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2 ENQUADRAMENTO GERAL

INTERIOR NATUREZA DOS TRABALHOS

4 INTERFACES EM EDIFÍCIOS

4.2 Caracterização das interfaces em edifícios

A noção de interface em edifícios procura caracterizar a interligação entre sistemas do edifício. Neste sentido, devem ser observados os factores que definem a natureza da ligação entre sistemas e que podem ser manipulados em projecto. As referências contempladas nos capítulos anteriores, nomeadamente as relativas a sistemas, apresentam inúmeros argumentos para a caracterização da ligação entre sistemas no sentido de configurar a ideia de interface. Assim, propõem-se quatro modos de reflectir as interfaces em edifícios: organização, percepção, desempenho e junção (figura 4.1). Por sua vez, estes factores podem ser entendidos de forma combinada no projecto.

Figura 4.1 – Factores caracterizadores da interface em edifícios

4.2.1 Interface e organização

O estabelecimento dos diversos sistemas do edifício deve considerar a organização das suas partes de um modo articulado e coerente. Neste sentido, desenvolvem-se em seguida algumas considerações de modo a configurar a ideia de interface ao nível da organização entre sistemas.

A organização do edifício e da sua planta pode ser remetida para a disposição dos seus elementos em associação com determinadas configurações tipológicas. Neste sentido, assume especial relevância a ligação entre o contexto urbanístico e a definição da planta em consideração com a organização da estrutura, da pele, das instalações e do interior. Esta organização deve ser estabelecida em termos de espaços e localizações afectas aos diversos

elementos do edifício, considerando o encadeamento de actividades a realizar no edifício e outros factores.

Nesta linha, Leonard Bachman (2003) refere-se à “integração física” no sentido em que os diversos componentes partilham espaço e volume. Um dos aspectos contemplados nesta noção consiste na definição de volumes segregados que previnem “interferências” entre sistemas, patente nomeadamente na afectação de espaços para a estrutura e instalações técnicas no processo de desenho.

A acepção de “estrutura” associada ao ordenamento da construção, definida por Herman Hertzberger (1999), estabelece-se igualmente num sentido organizativo do edifício. Segundo este autor, a “estrutura” pode estar associada à ideia de princípio gerador ou mecanismo de ordenação:

“…ordenamento da construção é a unidade que surge num edifício quando as partes tomadas em conjunto determinam o todo, e inversamente, quando as partes isoladas derivam desse todo de modo igualmente lógico. A unidade resultante do projecto que emprega consistentemente essa reciprocidade – partes determinando o todo e determinadas por ele – pode num certo sentido ser vista como uma estrutura.” (HERTZBERGER, 1999).

Este autor realça a importância do projecto de edifícios ser baseado numa estratégia coerente, que contemple uma unidade de vocabulário, material e método de construção, uma unidade temática e uma ideia coerente. Refere-se, também, à reciprocidade da forma e do uso “no sentido de que a forma não apenas determina o uso e a experiência, mas também é igualmente determinada pelos dois na medida em que é interpretável e, portanto, pode ser influenciada.”.

4.2.2 Interface e percepção

A percepção através dos sentidos humanos pode ser estabelecida em termos visuais, tácteis, térmicos, auditivos e olfactivos (HEGGER et al., 2007). Assim, o processo de desenho deve considerar as propriedades relativas à percepção dos componentes e dos materiais utilizados no edifício, considerando o seu efeito combinado. Deste modo, a concepção de interface pode ser estabelecida ao nível da percepção, considerando o efeito nos sentidos humanos decorrente da interligação dos diversos sistemas e componentes do edifício. Considera-se, ainda, uma aproximação à intencionalidade arquitectónica, estabelecida num sentido estético, significativo e associativo.

Em termos de estímulos, a visão assume um papel preponderante, reflectindo-se na percepção das superfícies, das transparências, da cor, da escala e ao nível associativo (HEGGER et al.,

2007). Nesta linha, Leonard Bachman (2003) refere-se à “integração visual”, associada aos modos como os componentes se combinam numa “imagem cumulativa”:

“Os componentes do edifício são exibidos e formalmente expressos de modo combinado de forma a criar a sua imagem. Isto é verdade para a totalidade da ideia visual do edifício, assim como para o carácter dos quartos e dos elementos individuais, descendo até aos mais pequenos detalhes. ”.

A ligação entre componentes pode ser entendida em termos de significado, estabelecida pela intencionalidade do arquitecto e do processo de percepção da parte do observador. Neste sentido Anne Beim (2004) refere-se ao sentido de tectónica, em termos de “processo de significação”:

“Significado na construção ou a dimensão tectónica na arquitectura depende em como o “criador” (o arquitecto), assim como o “espectador” (o utilizador), percebe e interpreta “construção” assim como qual o tipo de significado (ou falta dele) que eles transferem para as soluções físicas do projecto de arquitectura” (BEIM, 2004).

4.2.3 Interface e desempenho

A norma ISO 6241 (1984) relativa a requisitos de desempenho do edifício estabelece uma classificação de sub-sistemas do edifício associado a componentes e montagens, assim como uma descrição dos requisitos dos utilizadores, dos agentes relevantes para o desempenho do edifício e, ainda, dos diferentes usos dos espaços e edifícios.

A aproximação ao sentido de interface pode ser encontrada na norma ISO 6241 (1984), no reconhecimento da interacção de funções dos componentes (na medida em que estes podem desempenhar diferentes funções em diferentes sub-sistemas), e na acepção da importância que assume o desenho na definição do ambiente dos componentes e consequentemente no seu desempenho.

Assim, a referida norma, aponta a possibilidade de determinados componentes e montagens poderem pertencer a um ou mais sub-sistemas, conforme patente no seguinte exemplo:

“Uma unidade de fachada pode ser parte de uma estrutura autoportante, do envelope, das instalações de aquecimento e ventilação, das instalações eléctricas, etc.” (ISO 6241, 1984).

Neste sentido, os diversos componentes ou montagens não têm que corresponder exactamente a um sub-sistema “funcional” do edifício (estrutura, envelope, divisões espaciais,

instalações), podendo desempenhar a totalidade ou parte das funções atribuídas ao sub- -sistema, ou eventualmente contribuir para dois ou mais sub-sistemas simultaneamente.

A referida norma reconhece, ainda, as consequências do desenho como um agente relevante para o desempenho do edifício, conjuntamente com os agentes externos e relativos à ocupação do edifício. Assim, as consequências do desenho são consideradas como impostas aos componentes, na medida em que o resto do edifício é parte do ambiente do componente (ISO 6241, 1984).

Um dos aspectos essenciais no sentido de integração entre sistemas e componentes reside na optimização da função dos componentes, nomeadamente das suas funções combinadas. Neste sentido, Edward Ford (1990) refere que um bom edifício deverá usar um número mínimo de componentes, cada qual deverá desempenhar um número máximo de funções.

Leonard Bachman refere-se a integração funcional no sentido de partilha de funções, referindo- -se à integração de desempenho pela fusão ou sobreposição das funções de dois componentes, podendo estes não estarem combinados fisicamente. Neste sentido, refere-se à partilha de mandatos patente, por exemplo no desempenho combinado entre envelope, estrutura, interior e instalações com vista ao conforto térmico dos utilizadores.

4.2.4 Interface e junção

Os diversos elementos da construção são ligados de maneiras específicas, definindo uma junção. A junção é definida fisicamente através de uma determinada geometria, assume um carácter físico (estrutural) e químico (com ou sem relevância), estando associada a uma determinada sequência construtiva e determinando as possibilidades de dissociação dos componentes com vista à sua reparação ou substituição.

Os níveis de integração estabelecidos por Richard Rush e outros (1986), reflectem a natureza da ligação entre elementos dos diversos sistemas. Assim, “contacto”, “conexão” e “mesclagem” definem uma gradação da natureza da junção entre elementos, reflectindo uma progressão do sentido de dependência dos diversos elementos dos sistemas, relativamente uns aos outros. Rishard Rush e outros definem, ainda, os níveis de integração “remota” e “unificada”, na primeira os elementos dos diversos sistemas apresentam-se fisicamente separados mas relacionados funcionalmente, e na segunda é definida uma fusão física e funcional entre sistemas.

Bernard Leupen (2006) refere-se às noções de desconexão e excisão (figura 4.2) no sentido de analisar a individualização das “camadas” do edifício em termos dos graus de liberdade que proporcionam relativamente umas às outras. Segundo este autor, a desconexão corresponde

ao sentido de independência de uma camada relativamente às outras, nomeadamente em termos físicos.

“…no momento em que a estrutura assume a totalidade das cargas, as paredes divisórias podem ser desconectadas e movimentadas da forma desejada” (LEUPEN, 2006).

Por sua vez, Bernard Leupen refere-se à excisão no sentido de marcar a fronteira ao longo da qual duas “camadas” podem ser desconectadas. Neste sentido, Bernard Leupen (2006) refere a necessidade de definir essa excisão, na identificação onde estabelece consequências e até que grau proporciona ainda a ligação entre duas camadas. Segundo Leupen, a excisão pode ser entendida no sentido físico na definição da zona de “corte”, ou adquirir dimensão e material, ou em alternativa encerrar um espaço. O sentido de excisão apontado por Bernard Leupen, associa-se à caracterização da ligação e das possibilidades de desconexão entre diferentes camadas do edifício, no sentido de estabelecer uma análise da sua adaptabilidade.

Figura 4.2 – Desconexão e excisão segundo Bernard Leupen [Fonte: LEUPEN, 2006 (traduzido)]

Jorge Sequeira (2003) refere-se aos encontros e interfaces entre elementos construtivos. A zona de encontro define o limite dos materiais implicados na formação da interface, correspondendo em muitos casos ao limite de empreitadas distintas. Segundo Sequeira, as interfaces podem ser caracterizadas de acordo com a geometria do encontro entre materiais, podendo ser pontual, linear, em área e tridimensional.

Os aspectos relativos à junção entre sistemas assumem especial relevância no desenho de detalhe. No âmbito da presente dissertação consideram-se as interfaces na pormenorização como uma particularização das interfaces entre sistemas observadas à escala do detalhe.