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CONCEITOS TEÓRICOS ESPECÍFICOS

2.4. Trajectórias desviantes

2.4.6. Valores e Representações

As representações sociais do repatriado são importantes para

percebermos como se relacionam uns com os outros, o seu

comportamento, como percepcionam a realidade que os rodeia e como tal os afecta a nível psicológico.

Moscovici (1981) conceptualiza as representações sociais como “a

set of concepts, statements and explanations originating in daily life in the course of inter-individual communications” (1981:181). Na mesma linha de

socialement élaborée et partagée, ayant une visée practique et

concourant à la construction d’une realité commune à un ensemble social”

(1989:36).

Enquanto sistemas de interpretação, as representações sociais regulam a nossa relação com os outros e orientam o nosso

comportamento.

As representações intervêm ainda em processos tão variados como a difusão e a assimilação de conhecimento, a construção de identidades pessoais e sociais, o comportamento intra e intergrupal, as acções de resistência e de mudança social. Enquanto fenómenos cognitivos as representações sociais são consideradas como o produto duma

actividade de apropriação da realidade exterior e, simultaneamente, como processo de elaboração psicológica e social da realidade (Jodelet,

1989:36).

As representações sociais estão ligadas a sistemas de pensamento vastos, ideológicos ou culturais, e a um estado de conhecimentos

cientifícos. As instâncias institucionais, os meios de comunicação mediáticos ou informais intervêm na sua elaboração, por meio de processos de influência social. Jodelet (1989) refere ainda que as representações sociais formam sistemas e dão origem a “teorias

espontâneas”, versões da realidade que incarnam em imagens cheias de significação. Através das diversas significações “les representations

expriment ceux (individus ou groupes) qui les forgent et donnent de l’objet qu’elles représentent une définition spécifique. Ces définitions partagées par les membres d’un même groupe construisent une vision consensuelle de la réalité pour le groupe. Cette vision, qui peut entrer en conflit avec celle d’autres groupes, est un guide pour les actions et échanges quotidiens” (Jodelet,1989:35).

Sintetizando, as representações sociais são conceptualizadas como saber funcional ou teorias sociais práticas. Estas permitem a organização

significante do real e desempenham um papel vital na comunicação: “All

human interactions, whether they arise between two individuals, or between two groups, presuppose such representations. Indeed this is what characterises them” (Moscovici, 1984:12).

Assim, as representações sociais servem como guias da acção, uma vez que modelam e constituem os elementos do contexto no qual esta ocorre (Moscovici, 1961) e desempenham, ainda, certas funções na manutenção da identidade social e do equilíbrio sociocognitivo (Jodelet, 1989).

2.5. A Exclusão

Com o avançar do nosso estudo, as palavras exclusão e integração assumiram um lugar de destaque. Por isso consideramos pertinente aprofundar o conhecimento destes dois conceitos e suas implicações na comunidade repatriada.

A exclusão recai sobre um conjunto de domínios, não só os direitos e deveres cívicos, mas também aspectos socio-culturais, como o direito ao trabalho e à subsistência, a educação, a cultura, a habitação e a saúde, a protecção social, a participação social e a pertença.

A exclusão social acontece quando a sociedade não oferece a todos os seus membros a oportunidade de participar e beneficiar dos direitos que lhes pertencem, de modo a fazê-los sentirem-se como cidadãos de pleno direito. Esta negação alastra às instituições de ordem social, política ou económica, abrangendo, ainda, as estruturas mentais.

A exclusão pressupõe a existência de um contexto de referência do qual o indivíduo é excluído e é um processo dinâmico que abarca

diversas tipologias (segundo Alfredo Bruto da Costa e que retomaremos mais adiante) e que implica modos individuais e evoluções particulares.

O conceito de exclusão social é relativamente recente e considera que a desigualdade é um princípio inerente a qualquer forma de

estruturação social; torna-se legítimo esperar diferentes capacidades de articulação e de acumulação de recursos (materiais e sociais) por parte dos actores pertencentes a uma dada sociedade.

A exclusão surge com a agudização das desigualdades

(indissociável dos mecanismos de produção destas), resultando numa dialéctica de oposição entre aqueles que efectivamente mobilizam os seus recursos no sentido de uma participação social plena e aqueles que, por falta desses mesmos recursos (recursos que ultrapassam a esfera económica, englobando ainda aqueles que derivam dos capitais cultural e social dos actores sociais), se encontram incapacitados para o fazer. A exclusão resulta, então, de uma desarticulação entre as diferentes partes da sociedade e os indivíduos, gerando uma não-participação num

conjunto mínimo de benefícios que definem um membro de pleno direito dessa sociedade – inerente à figura dos excluídos – opondo-se

claramente à noção de integração social (CIES/CESO I&D, 1998; Capucha, 1998).

A exclusão configura-se como um fenómeno multidimensional, como um fenómeno social ou um conjunto de fenómenos sociais interligados que contribuem para a produção do excluído. Coexistem, ao nível da exclusão, fenómenos sociais diferenciados, tais como o desemprego, a marginalidade, a discriminação, a pobreza, entre outros.

Acresce o facto de a exclusão ter um carácter cumulativo, dinâmico e persistente, encerrando no seu núcleo processos de reprodução

(através da transmissão geracional) e evolução (pelo surgimento de novas formas), que garantem as suas vias de persistência, constituindo simultaneamente causa e consequência de múltiplas rupturas na coesão social, implicando manifestações de dualismos e de fragmentação social.

Numa acepção sociológica, a exclusão é o produto de um défice de coesão social global, não se reduzindo a fenómenos individuais nem a simples agregações de situações (Lamarque,1995).

Verifica-se então, numa situação de exclusão, uma acentuada privação de recursos materiais e sociais, arrastando «para fora ou para a

periferia da sociedade» todos aqueles que “não participam dos valores e das representações sociais dominantes” (Fernandes, 1995:16). O

excluído encontra-se fora dos universos materiais e simbólicos, sofrendo a acção de uma espiral crescente de rejeição, que culminará na

incorporação de um sentimento de auto-exclusão.

A nível simbólico “tende a ser excluído todo aquele que é rejeitado

de um certo universo simbólico de representações, de um concreto mundo de trocas e transacções sociais” (Fernandes, 1995:17). Esta

dimensão da exclusão assume-se pela transformação da identidade do indivíduo, inevitavelmente marcada por um sentimento de inutilidade, ligado à sua própria incapacidade de superar os obstáculos e os processos que provocam e/ou acentuam a sua exclusão.

Nas sociedades de onde foram expulsos, a pobreza e a exclusão reforçam-se mutuamente. Estes indivíduos não conseguiram, na sua maioria, configurar uma identidade (social) no trabalho, na família ou na comunidade devido aos seus comportamentos desviantes, tornando-se excluídos das relações sociais e do mundo das representações a elas associadas. Assim, “(...) os excluídos não constituem uma ordem, uma

classe ou um corpo. Eles indicam, antes, uma falta, uma falha do tecido social” (Rosanvallon, 1995:204).

A exclusão social evoca uma fractura nos laços entre o indivíduo e a sociedade, propiciando uma quebra na própria unidade social. Com efeito, a exclusão é muitas vezes associada ao surgimento de “classes

perigosas” ou “marginais” que põem em causa a estabilidade e a normalidade social.

Desta forma, os processos de exclusão traduzem a acumulação das deficiências ou insucessos em várias esferas sociais, assumindo

igualmente a forma de uma ruptura dos laços simbólicos (Xiberras, 1996). A configuração da exclusão está estritamente ligada à desintegração social (quebra de laços de solidariedade e risco de marginalização), à desintegração do sistema de actividade (associada às mutações económicas) e à desintegração das relações sociais e familiares. De acordo com Alfredo Bruto da Costa (1998), a exclusão social apresenta-se como um fenómeno complexo e heterogéneo contendo cinco tipos diferentes de exclusão que afectam os repatriados e que importa referir.

A exclusão do tipo económico, que está associado à pobreza, compreendida como uma situação de múltiplas privações e escassez de recursos, o que é perfeitamente visível na maioria dos repatriados que entrevistámos, graças às más condições de vida que possuem, baixo nível de educação e de qualificações profissionais e condições de trabalho, na sua maioria precárias e temporárias.

A exclusão do tipo social resulta de “uma situação de privação

relacional, caracterizada pelo isolamento, às vezes associado à falta de auto-suficiência e autonomia pessoal” (Costa, 1998:22). Encontrámos

muitos que se isolam de tudo e de todos, não querem ver ninguém, sendo extremamente complexo o contacto nestes casos.

A exclusão do tipo cultural, que está associada a atitudes como o racismo, xenofobia, por exemplo; a sociedade dominante torna mais difícil a integração a ex-presidiários e a culturas que sejam diferentes da sua, o que acontece com os repatriados.

Outro tipo de exclusão, o patológico, que é baseado em factores psicológicos ou de natureza mental, que por vezes origina rupturas familiares é mais frequente nos repatriados, como consequência de muitos anos de consumo de drogas.

O último tipo de exclusão defendido por Bruto da Costa, relaciona- se com o comportamento auto-destrutivo, ou comportamento relacionado

com dependência de narcóticos, alcoolismo, prostituição, etc. (Costa,

1998:23). Este tipo de exclusão afecta alguns repatriados (estima-se que entre 15 a 20% da população repatriada), sobretudo na dependência de narcóticos e no alcoolismo e quase sempre acaba em morte. Para estes indivíduos já nada importa e são extremamente difíceis de recuperar. A diversidade de condições que são propícias à exclusão, quando cruzadas com a extensão de referências culturais, sistemas de valores e representações sociais construídas e reproduzidas pelo indivíduo, irão configurar toda uma selecção de caminhos de vida que são essenciais à

compreensão da exclusão social do repatriado.