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CAPÍTULO 2. ESCOLA, PROFESSORES E ALUNOS

2.10 Caracterizando os sujeitos professores

A opção por pesquisar as práticas pedagógicas de leitura e de escrita em aulas de Ciências, de Geografia e de Matemática tem as seguintes justificativas: a Matemática é uma disciplina que, na grade curricular, apresenta, histórica e culturalmente, o mesmo número de aulas destinadas ao ensino da Língua Portuguesa, sendo, pois, hierarquicamente, no contexto escolar, considerada tão relevante quanto o Português. O mesmo se dá no contexto social, uma vez que o currículo revela a posição política e não só pedagógica de uma dada sociedade. Além disso, os alunos da Educação Básica – quer as crianças, quer os adolescentes, quer os jovens e adultos e mesmo outros sujeitos sociais que não estão inseridos formal ou informalmente no sistema público de ensino - têm sido colocados à prova em avaliações sistêmicas para explicitar o nível dos conhecimentos e habilidades Matemáticas que possuem no desempenho de diversas tarefas, nos meios escolares ou na sua vida social. Os resultados dessas avaliações de grande escala demonstram que o desempenho dos sujeitos tem ficado muito a desejar, em patamares muito insignificantes e que não há relevante diferença entre indivíduos que cursaram poucos ou muitos anos de escolarização (FONSECA, 2004).

A Geografia e as Ciências Físicas, Químicas e Biológicas foram escolhidas porque: a) cada vez mais as relações conceituais - guardadas as especificidades dos seus objetos – abordadas nessas duas áreas do conhecimento, têm sido mais estreitas e têm possibilitado trabalhos interdisciplinares no contexto escolar; b) são disciplinas escolares em que os conhecimentos prévios dos alunos são muito exigidos pelos professores, considerando que grande parte dos estudos realizados em sala estão diretamente relacionados à vivência dos alunos ou mesmo são básicos para a sua inserção em determinadas práticas sociais; c) em ambas, os trabalhos em sala se baseiam em textos escritos, verbais e/ou não verbais e empregando diferentes formas de linguagem; d) o nível de abstração que se espera serem os alunos capazes de demonstrar em suas leituras e produções de textos; e) a utilização de diferentes linguagens para representar os fenômenos por elas descritos (mapas, gráficos, tabelas, croquis de experimentos e espaços geográficos e geológicos, representação de fenômenos físicos, químicos e biológicos, dentre outros).

Considere-se, ainda, a realização de outras pesquisas nessa escola e que contemplaram outras áreas do currículo escolar: uma focada em aulas de Língua Portuguesa, tendo como sujeitos alunos de três quartas séries e sua professora, e outra na área de História, com alunos dos primeiros anos escolares. A primeira dessas18 estudou as relações de interação professor/aluno e aluno/aluno, numa perspectiva etnográfica interacional, visando explicitar de que formas se manifestam as diferenças e preconceitos raciais. A segunda19 teve como foco o professor de História e investigou sua prática pedagógica. O objeto de estudo dessa pesquisadora foi a relação do uso do LD de História melhor avaliado pelo PNLD 2004 e o lugar ocupado por ele no contexto das práticas pedagógicas das professoras ao ensinar História para crianças. O objetivo desse estudo foi de compreender as relações que as práticas pedagógicas têm com os contextos em que os alunos estão inseridos e os saberes que circulam nos contextos observados.

Os professores de Ciências, de Geografia e de Matemática, sujeitos desta pesquisa, identificados por Juliana, Laís e Lívio, atuaram por dois anos com o grupo de alunos em foco e são todos formados em cursos de graduação de uma mesma universidade. A professora de Ciências, Juliana, exerce a docência há 17 anos e meio. Durante um ano e meio e que coincide com o período inicial da sua experiência como docente, ela lecionou na rede privada de ensino, em regime parcial (20 horas semanais) de aulas. Após isso, foi aprovada em concurso público e se efetivou na escola pesquisada, em regime de dedicação exclusiva. A professora de Geografia, Laís, atua há 27 anos no magistério, sendo 13 anos nessa escola, em regime de dedicação exclusiva; os outros 14 anos iniciais em escolas da rede municipal de Belo Horizonte, em regime de trabalho de 40 horas, mas em ambas as redes (municipal e federal) atuou no quadro efetivo. Essas duas professoras são especialistas e Mestres na área de sua formação. O professor de Matemática é recém-formado (2006), concluiu em 2007 o seu curso de especialização e a sua experiência docente à época da entrevista era unicamente nessa escola, ou seja, 21 meses. Ele cumpria um contrato de substituição já renovado e com vigência de 24 meses, findando, portanto, em 31/12/2008. As professoras tinham, respectivamente, idades entre 50 e 60 anos e o professor, com 25 anos.

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Trata-se de pesquisa de Doutorado, defendida em 2008, junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG, por Elânia de Oliveira, professora de Língua Portuguesa e sob a orientação da professora Dra. Maria Lúcia Castanheira.

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Todos trabalhavam no período de coleta dos dados com as três turmas de 8º ano. Pelo caráter precário do contrato do professor de Matemática, ele tinha uma carga didática muito alta, em torno de 22 aulas e não tinha, por isso, encargos administrativos ou de outra natureza. As professoras, contudo, cumpriam doze horas de regência cada uma e outros encargos administrativos, a saber: coordenação de Ciclo (elas coordenavam pedagogicamente os trabalhos relacionados ao grupo de professores que atuam com os alunos de um ciclo, no caso, o III, ou seja, alunos de 6º ao 9º anos), coordenação de Núcleo (elas coordenavam administrativa e pedagogicamente os professores da área de formação afins, no caso, as Ciências Físicas, Químicas e Biológicas e a Geografia/História, respectivamente), além de encargos em pesquisa.

No que tange à extensão, a professora de Ciências desenvolve projetos no Programa Ações Educativas Complementares com quatro subprojetos. Esse programa envolve a participação de estudantes de cursos de licenciatura/bacharelado que atuam como bolsistas e o público de destino são alunos da Educação Infantil e Educação Básica. A professora de Geografia trabalha em projetos de assessoria e consultoria junto à Secretaria de Educação, que contribui para a formação de professores e para a proposição curricular de Geografia na rede municipal de Belo Horizonte. O professor de Matemática atua, sob a supervisão de docentes da universidade, em bancas de correção de avaliações sistêmicas de grande escala (PISA) ou de vestibulares. Informaram as professoras, porém, que nenhum dos projetos desenvolvidos por elas envolvem alunos da escola.

Sobre a avaliação do ser professor nessa escola, os três foram unânimes em afirmar que o CEGRO é uma escola de muito boa infraestrutura física, de equipamentos e materiais disponibilizados. Uma das professoras, contudo considera que há alguns aspectos que ainda dificultam o trabalho, a saber: falta de tempo maior para reflexão sobre as intervenções pedagógicas e pesquisas envolvendo o processo e o resultado das intervenções; falta também de espaços e tempos apropriados para as mudanças que a organização do trabalho em ciclos exige (ampliação do número de salas de aula, laboratórios e gabinetes individuais para os docentes); falta de recursos e equipamentos necessários à demanda dos professores (refere-se ao número de equipamentos e mais disponibilização de recursos para atividades de campo), excesso de atividades administrativas. Para essa mesma professora, a possibilidade de interagir com pessoas de diferentes áreas é um diferencial e positivo, pois os docentes têm a oportunidade de produzir conhecimentos para a melhoria do ensino e a formação de

professores. Na visão do professor de Matemática foi destaque o seguinte: a escola possui diversos fóruns nos quais os professores podem expressar seus diferentes pontos de vista sobre a prática e sobre a própria formação acadêmica e que esse perfil da interlocução na prática sobre a prática contribui, principalmente para a formação de professores iniciantes como ele.

Como, em geral, nas escolas da rede pública se observa um grande número de falhas de professores ao trabalho, tendo como justificativas a saúde, foi perguntado a esses professores se eles apresentam algum problema considerado como “doença profissional” na Educação, qual seria e a que atribuem a origem desse mal. Uma das professoras disse que desenvolveu um quadro de hipertensão com picos no horário de trabalho, mas que não considera doença específica do trabalho. Para os outros dois, a resposta foi negativa e se sentem muito bem em ser/estar professor no CEGRO. Sobre a origem do mal relatado, a professora informa certa insatisfação com iniciativas (não foi detalhado, mas ela reitera as ações citadas quanto ao fazer pedagógico, respondido anteriormente – avaliação das intervenções pedagógicas e pesquisas) “que deveriam dar prazer, saber com sabor”. Para os outros dois, a origem de qualquer problema no campo profissional trata-se de uma questão de saber separar o que é e pode ser característico e resolvido do ponto de vista do trabalho docente e o que é da esfera do pessoal e das relações.

O fato de serem todos graduados pela mesma universidade, inicialmente, não é um dado relevante para a escolha desses sujeitos, mas pode ser um diferencial para se pensar a relação entre ensino e formação de professores realizado na academia e as novas demandas para o ser professor nos tempos atuais de globalização: como é percebida a questão de formação de leitores numa perspectiva do letramento (SOARES, 2003, 2004). Esta pesquisa focará as práticas desenvolvidas por esses professores numa tentativa de mapear que práticas são essas e como essas contribuem para práticas sociais dos alunos com as atividades de linguagem.

Uma pergunta em relação ao hiato entre os tempos de formação desses docentes e suas idades: em que a maior ou a menor experiência no magistério interfere ou facilita (n)a aquisição dos letramentos dos alunos? Mas essa pergunta define outro objeto de pesquisa e que não está no foco desta, mas espera-se poder aventar algumas hipóteses sobre isso a título de contribuições para trabalho futuros no campo das pesquisas em Educação e Linguagem.

CAPÍTULO 3. FALAS, ESCRITAS, LEITURAS: O TRABALHO COM LINGUAGENS NAS PRÁTICAS ESCOLARES

Para mim estas vozes secas em seus herbários, estas vozes que meu avô reanimava só de olhar, ele as escutaria, faria discursos pomposos, eu saberia tudo. (Jean-Paul Sartre, Les mots)