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Caracterização e crescente relevância do processo constitucional

2.2 Processo e procedimento constitucionais

2.2.1 Caracterização e crescente relevância do processo constitucional

O processo e o procedimento têm ganhado uma especial relevância no direito público contemporâneo, revelados como instrumentos voltados a conferir legitimidade às decisões tomadas pelo Estado.

Em seu ensaio sobre O futuro da democracia, BOBBIO identifica um conteúdo mínimo para que uma decisão a ser tomada possa ser aceita como

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decisão coletiva, consubstanciado na delimitação dos legitimados a tomá-las e no procedimento apto a alcançá-la.66

A ligação umbilical entre os direitos fundamentais e o procedimento é ressaltada por CANOTILHO:

“Qualquer que seja a ‘ética processual’ subjacente ao acolhimento do direito

ao procedimento no âmbito dos direitos fundamentais, poderemos partir,

pragmaticamente, da relevância da dimensão procedimental, se colocarmos o problema nos termos seguintes:

1 – O procedimento é um sistema de regras e/ou princípios;

2 – Essas regras e princípios visam a obtenção de um resultado determinado; 3 – A justa conformação do procedimento, no âmbito dos direitos fundamentais permite, pelo menos, a presunção de que o resultado obtido através da observância do iter procedimental é, com razoável probabilidade e em medida suficiente, adequado aos direitos fundamentais;

4 – O direito ao procedimento implica, fundamentalmente: (1) direito à criação, pelo legislador, de determinadas normas procedimentais ou processuais; (2) direito à interpretação e à aplicação concreta, pelo juiz, das normas e princípios procedimentais ou processuais.

Deste esquema resultam já os contornos da questão essencial. Sendo certo que, de acordo com a tese de GOERLICH, qualquer direito fundamental pressupõe um suporte procedimental/processual, será legítimo afirmar a existência de um dever do legislador e de um correspondente direito do titular do direito fundamental, quanto à criação e ordenação adequada do procedimento ou processo indispensável à garantia do direito material? Por outras palavras: a proteção através do procedimento ou processo significa

direito fundamental ao procedimento?”67

Não só o procedimento jurisdicional tem ganhado relevo como também outras espécies de procedimentos como o procedimento legislativo, voltado à discussão e aprovação de projeto de lei ou de outras espécies normativas, e o procedimento

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“Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraproposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias e fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas até as decisões de um grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos.” In: BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. 10ª ed., São Paulo, 2006, p. 30-31.

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1ª ed. brasileira, 2ª ed. portuguesa, São Paulo, Coimbra Editora e Revista dos Tribunais, 2008, p. 75-76.

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administrativo, destinado a por em funcionamento a burocracia administrativa, com vistas a alcançar os fins e objetivos da administração pública, mediante regras que garantam a oportunidade de manifestação, a participação do particular interessado, a publicidade, instâncias recursais etc.

LUIZ GUILHERME MARINONI afirma estarem enganados aqueles que amesquinham a importância do procedimento entendendo que este seria “um resquício de uma época em que o processo era somente um rito para a aplicação judicial do direito material [...]”, pois o “procedimento, em abstrato – como lei ou módulo legal – ou no plano dinâmico – como seqüência de atos –, tem evidente compromisso com os fins da jurisdição e com os direitos dos cidadãos”.68

LUHMANN, igualmente, identifica no procedimento juridicamente regulado um importante elemento de legitimação da atuação do poder.69

O procedimento, sob a perspectiva da doutrina processual, pode ser visto como um conjunto de atos encadeados que se voltam à produção de um ato final, a decisão ou sentença. O processo seria mais que isto, envolveria, além do procedimento, também as relações entre os sujeitos do processo (o juiz, sujeito imparcial, e as partes).70

O processo constituir-se-ia, portanto, pela soma da relação jurídica processual – relação entre os sujeitos do processo – e o procedimento.

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MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª ed., São Paulo, RT, 2008, p. 401. 69

LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo Procedimento. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1980, p. 29-35.

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ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, esclarecem que: “Etimologicamente, processo significa ‘marcha adiante’, ‘caminhada’ (do latim, procedere = seguir adiante). Por isso, durante muito tempo foi ele confundido com a simples sucessão de atos processuais (procedimento), sendo comuns as definições que o colocavam nesse plano. Contudo, desde 1868, com a obra de Bülow (Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias), apercebeu-se a doutrina de que há, no processo, uma força que motiva e justifica a prática dos atos do procedimento, interligando os sujeitos processuais. O processo, então, pode ser encarado pelo aspecto dos atos que lhe dão corpo e das relações entre eles, e igualmente pelo aspecto das relações entre os seus sujeitos.” In: Teoria Geral do Processo. 25ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 297.

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Para alguns, quando não há o exercício da jurisdição –entendida como a substituição da vontade das partes pela decisão jurisdicional –, não se estaria propriamente diante de um processo, mas sim de mero procedimento. Dessa forma, não se caracterizariam como processos os procedimentos de jurisdição voluntária, o procedimento administrativo, e o legislativo (visão também sujeita a críticas, como já se viu acima).

MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA esclarece que se deve tomar “a relação jurídico-processual como ‘alma’ do processo, e o procedimento como ‘corpo’ deste”.71 O procedimento seria o meio extrínseco do processo, a maneira pela qual ele se desenvolve, sua manifestação fenomênica perceptível.

DINAMARCO coloca no contraditório o elemento qualificador do processo enquanto tal, de modo a diferenciar-lhe do procedimento: “hoje facilmente se compreende que todo poder se exerce mediante um procedimento, caracterizando-se este como processo desde que seja feito em contraditório”.72

Em sede de controle de constitucionalidade, o processo é de suma importância para que se alcance a efetiva proteção das normas constitucionais, bem como a legitimidade da decisão proferida pelo órgão encarregado de resguardá-las e, diante da natureza da atribuição exercida pelo tribunal constitucional, reveste-se de caráter especialíssimo.

É necessário ter a noção de que todo processo se desenvolve por meio de um procedimento e que este deve fornecer os instrumentos hábeis a alcançar a tutela jurisdicional específica às diversas espécies processuais. A técnica processual destina-se a

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CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direito Processual Constitucional. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 01. Esclarece, ainda, o autor: “Assim, a relação estabelecida entre juiz e partes, em torno de direitos e obrigações processuais, atados por um vínculo então estabelecido, sintetiza a própria essência da noção da relação jurídico- processual. Já a exteriorização dessa relação, através de atos interligados e tendentes a um fim – a sentença –, concretiza a noção de procedimento (outro componente da concepção jurídica do processo). No entanto, como ocorre com a noção de ação, há ainda um conteúdo político da idéia de processo, a que nos reportaremos no momento oportuno.” In: CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direito Processual Constitucional. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 01.

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conferir efetividade à aplicação das normas de direito material; no caso do processo de controle principal, às normas da própria Constituição.