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Família (contexto após repatriamento)

Após o repatriamento a re-socialização

7.3. Espaço geográfico

7.3.1. Família (contexto após repatriamento)

A ruptura familiar, que se dá com o processo de repatriamento, origina vários cenários diferentes para o repatriado. Por um lado, a relação com a família mais chegada, com quem mantinha um contacto permanente e que ficou nos países de acolhimento. E por outro, a relação com os familiares que residem nos Açores, que muitos até nem

conhecem (apenas sabem que existem porque os pais lhes disseram). O apoio dado pelas famílias nos EUA e no Canadá, aquando da sua partida, pode considerar-se satisfatório, pelas respostas que nos foram dadas; a solidariedade das famílias no último adeus é, para muitos repatriados, algo que jamais vão esquecer.

“... não foi fácil, ver os meus pais, mulher, filhos, amigos (silêncio), eles

foram todos despedir-se, até chorei...” (A2).

“... o que mais me custou foi ver minha mãe, ela estava destroçada, nunca a

tinha visto assim, partiu-me o coração...” (B11).

“...foi díficil o adeus, até o meu pai, que já não falava comigo desde que me

No entanto, este apoio sentido na despedida, vai-se diluindo com o tempo, em resultado da distância, e do frequente silêncio por parte do repatriado e por parte da família, assistindo-se mesmo, em muitos casos, a uma quebra dos laços familiares.

“... desde que cheguei a S. Miguel, só falei uma vez lá para minha mãe, faz

mais de um ano...” (A21).

“... eu tive uns meses grandes sem saber notícias deles, eu também nunca

me dei bem com eles (...) eles não querem saber de mim...” (B15).

“... tou aqui, eles tão lá! De vez em quando falamos mas é raro...” (B6).

“... não sei se tão vivos ou mortos, também não me interessa (...) eu tenho a minha vida e eles têm a sua...” (B22).

“... só falei com eles uma vez,, eles sempre tiveram vergonha de mim lá nos States, por causa da vida que levava...” (B16).

Também existem alguns casos em que a família se vem juntar ao repatriado (dois casos nas noventa e duas entrevistas).

“... minha mãe veio ter comigo, acho que tinha medo de eu ficar sózinho, sei

que ela não gosta daqui (...) se não fosse ela, acho que já me tinha matado...”

(A1).

“... minha mulher e meus filhos vieram viver comigo, tou super feliz, torna- se mais fácil suportar tudo!...” (C18).

Estes testemunhos mostram que a família assume um papel

projectos futuros, fazendo-o sentir-se mais acompanhado em todo o processo de repatriamento.

No entanto, também existe uma outra postura por parte do

repatriado, que é a recusa de ter a família por perto por considerar que os Açores não vão ser bons para os filhos, que estão melhor nos EUA ou no Canadá, onde, têm melhores perspectivas de futuro.

“... a minha mulher e os meus filhos queriam vir, mas eu não quis, isto não é

terra para eles (...) é um fim do mundo...” (C23).

“...eles queriam vir, mas aqui nem eu tenho condições, quanto mais para a minha família! Também não quero que eles sofram ainda mais...” (A15).

“...minha mulher queria vir, mas eu disse-lhe que não (...)isto aqui não têm nada para ela, eu tinha vergonha se ela viesse...” (B1).

“... se eles viessem, acho que se iam embora no dia seguinte, eles lá têm

tudo, aqui não têm nada (...) o que iam eles fazer aqui?...” (C4).

Como se pode constatar, a maior parte deles ainda acredita no american dream e o espaço a que foram obrigados é visto, pela maioria

deles, como uma prisão, sem condições, situação vista como humilhante (daí a recusa em não quererem a família perto).

Em relação aos familiares que têm nos Açores, pode afirmar-se que estes mostram algum receio e insegurança em receber os repatriados em suas casas, embora alguns os tenham aceitado no início, acabaram por os expulsar devido à reincidência dos seus comportamentos desviantes. Na nossa amostra de noventa e duas pessoas, apenas sete vive com familiares, o que demonstra bem esse receio e o sentimento de insegurança por parte dos familiares residentes nos Açores.

Para estes familiares, o repatriado carrega uma forte dose de marginalidade ao ponto de o estigmatizarem, negam-lhe alojamento deixando-o entregue a si mesmo.

Pode-se constatar no quadro abaixo, as respostas dadas quando se perguntou com quem viviam:

Após o repatriam ento, com quem vive

41% 12% 2% 32% 8% 5% só-quarto/pensão/casa num quarto com outros casa de amigos instituição de apoio com familiares noutro sítio Fig. 20

Em relação à ajuda prestada pelos familiares, aquando da sua chegada aos Açores, também não foi muito significativa, apesar de alguns repatriados afirmarem que foi razoável atendendo às possibilidades. O quadro infra mostra-nos as respostas dadas.

Ajuda de fam iliares quando chegaram aos Açores 3; 3% 23; 25% 12; 13% 54; 59% excelente razoável quase nenhuma nenhuma Fig. 21

Como se pode constatar, mais de metade da população entrevistada, afirma não ter recebido nenhuma ajuda por parte de

familiares, nem por parte de amigos ou vizinhos. Ressalve-se que os mais novos (faixa etária 18-38 anos), não possuiam quaisquer amigos nos Açores; os que referem alguma ajuda, são indivíduos a partir dos 38 anos que já tinham vindo aos Açores de férias, em anos anteriores à

deportação e outros que, por terem emigrado mais tardiamente, possuiam ainda algumas amizades na escola que frequentaram ou do local onde moraram.

De referir também que alguma dessa ajuda por parte de amigos ou vizinhos, aparece apenas uns meses depois do repatriado já ter chegado a S. Miguel. O tipo de ajuda resume-se a algum dinheiro, roupa, comida e, apenas num dos casos, a um anexo para viver.

Ajuda de am igos quando chegaram aos Açores 1; 1% 15; 16% 14; 15% 62; 68% excelente razoável quase nenhuma nenhuma Fig. 22 7.3.2. Valores e representações

Neste contexto, entre a representação individual do repatriado do mundo real e as construções simbólicas dos outros, as quais constituem a mesma realidade quotidiana, as similaridades e as diferenças dos actores sociais estão traçadas, criando e definindo identidades diferentes. As representações sociais que os outros têm dos repatriados são negativas sendo eles considerados pela comunidade local como criminosos e violentos. Como as representações sociais não são só exteriores aos indivíduos, estas são entendidas e instrumentalizadas pelos repatriados através de uma posição construída e adoptada. Eles sabem que são estigmatizados, rotulados pela sociedade acolhedora, o que lhes causa muitas dificuldades nas suas tentativas de inserção.

Com o conflito criado, este resulta de toda uma construção de estereótipos em relação aos repatriados, traduzindo-se em posturas estigmatizantes onde o resultado final é a exclusão. A confrontação com

uma nova cultura e com padrões de socialização diferentes, leva o repatriado a períodos de latência que são acompanhados por uma diminuição da auto-estima e uma dificuldade na interacção com os outros indivíduos.

Um outro problema são as dificuldades no uso e na compreensão da língua portuguesa, também muito referidas pelos repatriados.