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4 ELEMENTOS DO DEBATE ACADÊMICO RECENTE SOBRE

4.2 PERSPECTIVAS DE PRESTAÇÃO DE CONTAS PRESENTES NO

4.2.2 Caracterização geral segundo as abordagens de prestação de contas

A respeito das abordagens de prestação de contas e de controle social presentes nos trabalhos da área, conforme mencionado na subseção da 1.1.2, orientei-me por uma matriz com três abordagens construídas com base em aportes teóricos sobre o tema. É importante assinalar que, no processo de análise, esse conjunto demonstrou ser suficiente para identificar características das produções examinadas.

Sobre a abordagem que situa a prestação de contas/controle social como peça do modelo de accountability inspirado na New Public Management, é baixa a incidência de trabalhos do período pesquisado, seja entre os localizados no eixo “prestação de contas”, seja no eixo “controle social”. Entre os trabalhos com essa abordagem, sobressaem debates a respeito de avaliações externas, com enfoque mais frequente sobre consequências desse mecanismo no processo educativo e na dinâmica da escola. As discussões nessa linha (em ambos os eixos) focalizam atores, circunstâncias e rotinas escolares, tendo como questões de fundo a ação reguladora do Estado (animada pela regulação da qualidade) e a tendência à responsabilização da escola e seus atores.

O estudo realizado por Ferronato (2014), por exemplo, enfoca as avaliações externas em larga escala e o uso de mecanismos de accountability para a melhoria da qualidade da educação básica brasileira. Neste caso, a autora analisa o sistema de accountability no ensino fundamental enquanto recurso de gestão, implantado com o Ideb no contexto do Plano Metas Compromisso Todos pela Educação. Refere que o sistema de avaliação instaurado se fundamenta em pressupostos da New Public Management, de modo que a avaliação em larga escala e o imperativo da produção de resultados submetem a escola a um singular modelo de prestação de contas, seguido de medidas de responsabilização pelos números produzidos. Os argumentos são de que esse modelo de responsabilização está diretamente relacionado a princípios e estratégias do novo paradigma de gestão, que aposta em um controle da qualidade do ensino direcionado para a eficiência e eficácia dos processos educativos.

Outro exemplo dessa tendência pode ser verificado no estudo realizado por Rostirola (2014), que aborda as alterações nas políticas de regulação da educação básica e a adoção de mecanismos accountability como uma das estratégias de regulação e controle da qualidade educacional, tendo como pano de fundo a ação do Estado Avaliador. Neste caso, os argumentos dão conta de que a criação da Prova Brasil, no ano de 2005, constituiu peça-chave da introdução da política de accountability na educação básica brasileira, com consequentes

repercussões em termos de responsabilização pelos resultados educacionais produzidos pelas escolas.

Nessa mesma direção, podemos apontar o estudo de Nogueira (2015) sobre as relações entre avaliação em larga escala e a definição de políticas educacionais.39 O autor discute as tensões estabelecidas na década de 90, quando o uso dos mecanismos de accountability se torna frequente diante de pressupostos da New Public Management. As questões suscitadas dizem respeito à definição de metas para o aumento da produtividade uma vez que se “substitui um controle de normas por um controle pelos resultados, campo fértil para que a avaliação externa reforce seus dispositivos de atuação.” (NOGUEIRA, 2015, p. 96).

O apelo à produção de resultados educacionais também é ponto de referência das análises de Silva Filho (2014). Em seu estudo, igualmente filiado à concepção em pauta, o autor argumenta que o estabelecimento de parcerias do setor público com o privado traz implicações na organização da educação pública, pois são assumidos valores e práticas estimulados pela competição e pela busca de “melhor desempenho”. Segundo o autor, nessa circunstância, a égide da produção de resultados como elemento de aferição da qualidade da educação evidencia a presença de estratégias da New Public Management e do mecanismo de

accountability orientado por essa lógica.

Como se verifica, a lógica marcante nos exemplos apontados é a de crítica à produção de resultados, inclusive sobre recursos e processos dessa produção (MAROY; VOISIN, 2012; AFONSO, 2005), vezes no sentido de apontar sua impertinência em relação a objetivos educacionais socialmente referenciados, vezes no sentido da defesa a redirecionamentos ou adequações de modelos vigentes.

Leituras críticas à racionalidade administrativa, esta que encontra lugar marcante em modelos de gestão orientados por pressupostos da New Public Management, na perspectiva de prestação de contas orientada por princípios da eficácia e eficiência, também são verificadas no conjunto de estudos. Não foram identificados, todavia, trabalhos cuja abordagem sobre prestação de contas ou controle social tomasse favoravelmente a adoção de orientações, processos ou ferramentas pautadas na lógica da New Public Management.

A abordagem que situa a prestação de contas/controle social com base em princípios normativos, que conferem legitimidade ao poder de exigir (MAROY; VOISIN, 2012), tem significativa identificação com os trabalhos da área, sendo preponderante no conjunto examinado.

Na maior parte dos trabalhos, sobressaindo-se os enquadrados no eixo “controle social”, a expressão dessa abordagem vem associada a estudos sobre conselhos, concebidos como espaços institucionalizados de ação política que, portanto, figuram como espaços em que atores sociais e estatais relacionam-se formalmente. Sobressai, nesse sentido, a ideia de controle exercido por usuários ou cidadãos, considerados aspectos relacionados à democracia participativa.

Exemplificam essa caracterização, entre outros, o estudo de Lamarão (2013), a respeito do Conselho de Acompanhamento e Controle social do Fundo de Desenvolvimento da educação Fundamental e Valorização do Magistério (CACS Fundef), identificando-o como instrumento de participação de profissionais da educação. Os argumentos são de, mesmo com o surgimento dos conselhos na égide da reforma gerencial, o conselho pode ser um mecanismo de democracia direta para transformação da cultura política e estímulo à participação. Isso porque, além de exigir a prestação de contas, o conselho opera uma importante relação entre a educação pública e aparatos democráticos.

O estudo de Ferreira (2013), também sobre o CACS Fundef40, ao apontar a necessidade de mudanças no órgão a fim de que sejam aperfeiçoados o debate político e o controle democrático dos recursos públicos da educação que ali se processa, ressalta a importância da efetivação da participação popular, em vista da legitimidade de seu poder de exigir. Esta também é a abordagem de Caldeira (2015), ao enfocar limites e possibilidades apresentados pelo Conselho do Fundef e do Fundeb no acompanhamento e controle da aplicação das políticas de financiamento. Suas atenções recaem justamente na gestão do Conselho, no que se refere à participação social, sob o argumento de que a essência da democracia está no exercício do poder, portanto, nos serviços prestados aos interesses coletivos e de responsabilidade social, e que, nesse caso, o ponto-chave para a democratização das relações de poder está na capacidade de o Conselho operar mecanismos para o exercício do controle a serviço da cidadania e da emancipação política.

Igualmente recuperando aspectos de ordem normativa que conferem à sociedade civil legitimidade ao poder de exigir, Silva (2013), enfoca principalmente o processo de tomada de decisões ocorrido em conselhos enquanto espaços democráticos e participativos, recorrendo, para tanto, ao funcionamento de CACS do Fundef e Fundeb na esfera estadual. Neste caso, o plano de fundo para as análises são o contexto da redemocratização do Estado brasileiro e a introdução de pressupostos da New Public Management, consideradas as dimensões políticas

40 O autor tomou por referência municípios que tenham sido objeto de mais de uma fiscalização da Controladoria

e históricas do financiamento da educação pública pela via da política de fundos e da institucionalização do controle social.

Mas, não somente. Na linha de uma abordagem da prestação de contas com base em princípios normativos também se destacam enfoques sobre a ideia de controle e de prestação de contas exercido na relação com autoridade institucional ou mesmo interinstitucional, na perspectiva de uma acccountability horizontal (O’DONNELL, 1998), de que são exemplos as temáticas que enfocam o papel e ofício de tribunais de contas, de governos em relação a outros governos e mesmo de conselhos gestores para governos. Nesse âmbito, enfocam-se a qualidade de processos, a eficiência operacional, a transparência e a efetividade do controle público e consequências formais, especialmente, quanto à gestão de recursos financeiros.

O estudo de Machado (2012), sobre accountability na administração pública por meio da ação dos Tribunais de Contas (TCE), aborda, por exemplo, a estrutura e o funcionamento Tribunal enquanto órgão auxiliar fiscalizador da administração pública, referindo questões sobre rito processual de prestação de contas, o acompanhamento do cumprimento das sanções imputadas a gestores e o funcionamento dos sistemas de controle interno (MACHADO, 2012). Também o trabalho de Bordin (2015), que avalia a efetividade de auditorias internas em Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), tem aderência à abordagem de prestação de contas com base em princípios normativos, na perspectiva de uma acccountability horizontal, assim como o de Carvalho (2013), que aborda a execução e a prestação de contas financeira realizada por gestores escolares. Neste caso, referindo o enxugamento da máquina administrativa do Estado, iniciada na década de 1990, que resultou na ocorrência de repasse de responsabilizações, a autora examina a questão da transparência na execução financeira e a fiscalização dos caixas escolares.

De modo geral, o retrato dessa abordagem nos trabalhos situa a prestação de contas tanto em termos de “poder para exigir”, por meios de espaços institucionais, quanto em termos de relações institucionais situadas em níveis hierárquicos. Em todos os casos, as reflexões tendem a valorizar um sentido democratizante das ações enfocadas ou implícitas nos fenômenos estudados. Não foram localizados estudos focados na ideia de controle profissional (expertise profissional) ou de controle por “cliente”, como na perspectiva do liberalismo econômico.

Por fim, é possível dizer que, a exemplo da forte presença da abordagem na prestação de contas/controle social com base em princípios normativos, também sobressai no conjunto de trabalhos examinados a abordagem com base em princípios da democracia deliberativa.

Na perspectiva da democracia deliberativa, os trabalhos enfocam frequentemente experiências de gestão situadas no espectro de ações democráticas, enaltecida a adoção de valores, como participação, descentralização do poder e autonomia, valores esses ligados a bandeiras democráticas e à ideia de empoderamento de atores sociais/escolares.

Nessa direção vão estudos, como os de Gonçalves (2013), Ramos (2014), Silva (2011), Braga (2011) e Forjalla (2013). O trabalho de Gonçalves (2013) busca avaliar um novo modelo de gestão do Estado e da Educação, por meio das políticas de democracia participativa o protagonismo dos cidadãos no processo de decisão e de controle social da gestão pública. Seu interesse é verificar experiências de governo de administração popular no plano educacional. O autor destaca que a democracia participativa ressalta a presença dos cidadãos comuns nos processos de tomada de decisões, podendo implicar na “expansão do processo democrático da esfera política para a econômica [...]” (GONÇALVES, 2013, p. 71).

Outro trabalho, de Ramos (2014), aborda viabilidades do processo de gerenciamento de prestações de contas das verbas recebidas e destinadas aos programas educacionais de escolas de uma rede estadual. Neste caso, as reflexões incidem sobre a gestão financeira pública, a descentralização, a introdução de mecanismos de accountability, principalmente, a necessidade de transparência e responsabilização nos processos de gestão de recursos públicos. Para a autora, “faz-se necessário que o processo de planejamento favoreça a participação da comunidade escolar, o que indica uma forma democrática de decisão.” (RAMOS, 2014, p. 69). Esse posicionamento coaduna com o de Silva (2011), que discute a construção de saberes na gestão da política de conselho municipal41 e os desafios da gestão pública descentralizadora, destacando a participação social na produção do conhecimento a partir do exercício da cogestão por parte dos conselheiros.

Outro exemplo de estudo inscrito nesta abordagem é o trabalho de Braga (2011), que investigou o controle social em conselhos destinados à fiscalização dos recursos financeiros no âmbito da educação básica. Considerando os conselhos um “palco de luta” entre interesses dos trabalhadores, que utilizam a fiscalização técnica como espaço de participação, e de materialização de direitos sociais, conclui que a visão do controle social em educação carece de posição crítica, que dê conta das contradições envolvidas na atuação dos conselhos. Defesas próximas a essa também constam no trabalho de Forjalla (2013), que discute sustentabilidade, participação social e uma educação ambiental crítica e transformadora, no sentido da construção de mudanças no modelo hegemônico de desenvolvimento econômico,

41 Neste caso, o estudo refere o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de um município

baseadas em princípios de justiça social, combate à desigualdade socioeconômica e construção de uma democracia com participação dinâmica dos atores sociais.

É interessante observar que os trabalhos incidem tanto em experiências singulares, protagonizadas por atores sociais/escolares em projetos locais, quanto sobre condutas de perfil democrático na interface da escola com o Estado. Sobressaem nesses casos o que autores, como Peruzzotti e Smulovitz (2002), Lavalle e Isunza Vera (2010, 2011) e Afonso (2012) chamam de configuração democrática à informação e à justificação enquanto medidas de prestação de contas.