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Características individuais dos repatriados

Após o repatriamento a re-socialização

7.7. Características individuais dos repatriados

De acordo com os repatriados que entrevistámos, ressaltam três pontos que permitem traçar um perfil-tipo: a sua aparência, a linguagem e as experiências que estes viveram.

Em relação ao aspecto, existe uma homogeneidade no estilo, sobretudo nos mais novos, onde os acessórios usados fazem referência aos países de onde foram expulsos; t-shirts, blusões e bonés com as inscrições USA e Canadá, entre outras referências de clubes desportivos e das cidades onde viveram. O uso de roupa desportiva está bem

presente, bem como o uso de ténis de desporto. Em relação aos mais velhos, estes passam muito mais despercebidos, são poucos os que usam este tipo de indumentária.

Usam muitas tatuagens, normalmente grandes e que cobrem

braços, pernas, costas e peito; gostam de as exibir e muitos possuem um corpo musculado trabalhado na cadeia quando cumpriram pena nos países de onde foram expulsos.

A linguagem utilizada entre eles é o inglês mas utilizam muitos termos em calão que não são fáceis de entender. Expressam-se mal em português, misturando esta língua com palavras inglesas.

A maioria tem um rosto duro, fechado, alguns ostentam cicatrizes visíveis, consequência de trajectórias difíceis, de uma sobrevivência (muitas vezes) feita nas ruas, com referências e valores morais que provêm de grupos desviantes.

Após o contacto e um conhecimento mais profundo com estes indivíduos, podemos enunciar algumas características que são comuns à maioria deles.

Ao nível do comportamento: têm tendência para agir primeiro e só depois pensar; são impulsivos, têm dificuldades de contenção e possuem uma baixa tolerância à frustração; dificuldade em conter a agressividade, tentam afirmar-se através de conflitos.

Ao nível emocional: dificuldades em expressar emoções; recorrem frequentemente a modos agressivos nos contactos interpessoais;

dificuldades com o processo de individualização e com a sua governação e gestão do self.

Ao nível cognitivo: possuem um pensar concreto; dificuldade de raciocínio lógicos e dificuldade de expressão.

Ao nível comunicacional: resistem e evitam o contacto;

desconfiados; desistem facilmente quando o assunto não lhe interessa; um tom de voz baixo quando estão com pessoas que não conhecem, alto quando se querem afirmar; omissão e grandes períodos de silêncio; baixa capacidade de se relacionarem.

Ao nível da sociabilidade: dificuldade em incorporar regras; dificuldades quando confrontados com novas situações sociais. Imagem de si: sentimento de incompetência; de indignação; de discriminação; problemas identitários; baixos níveis de auto-estima e de auto-confiança.

Associado a estas características, é vísivel a existência de perturbações de grande stress sociocultural cujos principais factores geradores são:

- a nível familiar: a quebra de laços; desentendimentos conjugais; - a nível profissional: subestimulação, mau ambiente de trabalho, insatisfação, desemprego;

- a nível social: falta de espaço, não domínio da língua portuguesa, rendimentos insuficientes, estigmatização por parte da sociedade de acolhimento.

Tais perturbações levam a estados graves de depressão, o que pudemos constatar no decorrer das nossas entrevistas. Estados de forte desânimo e de tristeza causados por uma perda de vontade de viver. Este estado de pessimismo global é acompanhado pelo sentimento de inferioridade que sentem, de uma perda da consideração por si mesmos distintos da simples tristeza. O pessimismo e o desinteresse que sentem são acompanhados por uma lentidão de espírito, sentimentos de

ansiedade e fadiga que os atiram, muitas vezes, para a reincidência do consumo de drogas e álcool. Tudo isto cria um estado de desespero que pode suscitar ideias de suicídio, situação que ocorreu em relação a alguns deles

7.8. Expectativas e aspirações

Questionados acerca das suas expectativas e aspirações futuras, a maior parte acredita num melhoramento nas suas vidas

comparativamente ao passado recente.

“... pior do que eu já vivi, não pode ser (...) acredito que têm de

melhorar...” (B16).

“... eu consegui deixar a bebida, daqui para a frente vai ser melhor...” (C14).

“... tentaram matar-me quando me mandaram para aqui, mas não

“... aqui sou visto como um criminoso, o meu único crime foi estar ilegal lá

no Canadá (...) tenho que começar de novo a minha vida, devagarinho vou conseguir...” (C23).

“... um homem tem que se adaptar, não é fácil, mas se tem gente que

consegue, porque eu não posso também?...” (A15).

Em relação ao lugar onde esperam concretizar projectos ou planos, a maior parte ainda está com a esperança de regressar aos países de onde foram expulsos ou, então, de emigrar para outros países. Mas muitos pretendem ficar nos Açores (aqueles que estão mais conscientes de que não será fácil o regresso, se não mesmo impossível).

Local para concretizar projectos ou planos

35% 46% 16% 3% Açores outro local indiferente NS/NR Fig. 29

“... Não vejo a hora de voltar à América, dizem que não posso voltar mais,

“... eu espero que me deixem entrar, tenho lá meus filhos, eles precisam de

mim e eu deles...” (A16).

“... eu gostava de voltar, aqui não tenho nada! Lá tenho tudo (...) tenho me

portado bem aqui, deixei-me da vida que levava...” (C27).

Os que não possuem nenhum laço afectivo ou familiar que os suporte preferem sair dos Açores, os que possuem esses laços preferem ficar. Constata-se que o ter alguém, o sentir-se apoiado torna possível uma tentativa de inserção independentemente do lugar onde se está.

“... eu agora tenho a minha vida aqui, encontrei mulher aqui, vivo com ela

e damo-nos bem (...) tou limpo (...) não penso voltar...” (C2).

“... eu já criei família aqui, agora já não penso mais na América, apenas

procuro um trabalho melhor, ganhar dinheiro para poder sustentar minha família...” (B12).

“... com a minha idade o que ia fazer para lá? Aquilo é bom é para gente

nova (...) tem que se trabalhar muito lá na América...” (F1).

“... eu, graças a Deus, tive muita sorte, os familiares que tenho aqui foram

muito bons para mim (...) eu gosto de estar aqui...” (E1).

“... eu lá, já não tenho nada, minha mulher deixou-me, minha família também não me fala (...) acho que ficarei por aqui mesmo...” (D1).

A reorganização dos laços emocionais está entre as expectativas e aspirações dos repatriados permitindo, assim, que alguns deles (com sucesso) se procurem inserir e integrar na comunidade açoriana. É

notória esta intenção quando se perguntou quais as prioridades para realizar esses seus projectos ou planos: a maioria dos entrevistados citou o constituir família, para os que são solteiros, ou divorciados, enquanto os que já a têm, poderem-na ter de volta, ou regressar para perto dela.

Prioridades para realizar projectos ou planos

40% 13% 24% 1% 7% 8% 7% familia casa emprego apoio institucional formação dinheiro/meios financeiros NS/NR Fig. 30

Também o emprego é uma prioridade nos seus projectos futuros nos Açores. Para eles o ter trabalho assume um papel decisivo na sua integração e na relação com a comunidade mas afirmam ser difícil de o consegui-lo e manter essa situação, o que denota uma baixa auto- confiança nas suas capacidades, e também no relacionamento com os colegas de trabalho. Por outro lado, é constantemente referido o atraso tecnológico em relação aos países de onde foram expulsos e a que muitos ainda pensam voltar.

“... eu tenho trabalho aqui (...) é um trabalho manual, nunca o tinha feito

(...) lá na América só trabalhava com máquinas...” (B5).

“... um homem quando trabalha é melhor visto e aceite aqui (...) falo por

experiência própria...” (B20).

“... Isto aqui ainda tá muito atrasado, poucas fábricas, o trabalho que existe

é na construção (...) se conseguir voltar, vou agarrar qualquer trabalho com unhas e dentes...” (B2).

“... eu sempre trabalhei com máquinas pesadas, aqui não há! (...) um gajo

aqui tem que se sujeitar ao que há...” (B17).

“... Isto aqui é o terceiro mundo! (...) não tem nada a ver com a América em termos de trabalho...” (C6).

Muitos também encaram o trabalho como forma de abandonarem os

seus estilos de vida e comportamentos desviantes.

“... desde que comecei a trabalhar, drogo-me menos (...) um gajo chega a

casa todo partido, quero é dormir...” (A14).

“... eu quando cheguei aqui tinha que roubar para sobreviver, depois

arranjaram-me um trabalho, deixei-me disso...” (B13).

“... quando cheguei só andava com más companhias (...) quando comecei a

trabalhar ficou melhor para mim (...) conheci pessoal novo (...) já deixei a vida que tinha antes e que me mandou para aqui...” (B5).

“... cheguei a um ponto na minha vida em que tive de escolher, ou viver, ou morrer (...) escolhi viver, e endireitar-me de uma vez por todas...” (A6).

As expectativas destes indivíduos dá-lhes o alento para continuarem

a viver, a acreditar, mesmo que essas sejam muito ténues quando implicam poderem voltar aos países que os expulsaram.

Em relação aos Açores, muitos já pensam em ficar e encaram essa decisão como uma segunda oportunidade, sobretudo os que constituíram família ou que possuem laços afectivos nos Açores. Mesmo com todos os problemas que os afectam, são unânimes; “já batemos no fundo, não pode

haver pior (...) agora daqui para a frente, só pode ser melhor”. (C21).