CONCEITOS TEÓRICOS ESPECÍFICOS
2.6. Da Segregação à Inserção Social
A sociedade tende a conduzir tais indivíduos a um processo natural e espontâneo de segregação social (mais vísivel em espaços isolados) que, em circunstâncias extremas produz a estigmatização. Esta situação pressupõe discriminação, o que leva a tratar os indivíduos de maneira diferente.
O mundo marcado pelo individualismo e afectado pela
desintegração institucional são evidentes os sinais de discriminação e de segregação. Quando a exclusão acontece no plano económico, também acaba por afectar todos os outros domínios da existência (Fernandes, 1995).
2.6.1. Integração/inserção
A integração surge como a expressão que vulgarmente designa o processo que caracteriza a transição dos indivíduos, famílias ou grupos em situação de exclusão social à participação de cidadãos. Esta
transição, porém, não deixa de ter em conta as diferenças e os conflitos desses mesmos indivíduos, mas tais circunstâncias não deverão ser
impeditivas de encaminhá-los com vista às normas que regulam a estrutura social vigente.
Segundo Isabel Guerra (1994)”, a integração corresponde mais a uma visão de acção, ao passo que a inserção quer (re)organizar recursos de modo a superar melhor as necessidades.
A diferença entre estes dois conceitos reside no facto de que a integração é entendida mais numa perspectiva moralista de colocar o “desviante” no seu lugar, enquanto a inserção tem a ver com o conceito de fazer com que o indivíduo possa emergir da sua condição de exclusão. Assim, se a integração corresponde a uma fase de preparação do indivíduo para a sua entrada na sociedade dominante, a inserção implica o desenvolvimento de aprendizagens destinadas àqueles que se sentem desprotegidos ou excluídos.
A integração parte da ideia de uma sociedade normalizada, com a qual os indivíduos se conformam com os objectivos gerais e comuns a serem atingidos, através de uma série de intervenções na área do comportamento individual.
A inserção por sua vez, começa pelo diagnóstico de uma dada população, seguido da elaboração de um projecto adequado às
performances existentes e em função do qual se procura desenvolver, em
cada instituição, margens de escolha para o indivíduo, de modo a apoiá-lo na concretização dos seus objectivos. Esta mudança de perspectiva alimenta iniciativas em cada domínio onde a escassez do modelo clássico de integração se fazia sentir: a escola, o sistema judicial, a polícia, a casa, o bem-estar (Guerra, 1994).
Assim, a inserção social apresenta uma dupla função que leva, por um lado, os indivíduos, as famílias e grupos de exclusão a interagirem em processos que lhes permitam o acesso aos seus direitos como cidadãos e, consequentemente, o acesso à participação social. Por outro lado, as instituições oferecem reais oportunidades de iniciar-se esses processos,
através do apoio e da criação de ambientes sociais, e, deste modo, qualquer melhoria significa um passo em frente para um processo de inserção social dos indivíduos até então excluídos.
2.6.2. A crise do Estado-Providência
Nos últimos anos é notório o aparecimento de novos problemas
sociais que implicam novos processos de acção e de reflexâo.
Assiste-se, segundo Lipovetsky (1989), a uma revolução permanente do quotidiano e do próprio indivíduo: privatizações alargadas, erosão das identidades sociais, simplicidade ideológica e política, uma
desestabilização acelerada das personalidades, que nos leva a viver, actualmente, uma segunda revolução individualista.
Todas estas mudanças levam a que, como afirma Toffler (1984), uma nova civilização esteja a emergir nas nossas vidas, com novos estilos de famílias, formas de trabalhar modificadas e diferentes das que conhecíamos, outras formas de amar e de viver, novas economias, novos conflitos políticos e, subjacente a tudo isto, uma percepção modificada. Muitos autores afirmam que esta argumentação é a passagem da modernidade para a pós-modernidade.
Uma das características distintivas da modernidade é a interligação crescente entre as influências globalizantes, por um lado, e as tendências pessoais por outro, segundo Giddens (1994).
O estado-providência é perspectivado nas sociedades modernas como uma configuração de direitos e de obrigações, em que se
reconhece os cidadãos como igualitários, no que toca a direitos civis, políticos e sociais.
Estes direitos são fundamentais na análise da sociedade, não só porque estruturam as relações sociais, mas também porque permitem aos
cidadãos atingir e defender os seus direitos, para que que possam ter acesso ao mínimo de oportunidades e porque estes direitos estão
associados não só à posição social como também às instituições, sendo estas, o focus da estrutura social (Barbalet, 1989).
Se a posição social está associada à qualidade de se ser membro de uma determinada comunidade (Marshall, 1992), logo a cidadania confere, através deste status, uma série de direitos e deveres que são reconhecidos por todos aqueles que são cidadãos dessa comunidade. Assim, o aparelho do Estado, através das instituições, é a instância que garante a promoção e a prática da cidadania. De acordo com Claudino Ferreira (1994), é o Estado o guardião do poder legítimo que estabelece os critérios de pertença a uma comunidade e, consequentemente, o
acesso a três grupos de direitos que, de acordo com Marshall (idem,1992) constituem a cidadania moderna: os direitos civis, políticos e sociais.
Tendo em consideração a crise pela qual passa o Estado- Providência, também o cidadão repatriado se vê confrontado com os problemas que afectam a conjuntura socio-económica do país que o recebe. O Estado, representado por diversas instituições, demite-se, muitas vezes, da sua responsabilidade em criar condições de
adaptabilidade no acesso aos bens de que o cidadão necessita.
Actualmente, assiste-se a um desenvolvimento da igualdade formal entre os cidadãos e uma flexibilidade maior no acesso ao direito da
cidadania; contudo, e no caso dos repatriados, apesar de serem cidadãos com plenos direitos, continua a existir uma série de situações que
determinam a exclusão no acesso a determinados recursos na sociedade acolhedora e a participação plena em actividades sociais. Nestas
circunstâncias, o repatriamento destes indivíduos é uma exclusão total ou parcial em relação aos direitos de cidadania. Esta situação afecta os indivíduos repatriados, uma vez que estes não têm a capacidade para
aceder aos recursos por conta própria, levando-os a uma situação de várias privações materiais, e, consquentemente, a uma situação de dependência, onde a assistência e as instituições de solidariedade social são a única luz ao fundo do túnel.
De facto, o repatriado beneficia da assistência e de alguns recursos disponíveis, mas não beneficia do direito de reclamar a sua cidadania plena, o que torna a sua participação na sociedade não a de um cidadão, mas a de um excluído.
Excluído da cidadania plena, o repatriado depende de subsídios, carece de assistencialismo. Se, por um lado, beneficia da assistência, por outro não beneficia dos seus direitos de cidadão, pelo que continua a sentir-se como um excluído.
Assim sendo, o indivíduo, nessas situações, sente-se incapaz de se organizar, o que o leva a optar, muitas vezes, por medidas que quebram os direitos de cidadania, estabelecendo ele próprio um mundo à parte, um mundo vazio, onde ele nada tem a perder.