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2 ACCOUNTABILITY: PERSPECTIVAS TEÓRICO-CONCEITUAIS

2.2 ELEMENTOS DA ACCOUNTABILITY: O LUGAR DA PRESTAÇÃO DE

Um dos pioneiros no estabelecimento de distinções entre tipos de accountability foi Guillermo O’Donnell (MOTA, 2006; CENEVIVA; FARAH, 2006). Em O’Donnell, o termo

accountability possui duas dimensões, a vertical e a horizontal, cunhadas com base na teoria

democrática, liberal e republicana de Estado.

Na metáfora espacial de O’Donnell, a accountability vertical refere-se às relações entre o Estado e seus cidadãos, compreendendo os mecanismos institucionais que possibilitam, por meio das eleições, que a sociedade civil exija a prestação de contas dos atos públicos, ou seja, os cidadãos eleitores podem controlar as ações desempenhadas pelos seus representantes. Nesse sentido, o autor afirma que a essa dimensão “assegura que esses países são democráticos, no sentido de que os cidadãos podem exercer seu direito de participar da escolha de quem vai governá-los por um determinado período e podem expressar livremente suas opiniões e reivindicações.” (O’DONNELL, 1998, p. 30)

Essa dimensão pressupõe uma ação entre desiguais, estabelecida pelo cidadão e representante. O’Donnell (1998, p. 28) situa essa dimensão nas “eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que ocorra o risco de coerção e cobertura regular pela mídia ao menos das mais visíveis dessas reivindicações e de atos supostamente ilícitos de autoridades públicas.” São ações realizadas individual ou coletivamente, diante dos que ocupam posições em instituições do Estado (O’DONNELL, 1998). Para o autor, a

accountability vertical inclui ações desempenhadas pela sociedade civil e pelos meios de

comunicação, destinadas a expor atos aparentemente contrários ao interesse público, praticados pelas autoridades públicas, do que decorre a necessidade de preservação de um conjunto de liberdades, como a de opinião e associação e de acesso a informações.

Já a accountability horizontal, que diz respeito aos processos de supervisão institucional, consiste na divisão dos poderes e dos controles e equilíbrios entre eles, dispondo os poderes de mecanismos de punição diante de atos impróprios praticados por agentes públicos. De acordo com o autor, essa dimensão pressupõe uma relação entre iguais, ou seja, dos poderes constituídos, diante da “existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a

supervisão de rotina a sanções legais ou até impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou agências de Estado.” (O’DONNELL, 1998, p. 40).

O quadro de dimensões apresentadas pelo autor foi criticado por Andreas Schedler (1999), por entender que as noções de verticalidade e horizontalidade tratadas por O’Donnell, assumem a metáfora espacial convencional de poder (estar em cima significa ter mais poder e estar em baixo significa ter menos poder). Assim, a accountability vertical descreveria uma relação entre desiguais, entre superiores e subordinados. Tem em conta que o autor não esclarece em qual parte se inicia o exercício do poder e se esse poder sofre inversão de lados. Para Schedler (1999), nas democracias representativas os representantes sofreriam inversão de poder em momentos de eleições.

No que se refere à accountability horizontal, a crítica vem quando O’Donnell, ao descrever essa dimensão espacial, trata de uma relação de poderes entre iguais, ou seja, que ambos têm poderes equivalentes. Schedler (1999) questiona essa igualdade de poder considerando que tal relação diz respeito a sujeitos com diferentes níveis de poder. Para este autor, o critério de igualdade entre poderes, que encerra a noção de accountability horizontal, é impossível de ser aferido.

Para Schedler (1999), a busca por accountability é derivada do embaciamento do poder em direção à transparência de informações, e que o significado do termo tem maior sentido quando se trata do público, de modo a preservar três noções (dimensões presentes nas experiências de accountability), a saber: informação (com vistas à transparência); justificação (dos atos praticados); e sanção. Essas noções visam evitar e corrigir abusos do poder político. Segundo o autor, resumidamente, accountability pode ser definida da seguinte forma: “A é

accountable perante B quando A é obrigado a informar B sobre as ações e decisões de A

(passadas ou futuras), para justificá-las, e sofrer punição no caso de eventual má conduta.” (SCHEDLER, 1999, p. 17, tradução nossa).

De acordo com essa definição, a prestação de contas “envolve o direito de receber informação e a correspondente obrigação de liberar todos os detalhes necessários. Mas, implica também o direito de receber explicação e o correspondente dever de justificar a conduta.” (SCHEDLER, 1999, p. 15, tradução nossa). Importa dizer que a dimensão informativa e argumentativa, ou seja, a prestação de contas (answerability), não é somente uma “atividade discursiva [...] uma espécie de inquérito benigno, um diálogo amigável entre as partes [...]” (p. 15, tradução nossa), mas também conta com uma dimensão impositiva ou sancionatária (enforcement).

Conforme anota Schedler (1999), answerability, e a dupla busca de informações e justificação que ela implica, não é toda história da accountability. Esta envolve mais do que a geração de dados e a interação de argumentos. Além da dimensão informacional e de seus aspectos explicativos, também contém elementos de enforcement (recompensando o bom e punindo o mau comportamento). Portanto, implica considerar que as pessoas responsáveis não só digam o que têm feito e porque o fizeram, mas que sofram as consequências por isso, incluindo eventuais sanções negativas.

Schedler (1999) comenta que, embora em experiências de accountability política geralmente todas as três dimensões – informação, justificativa e sanção – estejam presentes, “elas são variáveis contínuas que se mostram em diferentes graus, com diferentes misturas e ênfases. Além disso, mesmo que uma ou duas delas ainda estejam faltando, podemos legitimamente falar de atos de accountability.” (p. 17).

Para Afonso (2009a), as duas primeiras dimensões referidas por Schedler – informação e justificação – constituem o que este autor chama de pilar da prestação de contas, ou seja, “obrigação ou dever de responder a indagações ou solicitações (answerability).” E mais, assinala o autor, “devem orientar-se pela transparência, atender ao direito de informação e ter em consideração outros princípios legais e éticos congruentes com especificidades das situações [...]” (AFONSO, 2009a, p. 59).

No que se refere à dimensão enforcement, o autor a considera integrável ao pilar da responsabilização (AFONSO, 2009a), o qual sintetiza aspectos não somente concentrados em consequências derivadas da imposição de sanções negativas. Para Afonso (2010, p. 151), outras consequências podem ser referidas, como, “a assunção autônoma de responsabilidades pelos atos praticados, a persuasão ou advocacia moral, o reconhecimento informal do mérito, a avocação de normas de códigos deontológicos e atribuição de prêmios ou recompensas materiais e simbólico [...]”

Assim, de acordo com Afonso (2009, p. 14), o conceito de accountability é articulado e/ou articulável a três dimensões: avaliação, prestação de contas e responsabilização. Para o autor, essas dimensões formam um sistema completo de accountability, “[...] denso do ponto de vista político, axiológico e epistemológico, bem como um sistema complexo em termos de procedimento, dimensões e prática [...]” (AFONSO, 2009, p. 25). Nessa perspectiva, sempre que possível a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização devem se manter integradas ou ser integráveis, conforme indicam os elementos do Quadro 2.

Quadro 2 – Dimensões de um modelo de accountability Accountability Avaliação ex-ante Prestação de contas (answerability)  Fornecer informações  Dar justificações

 Elaborar e Publicitar relatórios de avaliação Avaliação ex-post

Responsabilização (responsabilization)

 Imputação de responsabilidades e/ou imposição de sanções negativas (enforcement)

 Assunção autónoma de responsabilidades  Persuasão

 Atribuição de recompensas materiais ou simbólicas  Avocação de normas de códigos deontológicos  Outras formas legítimas de responsabilização Fonte: Afonso (2009a, p. 60).

Sobre o pilar da avaliação, o autor também explica:

A avaliação pode ser utilizada, entre muitos outros objectivos e funções, como condição sine qua non para o desenvolvimento de processos de prestação de contas e de responsabilização (accountability). Ou seja, a prestação de contas, como acto de justificação e explicação do que é feito, como é feito e porque é feito, implica, em muitos casos, que se desenvolva alguma forma ou processo de avaliação ou autoavaliação (mesmo que implícita). Neste sentido, quando a prestação de contas exigir a avaliação, esta deverá desenvolver-se de forma fundamentada e o mais possível objectiva, de modo a procurar garantir a transparência e o direito à informação em relação à prossecução de políticas, orientações, processos e práticas. (AFONSO, 2009, p. 14).

O que Afonso (2009a, 2010) designa de modelo completo de accountability, portanto, “mais complexo, consistente e com novas interações e interfaces” (AFONSO, 2010, p. 150), diz respeito ao modelo que articula os três pilares: avaliação, prestação de contas e responsabilização. Assim, o que Schedler considera atos de accountability, Afonso denomina “formas parcelares de accountability”, que seriam compatíveis com ações ou procedimentos de apenas algumas dimensões da prestação de contas ou da responsabilização. Segundo defende Afonso (2009a, p. 60), um modelo de accountability é “uma estrutura mais completa, preferencialmente adaptável, aberta e dinâmica, em que diferentes dimensões ou formas parcelares de accountability apresentam relações e intersecções congruentes, fazendo sentido como um todo.” O Esquema 1 articula os elementos que caracterizam, na ótica do autor, a ideia de formas parcelares, de modelo e de sistema de accountability.

Esquema 1 – Accountability com base em Almerindo Janela Afonso

Fonte: Ferronatto (2014, p. 54).

Assim como Schedler, também Scott Mainwaring (2003) tece críticas à terminologia de O’Donnell, por entender que há nela dois problemas. O primeiro tem a ver com a imagem de assimetria de poder das relações hierárquicas, expressa na metáfora física informada pela noção de accountability vertical, conforme também criticou Schedler. O segundo problema diz respeito à união de dois tópicos que, no entendimento de Mainwaring não poderiam ser unidos, quais sejam: a metáfora física, pela imagem de independência, assente na noção de horizontalidade, e de hierarquia, na noção de verticalidade, e o agente da accountability, mais precisamente sua locação (sociedade versus Estado).

Para Mainwaring (2003), algumas relações intraestatais também são verticais – por exemplo, atores estatais que devem responder a outros agentes do Estado –, e a combinação da distinção entre accountability horizontal e vertical com a distinção em razão da posição que o agente ocupa – Estado versus sociedade – é mesmo problemática. Assim posto, o autor opta por distinguir dois tipos de accountability, com os quais entende não haver mistura do agente com a natureza da relação horizontal – vertical. É o que chama de accountability eleitoral e accountability intraestatal. Na esteira desse posicionamento, importa mencionar o entendimento do autor acerca da accountability política, qual seja, uma relação formal em que os agentes públicos têm seus atores controlados, podendo também impor sanções. O ponto central desse entendimento é, portanto, o direito de o ator social demandar explicações do agente público. No caso de instituições não estatais, por não terem o dever legal de ação, o monitoramento por elas exercido, segundo o autor, não configura accountability.10Ante tal entendimento, a accountability política só pode ser exercida por dois tipos de atores: os eleitores, na reeleição de candidatos (accountability eleitoral); e os órgãos estatais (accountability intraestatal).

Importa destacar que mesmo O’ Donnell (2001), com sua conceituação do termo

accountability no contexto da formalidade institucional, enfatiza a importância do conceito

proposto por Smulovtz y Peruzzotti acerca de uma accountability vertical não eleitoral, denominada de accountability societal, que enfoca ações de agentes da sociedade civil que visam investigar e expor abusos cometidos por agentes públicos, com sanções simbólicas, em vez de sanções legais, mas que poderiam ter consequências materiais pela capacidade de fazer soar o alarme que ativa processos accountability horizontal ou eleitoral. Segundo argumentam Peruzzotti e Smulovtz (2002, p. 24, tradução nossa),

[...] a forma tradicional de entender accountability – interessada principalmente na disponibilidade e na natureza das ferramentas institucionais de controle – tem ignorado em grande medida a contribuição da sociedade civil no exercício do controle. O conceito de accountability social intenta especificar como funcionam estas relações e que consequências específicas têm na gestação de governos mais responsáveis (accountable).

A accountability social, segundo Peruzzotti (2005, p. 5, tradução nossa), “representa uma das diversas formas de politização com base na sociedade civil que tem lugar nas novas democracias [...] faz referência a um conjunto diverso de ações e iniciativas civis orientadas

10 Embora Mainwaring reconheça o papel da imprensa e de algumas organizações não governamentais na tarefa

de monitoramento das atividades públicas, elas não são incluídas na definição de accountability proposta pelo autor, posto não lhes ser possível a imposição de sanções legalmente previstas.

ao redor de demandas de accountability legal.”11 Significa, portanto, que a accountability social constitui um complemento subinstitucional de incidência direta no funcionamento e desempenho dos mecanismos institucionalizados de accountability verticais e horizontais, conforme definido por O’Donnell, por meio da atuação dos cidadãos e das organizações da sociedade civil na esfera pública, questionando decisões, denunciando comportamentos ilegais ou tematizando problemas ou assuntos (PERUZZOTTI, 2005). Nessa direção, a

accountability social

[...] é um mecanismo de controle vertical, não eleitoral, das autoridades políticas baseado nas ações de um amplo espectro de associações e movimentos cidadãos, assim como também mediáticas. As iniciativas destes atores têm por objetivo monitorar o comportamento dos funcionários públicos, expor e denunciar seus atos ilegais e ativar a operação de agências horizontais de controle. A accountability social pode canalizar-se tanto por vias institucionais como não institucionais. (PERUZZOTTI; SMULOVTZ, 2002, p. 32, tradução nossa).

Conforme argumenta O’Donnell (2001), em países da América Latina, onde a

accountability vertical eleitoral é, em comum, muito deficiente, a versão societal da accountability vertical tem grande importância para o funcionamento, assim como pode ter

para a própria sobrevivência de um regime democrático. Segundo o autor, esse conceito melhora e elabora frutuosamente as observações que ele mesmo traçou sobre inter-relações entre as dimensões horizontal e vertical da accountability:

Por um lado, uma sociedade alerta e razoavelmente bem organizada, e meios [de comunicação] que não se inibem de assinalar casos de transgressão e corrupção, proporcionam informação crucial, apoios, e incentivos políticos para as dificultosas batalhas que as agências AH [accountability horizontal] podem ter para empreender contra poderosos transgressores e corruptos. Por outro lado, a disponibilidade percebida deste tipo de agência horizontal para empreender essas batalhas, pode alertar o empreendimento de ações de accountability societal vertical. Estes efeitos, respectivamente de estimulação de AH e de indução de accountability societal vertical, são extremamente importantes para entender a dinâmica da política democrática [...] (O’DONNELL, 2001, p. 26, tradução nossa, grifos do autor).

De acordo com Lavalle e Isunza Vera (2011), essa incorporação da ideia de

accountability, seja no debate acerca da pluralização da representação,12 seja em estudos da sociedade civil, evidencia haver um movimento na direção de novas estratégias conceituais.

11 O conceito engloba um conjunto diverso de iniciativas mobilizadas por organizações não governamentais,

movimentos sociais, associações cívicas e meios independentes, guiados pela preocupação comum de melhorar a transparência e o controle da ação governamental (PERUZZOTTI, 2005).

12 Na perspectiva de Pitkin, citada por Lavalle e Isunza Vera (2011), sobre a relação entre autorização e accountability, as teorias centradas na ideia de accountability teriam nascido da inconformidade ante as teorias

de autorização. Procuravam “tornar mais exigente o conceito de representação, denunciando as insuficiências de um ato de consentimento único e introduzindo a necessidade de controles e sanções sobre os políticos.” (p. 130).

Quer dizer que, “frente à impossibilidade de resolver satisfatoriamente um modelo de autorização, a dimensão da accountability tem sido resgatada como uma via alternativa para elaborar a eventual legitimidade das novas práticas de representação.” (LAVALLE; ISUNZA VERA, 2011, p. 129). Conforme assinala Fox (2006), mais recentemente alguns analistas vêm introduzindo a dimensão de accountability diagonal ou transversal, que diz respeito à união de agências públicas de supervisão com atores estatais e sociais.

Referindo-se ao tema da participação dos cidadãos como controle e atentos à compreensão da estrutura de relações entre atores governamentais, burocrático- administrativos e os cidadãos, Lavalle e Isunza Vera (2010) explicitam, inicialmente, uma perspectiva sobre tipos lógicos possíveis da relação entre Estado e sociedade, desenvolvendo, para tanto, a noção de interfaces socioestatais. A tipologia traçada, que observa a diversidade de encontros intencionais entre sujeitos societais e estatais, tem por base relações nas quais os atores têm como bem articulador (base do intercâmbio): a informação (saber), o poder (fazer) e os objetos ou valores (ter). Com base no conceito de interfaces socioestatais adotada pelos autores, a base de intercâmbio – informação, poder e valores – pode ocorrer em três sentidos: da sociedade para o Estado; do Estado para a sociedade; ou em ambos os sentidos. Tal ordenação consta do Quadro 3.13

Quadro 3 – Relações sociedade-Estado: esquema analítico das interfaces socioestatais Grafo* Bem base do

intercâmbio Gramática do intercâmbio Lógica do Intercâmbio Exemplo empírico S → E Informação Sociedade informa ao Estado Fazer saber

Consultas não vinculantes Caixa de reclamações Pesquisas a usuários Campanhas midiáticas estatais Transparência governamental Relatórios de trabalho Conselhos consultivos Mesas de diálogo S← E Sociedade é informada pelo Estado

S ↔ E Sociedade e Estado se informam mutuamente S =>E Poder Sociedade manda no Estado Fazer fazer Eleições

Referendum, plebiscito, etc. Políticas culturais terceirizadas Conselhos decisórios Orçamentos participativos S<=E Sociedade é mandada pelo Estado S<=>E Sociedade e Estado se mandam mutuamente S→E Sociedade fornece ao Estado Impostos

13Consoante destacam os autores, na realidade as interfaces socioestatais estruturam-se no contexto de uma

complexidade de relações que dificilmente ficam restritas a um dos tipos apontados. Explicam que, por exemplo, um tipo de interface que pareça claramente situada na tipologia pode, na realidade, possuir muitas tonalidades. Por essa razão, acreditam que os tipos definidos ajudam a melhor compreendê-las.

S←E Bens e serviços

Sociedade é fornecida

pelo Estado Fazer

ter

Transferências Subsídios

Obras com emprego Projetos de coinvestimento S↔E

Sociedade e Estado se fornecem mutuamente

Fonte: adaptado de Lavalle e Isunza Vera (2010, tradução nossa).

* S representa o ator societal e E o ator estatal. A flecha de direção simples (↔) diz respeito a tipos

cognoscitivos. A flecha de dupla direção () diz respeito a tipos políticos. A flecha tachada diz respeito a tipos econômicos.

Do exposto, nas interfaces formadoras de parte dos mecanismos de accountability, verifica-se que há um sujeito S1 que se relaciona com outro sujeito (S2), seja diretamente ou por intermédio de um terceiro (S3) que articula o mecanismo por meio da lógica estrutural de interfaces. Nessa direção, Lavalle e Isunza Vera (2010) sinalizam a identificação de três tipos principais de relações e quatro tipos de atores nas interfaces socioestatais de accountability:

a) relações: S1→S2 (Sujeito 1 informa o Sujeito 2); S1=>S2 (Sujeito 1 manda/domina no Sujeito 2); e S1=S2 (Sujeito 2 representa o Sujeito 1);

b) atores: S (Sociedade, atores individuais); SC (Sociedade civil (atores coletivos); E (Estado); e Aa (Agência de accountability).

Assim posto, considerando definições mencionadas até aqui, Lavalle e Isunza Vera (2010) referem um conjunto de noções de accountability no âmbito do que chamam de primeira geração da literatura sobre o tema, nomeadamente em torno das formulações de Guilhermo O’Donnell e de Catalina Smulovitz e Enrique Peruzzotti, conforme ilustrado no Esquema 2.

Esquema 2 – Mapa conceitual da primeira geração da literatura sobre accountability

[1]

[3] [2]

[1] Accontability horizontal [O’Donnell]. [2] Accontability vertical [O’Donnell].

[3] Accontability social [Peruzzotti e Smulovitz].

Fonte: Lavalle e Isunza Vera (2010, p. 55).

Agência de

accountabilit y

Estado

Meios de informação

No que denominam de segunda geração da literatura sobre accountability, figuram os conceitos de accountability diagonal e transversal, formulados, respectivamente, por Goetz e Jekins (2001) e Isunza Vera (2002). Esses conceitos referem-se “aos mecanismos de

accountability que implicam a ação os cidadãos [...] controlando os atores estatais dentro do

mesmo aparato estatal.” (LAVALLE; ISUNZA VERA, 2010, p. 56).

No contexto das chamadas formas híbridas14 de accountability, o conceito de diagonal tem a ver com o envolvimento direto dos cidadãos com instituições públicas ou privadas, mediante mecanismos como iniciativas conjuntas de monitoramento da sociedade civil e estatal ou auditoria cidadã. Trata-se, portanto, de novas formas de articular, a partir da sociedade civil, os mecanismos de accountability vertical e horizontal (GOETZ; JENKINS, 2001).

Isunza Vera (2002), na proposição da dimensão transversal de accountability, situa-a como mecanismo dirigido por meio das instituições do Estado, atravessando o espaço da sociedade até o interior do Estado. Conforme o autor, a acountability transversal compreende

[...] aqueles mecanismos que, ainda sendo instituições do Estado são desenhadas e funcionam de tal forma que afundam suas raízes de maneira explícita na sociedade civil, através da presença especialmente protegida de cidadãos independentes e autônomos que não representam, mas sim exemplificam as qualidades de um ethos cidadão. (ISUNZA VERA, 2002, p. 4, tradução nossa).

Também do conjunto da segunda geração, Ackerman (2004) faz uma diferenciação das ações definidas por Peruzzotti e Smulovitz como accountability social. Essa diferenciação ocorre em dois sentidos: a accountability impulsionada pela sociedade (visa pôr em marcha os mecanismos de accountability horizontal); a accountability direta em sentido vertical (supervisão direta e pressão sobre assuntos específicos, exercida por atores representantes da sociedade civil). O Esquema 3 ilustra o conjunto de mecanismos da referida segunda geração.

14 A referência é de Goetz e Jenkins (2001) e compreende formas de articular, em nível de sociedade civil,