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Discussão de matéria relativa a interesses subjetivos específicos

3. Os Princípios Processuais e o Controle Abstrato de Normas

3.2 Os princípios processuais e sua aplicação ao controle abstrato de leis e atos normativos

3.2.8 O princípio da livre investigação das provas e o princípio inquisitivo [Lei federal nº

3.2.8.1 Discussão de matéria relativa a interesses subjetivos específicos

Esclareça-se que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que o controle abstrato de constitucionalidade não é o cenário para discussão de interesses subjetivos, chegando a extinguir ações sem exame do mérito diante da verificação de que o real escopo do autor seria buscar a satisfação de interesses subjetivos ou pessoais.

Realmente, na ADI 3.867/RJ365 a relatora, Ministra CÁRMEN LÚCIA, negou seguimento à ação em virtude de, por meio dela, “não se buscar, efetivamente,

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ADI 3510, Relator: Ministro CARLOS BRITTO, decisão monocrática, julgamento em 16-3-07, DJ de 30-3- 07.

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Nesta ADI, o autor, partido político com representação no Congresso Nacional, alegou ofensa ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido, em virtude de o Governo do Estado do Rio de Janeiro ter estabelecido um “teto” para a remuneração e os proventos dos fiscais de rendas do Estado, e formulou pedido com vistas a impedir a aplicação retroativa dos dispositivos da EC 41/03, de modo a restabelecer a fixação do limite ou teto das remunerações e proventos dos fiscais de rendas como previsto pelo art. 37, XI, da Constituição Federal em sua redação originária e, ainda, garantir a exclusão dos direitos e vantagens pessoais do teto das suas remunerações e proventos, como era estabelecido no art. 39, § 1º da Constituição da República.

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o controle abstrato de constitucionalidade, mas decisão judicial para atendimento de interesses subjetivos específicos”.366

Nesse caso, o próprio pedido me parece ter sido formulado equivocadamente, pois o autor pleiteava o retorno ao status quo ante em relação ao padrão remuneratório da categoria de servidores públicos interessada. Aí está evidente a defesa, imprópria, de interesses individuais.

Em outra oportunidade, em processo relatado pelo Ministro CELSO DE MELLO, a Confederação Nacional da Indústria impugnou dispositivos da Lei nº 10.165, de 27/12/2000, que alterou dispositivos pertinentes da Lei nº 6.938/81, referentes à Política Nacional do Meio Ambiente. Em brevíssima síntese, sustentava a autora que a nova lei violava dispositivos da Constituição Federal que tratam de matéria tributária (art. 145, II; 167, IV; 153; e 154, I), tendo impropriamente criado uma nova taxa. Entendeu o Ministro Relator que a simples narração de situações reveladoras de pretensão de defesa de direitos individuais367 revelariam de forma inquestionável “o intuito da autora de, ao agir em sede de

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Da decisão extrai-se o seguinte trecho: “O pedido formulado pelo Autor, por si só, é suficiente para indicar a busca de soluções concretas e individuais. O Partido Democrático Trabalhista-PDT pede não a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 3º e 5º da Emenda Constitucional n. 19/1998 e 8º e 9º da Emenda n. 41/03, mas, sim, o restabelecimento ‘do limite ou teto das remunerações e proventos dos Fiscais de Rendas como previsto pelo art. 37, XI, da Constituição [da República]’ (fl. 42). Assim, o que pretende o Autor é a defesa de interesses subjetivos dos fiscais de rendas do Estado do Rio de Janeiro. Este Supremo Tribunal Federal assentou entendimento segundo o qual não se há de acolher a defesa de interesses subjetivos em ação prestante ao controle abstrato da validade de normas em face da Constituição da República. Nessa via, não se há de decidir sobre os interesses ou os direitos de partes específicas, mas da validade das normas em face da Constituição. Entender o contrário seria burlar o fim verdadeiro da lide.” In: ADI 3867/RJ-RIO DE JANEIRO, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 22/02/2008. Publicação: DJe-036 DIVULG 28/02/2008 PUBLIC 29/02/2008.

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Veja-se o seguinte trecho da R. Decisão: “Impõe-se analisar, inicialmente, questão pertinente à utilização adequada da ação direta de inconstitucionalidade, pois tenho para mim - a partir da leitura da petição inicial e dos documentos que a instruem - que este processo de controle concentrado foi instaurado com o iniludível objetivo de promover, em sede de fiscalização abstrata, a defesa de interesses individuais e concretos das empresas vinculadas, no plano da organização sindical, à autora, notadamente ‘as empresas de pequeno e médio portes’ (fls. 38), e, em particular, a Companhia Vale do Rio Doce, como se depreende do seguinte fragmento constante da peça processual mencionada (fls. 34/35): ‘Os valores estipulados pela Lei 10.165/00, a título de TCFA, a par das inconstitucionalidades já apontadas, inobservam outro princípio jurídico, que é o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade que deve informar a elaboração de atos normativos, sobretudo porque estipula a lei que a taxa seja cobrada por estabelecimento (art. 17- D), o que certamente conduzirá a valores exorbitantes, se considerarmos, por exemplo, uma grande empresa com estabelecimentos em todo o País. Veja- se, assim, a Companhia Vale do Rio Doce que deverá recolher anualmente, a título de TCFA, o valor absurdo de cerca de R$ 1.200.000,00 (hum milhão e duzentos mil reais)!!! (Doc. 11). E esse valor, é bom destacar, excluiu os estabelecimentos administrativos e comerciais.’ (grifei) Registre-se, ainda, por necessário, que esse específico

168 fiscalização concentrada, buscar, na realidade, amparo jurisdicional para a preservação de direitos e interesses concretos das empresas que, vinculadas à CNI, serão afetadas, em suas respectivas situações individuais, pelo diploma legislativo ora impugnado”.368

Assim, para o Ministro Relator a configuração concreta de interesses individuais contrastantes bastaria, por si só, para inviabilizar a utilização da ação direta de inconstitucionalidade.369

Não parece razoável que o simples fato de a inicial da ação direta narrar efeitos concretos da inconstitucionalidade ou situações concretas que afetam a parte ou terceiros sejam suficientes para inviabilizar a utilização do controle principal de constitucionalidade. Realmente, embora a narrativa desses fatos possa revelar-se desnecessária à configuração do conflito de normas, a sua mera menção na petição inicial não me parece suficiente a inviabilizar o uso do processo de controle abstrato370, desde que o pedido esteja corretamente formulado, no sentido da declaração pura e simples de inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados. Em certas situações, a narrativa dos efeitos pode, com a devida vênia, até mesmo evidenciar melhor a amplitude e gravidade da violação a determinado

propósito que anima a autora - especialmente se se considerarem os fundamentos que dão suporte à presente argüição de inconstitucionalidade - resulta claro dos documentos que instruem a própria petição inicial, nos quais são relacionadas, concretamente, várias empresas registradas na FEEMA, com menção, inclusive, a planilhas ‘com a previsão dos gastos anuais de quatro destas empresas’ (fls. 82), seguindo-se observação de que seria encaminhado à CNI, ‘para subsidiar a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIn que será movida por esta Confederação contra a Lei n. 10.165/00, que cria a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, a ser cobrada pelo IBAMA’ (fls. 82), um ‘estudo [...] referente à média a ser paga, anualmente, pelas indústrias fluminenses...’ (fls. 82).”

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ADI 2422/DF - DISTRITO FEDERAL. Relator Ministro CELSO DE MELLO. Julgamento: 01/08/2001. Publicação: DJ 15/08/2001, p. 06.

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“Veja-se, pois, que o contexto ora exposto põe em evidência a configuração concreta de interesses individuais contrastantes, o que basta, por si só, para inviabilizar a utilização, na espécie em exame, da ação direta de inconstitucionalidade.” In: ADI 2422/DF - DISTRITO FEDERAL. Relator Ministro CELSO DE MELLO. Julgamento: 01/08/2001. Publicação: DJ 15/08/2001, p. 06.

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VITALINO CANAS esclarece que: “Não se exclui que a par do interesse público haja interesses particulares que com ele concorram no mesmo ou em sentido diverso. Mas tais interesses não adquirem qualquer relevância processual negativa ou positiva. Desse modo, se acidentalmente se vier detectar que foram intuitos de natureza pessoal (por exemplo, a procura de proventos políticos resultantes de um acréscimo de prestígio junto da opinião pública, designadamente dos eleitores) que declaradamente decidiram a entidade a accionar o mecanismo de fiscalização, em nada isso vem repercutir-se na obrigação de o Tribunal Constitucional se debruçar sobre a questão, estando impedido de rejeitar só por essa razão a admissibilidade do requerimento.” In: CANAS, Vitalino. Os processos de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade pelo Tribunal Constitucional: Natureza e princípios estruturantes. Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 28.

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dispositivo constitucional, bem como demonstrar a necessidade de concessão de tutela cautelar.