• Nenhum resultado encontrado

2.3 A evolução do controle de constitucionalidade

2.3.3 O controle de origem austríaca

Ao que tudo indica, o modelo estadunidense de controle de constitucionalidade não se incorporou satisfatoriamente na maior parte da Europa.

A par das diferenças históricas entre a evolução do direito europeu e do norte-americano, a maior dificuldade de implantação do sistema de controle difuso nos países de tradição romanística (civil law) encontra-se na inexistência, nestes, do princípio da vinculação dos precedentes (stare decisis) americano.

Segundo o princípio da stare decisis, as decisões dos órgãos superiores de uma jurisdição vinculam os órgãos jurisdicionais inferiores, de modo que a declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo pela instância superior impede as inferiores de aplicarem aquela lei ou ato normativo, ao passo que a decisão da Suprema Corte impede a aplicação da lei em termos gerais.119 Assim, esclarece CAPPELLETTI que, embora

de Oliveira. Direito processual constitucional. Aspectos contemporâneos. Editora Fórum. Belo Horizonte, 2006, p. 19.

118

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 898.

119

Segundo CAPPELLETTI: “O resultado final do princípio do vínculo aos precedentes é que, embora também nas Cortes (estaduais e federais) norte-americanas possam surgir divergências quanto à constitucionalidade de uma determinada lei, através do sistema das impugnações a questão de constitucionalidade poderá acabar, porém, por ser decidida pelos órgãos judiciários superiores e, em particular, pela Supreme Court cuja decisão será, daquele momento em diante, vinculatória para todos os órgãos judiciários. Em outras palavras, o princípio do

stare decisis opera de modo tal que o julgamento de inconstitucionalidade da lei acaba, indiretamente, por

assumir uma verdadeira eficácia erga omnes e não se limita então a trazer consigo o puro e simples efeito da não

58 a lei continue em vigor (on the books), é transformada em lei morta (a dead law), convertendo-se, por força da stare decisis, a mera não aplicação da lei ao caso concreto em verdadeira anulação da lei, com efeitos gerais (erga omnes).120

Com vistas a tornar o controle de constitucionalidade palatável à história e realidade européias, HANS KELSEN formulou um sistema de proteção da Constituição diferenciado do americano, cujas premissas básicas procurarei demonstrar a seguir.

No sistema conhecido como austríaco, em virtude de ter sido adotado pioneiramente pela Constituição da Áustria de 1920, o controle de constitucionalidade é exercido de forma concentrada pela Corte Constitucional. Para instauração do controle, a Constituição austríaca exigia, como esclarece CAPPELLETTI, a formulação de um pedido especial (Antrag), a cargo de determinados órgãos – inicialmente apenas de caráter político –, a dar início a uma ação também especial, totalmente desvinculada de qualquer caso concreto.121 Consubstanciava-se em um controle por via principal – e não incidental como o modelo americano –, no qual os juízes, à exceção da Corte Constitucional, não tinham o poder de controlar a constitucionalidade das leis e tampouco de deixar de aplicá-las se as reputassem inconstitucionais.122 A reforma de 1929 atribuiu a dois órgãos judiciários ordinários (a Corte Suprema para as causas civis e penais e a Corte Suprema para as causas administrativas) a legitimidade para a instauração do processo, mas, neste caso, em via incidental.123

O sistema austríaco era dotado de inegável originalidade, como bem enfocado por BARACHO:

“A Constituição austríaca transformou-se em modelo de um sistema de controle de constitucionalidade, verdadeiramente original, que se opõe ao

novo aplicada”. In: CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Rio Grande de Sul, Sérgio Fabris Editor, 1999, p. 80-81.

120 Ibidem, p. 81-82. 121 Ibidem, p. 104. 122 Ibidem, p. 105. 123 Ibidem, p. 106.

59

sistema americano, criando o tipo de controle concentrado. Trata-se de instituição especializada que realiza seu controle por intermédio de procedimentos especiais, podendo anular a norma inconstitucional, com efeito erga omnes. Esse tipo de controle, instituído na Áustria, permite o controle ‘abstrato’ e o ‘concreto’.”124

Como lembra CANOTILHO, “qualquer que seja a sua caracterização jurídico-constitucional, este sistema encontrou grande recepção no após- Guerra, estando consagrado na Itália, Alemanha, Turquia, Jugoslávia, Chipre, Grécia, Espanha e Portugal”.125

Um rol dos países nos quais este modelo foi implantado é fornecido por BARACHO:

“O modelo europeu apareceu nos anos de 1920, sendo que entre as duas guerras foi conhecido: na Áustria (1920-1936), na Checoslováquia (1920- 1938) e na Espanha republicana (1931-1939).”126

E acrescenta, o ilustre professor, a razão de ser de sua nomenclatura, bem como a abrangência que o sistema alcançou no pós-guerra:

“É conhecido como ‘modelo austríaco’, desde que a Alta Corte Constitucional da Áustria foi uma das suas primeiras ilustrações, que teve em Hans Kelsen seu primeiro teórico. Após a Segunda Guerra mundial ele foi adotado por várias constituições da Europa: República Federal da Alemanha, em 1949; Itália, em 1948; França, em 1958; Chipre, em 1960; Turquia em 1961; Portugal em 1976; Espanha em 1978; Bélgica em 1984 e a Iugoslávia em 1963, Hungria em 1985. Novas Cortes Constitucionais, como as da Hungria, Romênia, Eslovênia, Bulgária e Rússia e outras, ainda em formação na Europa central e oriental, vêm seguindo a mesma orientação.”127

124

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional. Aspectos contemporâneos.

Editora Fórum. Belo Horizonte, 2006, p. 24. 125

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 899. É necessário ressaltar que na Grécia e em Portugal o sistema é essencialmente difuso, nos moldes norteamericanos, com a peculiaridade de prever um incidente de inconstitucionalidade cuja decisão tem caráter geral.

126

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito processual constitucional: Aspectos contemporâneos. Editora Fórum, Belo Horizonte, 2006, p. 28.

127

60

Com fundamento neste brevíssimo histórico, é possível delinear as características fundamentais de cada um dos principais modelos de fiscalização sucessiva128 de constitucionalidade.