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PANORAMA DA SITUAÇÃO DOS REPATRIADOS AÇORIANOS

5.3. Modos de vida

Os testemunhos de experiências de vida destes indivíduos

permitem-nos perceber melhor o seu percurso e a adopção de certos modos de vida , na sua maioria, através de comportamentos desviantes, comportamentos esses que são os responsáveis pela sua deportação.

5.3.1. Laços familiares (estrutura/destruturação)

A estrutura familiar dos repatriados é constituída por uma família numerosa; muitos pertencem a famílias mono-parentais, com escassos recursos económicos e baixas qualificações. Existe uma forte

solidariedade familiar, quase todos afirmaram que já tinham um membro da família nos E.U.A. ou no Canadá quando emigraram. A coesão familiar no momento da sua chegada é muito importante para a sua integração e conhecimento do novo país. Esta coesão vai-se diluindo até ao processo de repatriamento, devido a factores exteriores, contribuindo para a quebra dessa coesão inicial e causando a ruptura com os laços sócio-culturais tradicionais e a consequente desintegração familiar. Os depoimentos seguintes, ilustram bem esta situação.

“... Quando eu, meus irmãos e minha mãe chegamos à América, meu pai já

tia, porque o meu pai ainda não tinha o dinheiro para a gente ter uma casa nossa...” (C19).

“... A gente foi para a América porque tínhamos lá um irmão da minha mãe que nos chamou; ele vivia bem, tinha uma casa grande e meu pai foi logo

trabalhar com ele na construção civil e minha mãe fazia limpezas em escritórios de advogados, não faltava trabalho!...” (D3).

“... Na nossa família éramos nove, pai, mãe e sete filhos; se não fosse os meus tios que já tavam na América e que nos chamaram, a gente passava fome aqui em S. Miguel (...) foi a melhor coisa que aconteceu para a gente, a América é a terra da abundância...” (C25).

“... A gente, quando chegou na América, ficámos os primeiros anos em casa de tios, era apertado, as casas deles também não eram grandes, mas comíamos bem e os meus irmãos mais velhos e meus pais juntavam todo o dinheiro que ganhavam para comprarmos a nossa casinha...” (A11).

Após a chegada aos Estados Unidos e Canadá, a maior parte dos indivíduos tiveram uma assistência por parte dos familiares ou vizinhos, o que lhes permitiu não se sentirem rejeitados na comunidade. E o facto de arranjarem logo trabalho, de acordo com as suas experiências e o seu nível educacional, também permitiu terem acesso às condições materiais básicas, conseguindo, assim, viver na sociedade onde estavam inseridos.

5.3.2. Factores externos que levaram à quebra da coesão familiar

O ambiente vivido pelos repatriados nestas famílias é quase sempre acompanhado de violência (física e psicológica) ao longo do seu

crescimento.

Esta violência, que os acompanhou desde a infância e

adolescência, mostra as frustrações dos respectivos membros da familia. Estas frustrações, sentidas pelos pais, reflectem-se na forma de

educação dada aos filhos, influenciando estes, nas suas trajectórias sociais individuais. Para o repatriado, existe uma dualidade de influências: por um lado, os pais, com valores sociais, morais e culturais,

consequência da socialização adquirida no país de origem; por outro, o repatriado que foi socializado no país de acolhimento, onde esses valores são completamente diferentes dos dos seus pais. Logo, a existência de conflitos entre as duas gerações é evidente e o afastamento entre estes vai aumentando à medida que os filhos vão crescendo, porque o tipo de socialização dos pais, pouco ou nada lhes diz.

A distância cultural existente entre estas duas populações, enquadradas por uma relação assimétrica, é responsável pela destruturação familiar. A transmissão cultural precária entre pais e filhos, a condição social e o ambiente de um país diferente também contribuiram para uma distorção grave no desenvolvimento social dos repatriados.

5.3.3. A escola

A escola, além de ser um agente socializador de extrema

importância, aparece para estes indivíduos como sendo um espaço novo, que lhes permite um alargar de horizontes, outras realidades que

dos contextos sociais de onde vêm. A escola ajuda a moldar valores, aspirações e a identidade do jovem que a frequenta.

Sendo um espaço formal para a transmissão de conhecimento e de padrões e valores recomendados, subordinados a uma lógica autoritária formal e disciplinar, as funções da escola como espaço social na infância e adolescência, ganha importância com o tempo que ocupa na vida diária, ( Almeida et al, 1994).

A trajectória do repatriado na escola dura pouco tempo. Por um lado, as suas famílias atípicas e com baixa formação e educação, que não possuem um estilo de educação definido, vêem a escola apenas como o lugar onde se aprende a ler, a escrever e a fazer contas, o básico para se poder entrar no mercado do trabalho. Por outro lado, o repatriado não tem nenhum ou muito pouco apoio para continuar na escola, e a comunicação entre os pais e filhos é quase nula no que diz respeito à escola, pois os pais também, muitos deles, só têm a instrução básica ou primária, o que leva muitos a abandonarem a escola.

“... até gostava de ter continuado, mas meu pai queria que fosse trabalhar

(...) era preciso...” (B 3).

“... eu não me dava na escola, nunca me dei (...) depois começámos na

droga (...) nunca mais apareci lá...” (B 5).

“... estava sempre a ser expulso da escola, nunca me interessou (...) eu

queria era ganhar dinheiro!...” (C 2).

Em relação à nossa amostra, constata-se que as habilitações escolares são, de uma maneira geral, baixas. Uma vez que muitos

estudaram nos países para onde emigraram e sendo a denominação dos anos diferente relativamente a Portugal, optou-se por usar a terminologia

portuguesa. Para o ensino básico: 1ª Classe; 2ª Classe; 3ª Classe; 4ª Classe, seguindo os anos de escolaridade até ao 12º ano.

Habilitações escolares dos repatriados