o direito de igualdade material, uma vez que, por meio da prestação estatal, consegue-se igualar aqueles que se encontravam, em princípio, em situação de desigualdade115.

Infere-se, portanto, que a nota distintiva entre os direitos fundamentais sociais e outros direitos fundamentais refere-se justamente à possibilidade de prestação material, objetivando a consagração do direito de igualdade em sua acepção material.

Tal afirmação, contudo, é passível de críticas. Gregorio Peces-Barba, por exemplo, afirma que tal constatação não seria verdadeira, na medida em que existem direitos de primeira dimensão, como os direitos civis e políticos, que necessitam de uma atuação do Estado para sua concretização, enquanto outros direitos de segunda dimensão não necessitariam dessa postura:

En efecto, em la evolución histórica de los derechos fundamentales se puede apreciar que existen derechos civiles y políticos donde se exige al Estado uma acción positiva y que suponen, por consiguiente, um auténtico derecho de crédito frente a este por parte de su titular (por ejemplo, el

114

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 131.

115

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. 18ª tir. São Paulo: Malheiros, 2011, passim.

derecho civil a la asistencia letrada, situado em el ámbito del derecho a la seguridad jurídica y las garantías procesales, donde el Estado tiene que realizar la acción positiva de nombrar um abogado oficio para que defienda al procesado o inculpado que no lo haga voluntariamente).

También se puede apreciar que existen derechos llamados económicos, sociales y culturales que solo pretenden garantizar a sus titulares el ejercicio de um ámbito de autonomía e de libertad, como, por ejemplo, el derecho de huelga y la libertad sindical116.

Constata-se, assim, que certos direitos fundamentais pautados em um valor de autonomia e liberdade podem ter cunho prestacional, como ocorre com as garantias processuais, e que outros direitos de cunho prestacional podem exigir do Estado uma postura passiva no tocante à sua concretização, como ocorre com a liberdade sindical.

Concorda-se com tal posicionamento na medida em que, realmente, podem existir direitos fundamentais sociais que necessitem de uma abstenção estatal para serem mais bem concretizados. No entanto, percebe-se que a regra geral dos direitos fundamentais sociais é justamente a questão da prestação estatal para sua efetivação, sendo exceções casos em que tais direitos assumem um cunho relacionado à fruição de liberdades pelos indivíduos.

Assim, defende-se aqui que a regra geral consolida-se por meio do paradigma de que os direitos fundamentais sociais têm cunho prestacional, necessitando de uma atuação estatal para sua concretização, de sorte que exceções à mencionada regra podem existir.

No caso das exceções, a identificação do que sejam direitos fundamentais sociais deverá passar pela combinação do processo histórico da formação daquele direito, aliado com seu posicionamento no ordenamento jurídico.

Peces-Barba, por sua vez, defende que tal identificação seria desnecessária. Partindo-se de uma postura integradora, bastaria a afirmação de que todos os direitos fundamentais são direitos de liberdade que pretendem facilitar a autonomia das pessoas e seu desenvolvimento, criando condições de liberdade117.

O que importa, para o autor, é a posição do direito fundamental social como direito garantidor da liberdade, e não seu enquadramento em direitos de primeira dimensão ou de segunda dimensão.

116

PECES-BARBA, Gregorio. Escritos sobre derechos fundamentales. Madrid: Ediciones de La Universidad Complitense, 1988, p. 201.

117

PECES-BARBA, Gregorio. Escritos sobre derechos fundamentales. Madrid: Ediciones de La Universidad Complitense, 1988, p. 202.

Assim, os direitos fundamentais sociais estariam ligados à promoção da igualdade dos indivíduos que, sendo considerados iguais de maneira material, seriam capazes de desenvolver sua liberdade plena.

E, por ser o direito social um direito fundamental, estaria ligado à proibição do retrocesso social118, visto nesta perspectiva com muita força, na medida em que os direitos fundamentais sociais estão ligados aos anseios da sociedade por melhores condições de vida.

Ora, tal constatação se faz verdadeira quando a existência de direitos fundamentais sociais importa na consagração de condições mínimas para os indivíduos de uma sociedade, condições que não podem retroceder, conforme já analisado em ponto anterior nesta pesquisa.

Nesse tom, se o direito fundamental social, fruto de um amadurecimento histórico, é consagrado pelo ordenamento, não pode ter seu conteúdo reduzido, sob pena de uma involução no tocante aos direitos fundamentais.

Permite-se, contudo, que esse direito fundamental social evolua, ao ponto de abranger cada vez mais situações que possibilitem sua consagração no âmbito da sociedade.

Ademais, as prestações estatais no sentido de consagração desses direitos devem ser cada vez mais valentes, ao ponto de estarem sempre evoluindo, trazendo um progresso no tocante à consagração dos direitos fundamentais sociais.

Não obstante a atuação estatal, questiona-se se os particulares também devem atuar de modo a permitir que esses direitos fundamentais incidam nas relações privadas.

118

SARLET, Ingo Wolfgang. Segurança social, dignidade da pessoa humana e proibição de retrocesso: revisitando o problema da proteção dos direitos fundamentais sociais In: CANOTILHO, J.J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves e CORREIA, Érica Paula Barcha. Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 76.

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