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A economia parece escapar, conscientemente, às legislações regulamentadoras do Estado.

A passagem do Estado Protector a Estado-Providência, reforçando os direitos do indivíduo enquanto cidadão e o alargamento do conceito protector da actividade estadual não evita que o mercado se organize de modo diferente dos moldes da vida social e cultural.

Assim, a crescente autonomia das forças económicas vem pôr em causa o Estado enquanto instância reguladora, equilibradora e

securizante e a sua capacidade de medição entre os interesses da colectividade nacional e os interesses individuais.

A destruição de todas estas forças mediadoras dentro do tecido social pela força dos mercados globais, abre um fosso (simultaneamente individual e social) entre o mundo consumista e o mundo da cultura e das identidades, dissociando os elos sociais.

O cidadão vê-se, assim, confrontado com uma rede complexa de mercado e de tecnologias de informção por um lado, e, por outro, com a trama das tradições comunitárias, numa amálgama complexa - é o próprio drama do Sujeito, em busca da identidade, numa sociedade feita de “múltiplas identidades”. É, como refere Touraine (1998:85) “(...) a procura, pelo próprio indivíduo das condições que lhe permitem ser o actor da sua história...”, ele próprio o cerne do “movimento”, a luta do Sujeito pelo seu posicionamento social.

Sem representantes, cabe ao Sujeito assumir-se como actor, procurando reconstruir as suas possibilidades de acção no jogo social.

Segundo Alain Touraine, o processo de desmodernização “coabita” com a desinstitucionalização e com a dessocialização. Também a

despolitização faz parte do fenómeno da desmodernização, pela

descrença generalizada nas organizações políticas e sindicais, incapazes de corresponderem às necessidades de cidadania interventiva. A crise política é uma crise real de confiança e de representatividade que pode pôr em causa os próprios regimes democráticos.

Algumas características dos Novos Movimentos Sociais incidem no apelo a uma liberdade e identidade do sujeito face a um mundo

dissociado, fragmentado consoante os interesses em jogo.

O “Maio de 68” pode ser considerado como o primeiro Novo Movimento Social da pós-modernidade, enquanto movimento cultural, pela afirmação do Sujeito como cerne da acção colectiva. Um “grito cultural” que abalou a sociedade ocidental, em toda a sua estrutura e pôs em primeira linha a necessidade de harmonizar a afirmação dos Direitos Humanos nas diversas instâncias mundiais e a sua concreta aplicação no mundo quotidiano dos diversos sujeitos.

Os Movimentos Anti-Globalizantes podem constituir, embora de forma pouco consciente, uma das diversas formas de resistência à dilaceração do Sujeito.

1.6.1. Os Novos Movimentos e os Contextos Sociais de Exclusão

Numa sociedade em rápida transformação, como a nossa, em que a herança social perde cada vez mais rapidamente a sua importância, numa sociedade que se define mais pelo seu futuro do que pelo seu passado,

mais pela mudança do que pelas regras, a identidade social perde o seu conteúdo (Touraine, 1982:158).

O mal-estar identitário é patente, vulnerabilizando os indivíduos, principalmente aqueles que se situam em contexto de exclusão, na

periferia dos centros urbanos, onde emergem todas as novas espécies de marginalidade.

Em relação à juventude, por exemplo, em si mesma um processo de busca identitária, não dispondo de referências pelas vias tradicionais, sentem-se confusos com o comportamento que a sociedade tem perante eles: por um lado, obrigam-nos cedo a “ter que dar sentido” pessoal às suas vidas e a definir uma identidade social; no entanto, o prolongamento da adolescência, motivado pelo alargamento da escolaridade e pela inserção tardia no mundo profissional, denegam, no seu conjunto, a possibilidade de construção e afirmação de identidades.

Em contextos de exclusão urbanos, os jovens tendem a reproduzir os hábitos das estruturas onde se inserem, nomeadamente a fraca valorização que os familiares atribuem à escola, resultando num abandono precoce da mesma, concomitante com a desvalorização de qualquer forma de conhecimentos.

O mundo em que se situam confronta-se, quotidiana e

culturalmente, com o mundo do Mercado que envolve a “centralidade da vida urbana”, repelindo-se mutuamente e acentuando as características de exclusão e marginalidade destes jovens.

Esta juventude, condicionada, é empurrada para uma “nova centralidade”, a partir das margens, onde reside uma consciência de perda constante de contacto com a cidadania, transformando-se em “não cidadãos” (Dahrendorf, 1996: 31), ao instalarem-se no universo das “incivilidades”, segundo Fitoussi (1997), que no-las descreve com sendo “as novas formas de delinquência que atravessam as nossas

A identidade destes jovens constrói-se, pois, contra as outras identidades, através de actos de vandalismo que configuram a sua reacção, visando a desordem, a destruição de bens públicos e a aquisição, pelo roubo, de bens de consumo valorizados pelo conglomerado media/mercado/sociedade.

Estas situações têm resultado num aumento da delinquência juvenil e de detenções na Europa Ocidental e nos EUA, com ênfase para faixas etárias cada vez mais baixas (entre os 12-17 anos). Associado a tudo isto, assume especial relevância a toxicodependência, substituto negativo que, segundo Fitoussi, vem “preencher” um vazio interior de valores culturais simbólicos, visando criar uma identidade.

Surgem, assim, as subculturas com base na associação mais ou menos livre de jovens desses contextos urbanos, em grupos, bandos,

gangs, cujas vivências decorrem na rua, espaço central do seu

crescimento e do seu quotidiano.

De formação, muitas vezes, espontânea, os bandos poderam ser definidos de acordo com Jacques Solosse (cit. in Antunes, 1995: 14): “(...) conjunto de pessoas ligadas por comportamentos comuns, tendo uma certa consciência de pertença, experimentando um conjunto de sentimentos e exprimindo-se através de um sistema de valores próprio”. Os Movimentos Marginais não podem ser considerados Movimentos Alternativos (até porque, geralmente, finalizam ao ultrapassar a faixa etária juvenil); não deixam, no entanto, de ser reflexos exponenciais de uma mudança, não só no âmago social, mas também no âmago pessoal de indivíduos na busca da sua identidade, da sua dignidade.

Importa que a leitura destes comportamentos juvenis, em particular dos jovens em situação de marginalidade e exclusão, seja feita a partir de um modelo “(...) cultural, dinâmico, interaccionista e plural” (segundo Ramos, 2001: 165), que inclui, também, os processos de socialização e de aprendizagem

CAPÍTULO II